Integrar a academia, sociedade civil, indústria e o poder público no debate sobre a transição energética no Brasil. Esse é um dos principais objetivos do Fórum Popular para Transição Energética Justa, projeto de extensão da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A proposta da iniciativa é ampliar as visões sobre o tema da energia ao ouvir e debater com diferentes grupos sociais, unindo o conhecimento acadêmico com saberes populares e tradicionais.
“Transição energética é um termo muito técnico, mas a nossa proposta é desmistificá-lo. Por isso, veio essa ideia de um fórum para trazer os movimentos sociais para dentro desse debate em união com a nossa universidade”, conta João Vitor Lessa, bolsista coordenador e idealizador do projeto e aluno de engenharia ambiental da UFRJ. A iniciativa montou três dias de programação de plenárias para reunir desde professores e alunos da universidade e escolas públicas até representantes de movimentos e associações populares.
Nesta quarta (18), o segundo dia de evento foi marcado por uma plenária sobre energia e conflitos, com a participação de Roberto Oliveira, membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Sérgio Ricardo, atual presidente da Associação dos Pescadores e Lavradores da Ilha da Madeira (APLIM) e Cintia Santo, representante dos movimentos de impactados por termelétricas no Norte Fluminense. A mediação foi feita pelo professor da Escola Politécnica, na área de Gestão Ambiental, Renan Finamore.
O debate ressaltou a importância do olhar para a população atingida no contexto de conflitos ambientais e como isso deve ser feito. Ao dar um panorama histórico da produção de energia no Brasil, Roberto Oliveira explicou que o modelo energético brasileiro atual, herdado da época ditatorial, não contempla os direitos humanos, tampouco os financeiros, pelos quais deveriam ser guiadas as grandes obras de energia no país. “A primeira grande contradição começa pela lógica do próprio sistema. Nós do MAB temos uma pergunta que sempre fazemos: ‘energia para quê e para quem?’. Ou seja, quem vai se beneficiar com essa energia? Nós não acreditamos mais na sensibilização das empresas”, disse.
Pescador há 33 anos, Sérgio Ricardo contou as experiências sofridas pela comunidade pesqueira durante a instalação de termelétricas na Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro. Segundo ele, nunca houve qualquer consulta ou estabelecimento de um relatório de impacto ambiental por parte das empresas sobre os possíveis danos que as obras poderiam trazer para a comunidade pesqueira e também para o meio ambiente da região. “Eles só chegam e ocupam o local que é nosso trabalho e nossa vida”, completou.
Já Cintia Santo compartilhou sua vivência como moradora do município de Macaé (RJ), local de extensa produção de petróleo e gás natural, além da existência de termelétricas. Representante do Movimento Xô Termelétricas, Cintia conta que, ao se instalarem na região, muitas usinas já vêm com sua mão de obra qualificada, o que faz cair por terra a ideia da geração de mais empregos no local e, como consequência, a formação de cada vez mais periferias na cidade.
“A população vai crescendo mas as políticas públicas não crescem junto”, acrescentou. Outro contradição citada por ela vem do sistema de resfriamento das termelétricas, que evaporam grande quantidade de água, enquanto a comunidade local sofre com a falta d’água.
Com o tema Energia Descentralizada, a segunda plenária do dia teve a mediação de Bruno Araújo, geógrafo especialista em clima e políticas públicas e comunicador no @brunopeloclima, e participação de Nayana Cordeiro, Bióloga e Presidente do Sustainable Ocean Alliance Brasil (SOA), Jéssica Jardim, estudante de Defesa e Gestão Estratégica Internacional na UFRJ e integrante do projeto EcoClima, e Beatriz Lopes, representante do Núcleo Interdisciplinar para o Desenvolvimento Social (NIDES/UFRJ). Entre os principais pontos discutidos, o próprio conceito de “energia descentralizada” e a forma como deve ser implementada na sociedade.
Estudante de engenharia da UFRJ, Beatriz falou sobre a importância de pensar em uma transição energética que leve em conta os territórios a partir do próprio conhecimento que eles apresentam, além do conhecimento da sociedade sobre a produção de energia na sua região. Assim, segundo ela, a população não ficará dependente das grandes empresas no processo de gestão energética.
Exemplo disso, é o que vem sendo implementado na favela da Maré, experiência compartilhada por Jessica Jardim. A partir do projeto Ecoclima, em parceria com a Petrobras e o departamento de engenharia ambiental da UFRJ, os moradores da Maré estão desenvolvendo quatro protótipos que vão promover novas formas de energia para a região. São eles: compostagem, mangue, telhado verde e biodigestor com wetlands.
Já Nayana falou sobre como a SOA hub Brasil vem se articulando contra a exploração mineral no mar profundo, que gera impactos tanto locais, como globais. Segundo ela, o problema principal é que hoje não existem dados consolidados sobre como e o quanto essa ação mineratória afeta os ecossistemas, embora já se tenha noção que o impacto é enorme.
“Só alterar a fonte de energia não adianta. Temos que mudar a forma como essa energia é produzida. Os territórios devem produzi-la e consumi-la. Isso é energia descentralizada”, encerrou Bruno.
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