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Governo de Mato Grosso propõe norma que limita criação de áreas protegidas no estado

PEC fere Constituição Federal, diz Rede Pró-Unidades de Conservação. Proposta ainda precisa passar pelo crivo de deputados estaduais

Cristiane Prizibisczki ·
7 de dezembro de 2022 · 2 anos atrás

O governador reeleito de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), enviou à Assembleia Legislativa mato-grossense nesta quarta-feira (7) um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que, na prática, limita a criação de novas unidades de conservação no estado. Para a Rede Pró-UC, a proposta do governador é inconstitucional.

A PEC prevê que a criação de novos parques estaduais só poderá ocorrer após a regularização de 80% das unidades de conservação já criadas em Mato Grosso.

Atualmente, o Sistema Estadual de Conservação Mato-Grossense conta com 47 unidades, entre parques estaduais, reservas, áreas extrativistas e estações ecológicas, entre outras categorias. Tais unidades somam mais de 2,8 milhões de hectares.

Segundo o governo do Estado, somente uma pequena parte desse território já possui regularização fundiária, o que induziria a uma “falsa proteção ao meio ambiente regional”.

“Passados mais de 20 anos da criação, somente 7,3% desse território possui regularização fundiária […] na prática, não ocorreu a integral e concreta ação de preservação/conservação, principalmente pela coexistência de áreas privadas nos limites das Unidades”, continua a justificativa da PEC.

Mauro Mendes argumenta ainda que a falta de previsão de regularização fundiária gera um quadro de “caos econômico, financeiro social e administrativo”, tendo como última via a judicialização, como atualmente acontece com os parques estaduais Serra de Ricardo Franco e Cristalino. Ambas as unidades são alvos de ações que pedem sua extinção.

Além de restringir a criação de novas áreas protegidas somente após a regularização de quase a totalidade das já existentes, a proposta do governador prevê que o governo deva ter a disponibilização orçamentária necessária para a completa e efetiva indenização aos proprietários de terra afetados.

“É chegado o momento de revisar essas normativas que somente criaram verdadeiras ‘unidades de papel’, permitindo assim, uma governança ecológica de resultados práticos e não meramente formais”.

“Inconstitucional”

Para a Rede Pró-Unidades de Conservação, ONG que trabalha em conjunto com outras organizações na proteção de áreas protegidas no país, a norma proposta pelo Mato Grosso é inconstitucional por ferir o artigo 225 da Constituição Federal, que estabelece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

“Ainda que seja uma alteração na Constituição Estadual, essa Constituição Estadual sempre vai se submeter à Constituição Federal. Nesse caso, a alteração vai diretamente contra ao Artigo 225 e não pode estar condicionada a uma questão operacional de pagamento dessas áreas, porque você corre o risco de perdê-las”, explica Angela Kuczack, Diretora-Executiva da Rede Pró-UC.

Segundo ela, em médio e longo prazo, o primeiro objetivo do governo, tanto da União quanto dos Estados, segundo a Constituição Federal, é garantir a proteção de áreas que sejam estrategicamente essenciais para a proteção do meio ambiente, de diferentes ecossistemas e espécies.

Ela lembra ainda que muitas das unidades de conservação de Mato Grosso foram criadas sobre áreas de propriedade da União ou do estado, que foram posteriormente invadidas, como é o caso dos próprios parques Cristalino e Ricardo Franco. Por esse motivo, não cabe falar em indenização.

“São áreas em que não é preciso recursos para que sejam regularizadas, o que preciso é muito mais que uma questão burocrática seja resolvida. Quando é área pública, o órgão fundiário tem que passar essa área para o órgão gestor, que no caso do Mato Grosso é a Secretaria do Meio Ambiente, para que ela possa resolver a questão de posse, o que não aconteceu. Além disso, se o governo diz que em vinte anos mais de 92% das áreas não foram regularizadas, ele está mostrando sua própria ineficiência, ineficácia, incompetência e incapacidade. E a sociedade não pode pagar por essa ineficiência”, finaliza.

A proposta ainda precisa ser analisada pelos deputados estaduais para ir à sanção. Até o fechamento da matéria, não havia data prevista para votação da PEC.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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