Notícias

Governo do RJ concede licença à Petrobras, ignorando descumprimento de condicionantes no Gaslub

Autorização vale para empresa fornecer vapor à refinaria de gás no antigo Comperj. Obrigações da licença prévia previam reflorestamento de áreas com impacto direto do empreendimento

José Alberto Gonçalves Pereira ·
8 de agosto de 2024

Apesar do descumprimento de duas condicionantes da licença prévia (LP) do Comperj pela Petrobras e pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a Comissão Estadual de Controle Ambiental (CECA) concedeu a licença de operação e recuperação (LOR) para as unidades de utilidades do Gaslub (ex-Comperj) na reunião do colegiado realizada na terça-feira (dia 6). Nas unidades de utilidades, serão gerados insumos como água tratada, vapor e energia elétrica para a refinaria de gás natural do megaempreendimento da Petrobras, localizado em Itaboraí, no leste fluminense.

A reportagem solicitou a relação de quem votou a favor e contra a aprovação da licença na Ceca à assessoria de imprensa da Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro (Seas-RJ), mas o pedido não foi atendido. Segundo a Seas-RJ, ainda não há previsão para a votação do pedido de concessão da licença de operação que permitirá o funcionamento da UPGN.

Como ((o))eco revelou em reportagens publicadas nos últimos dias 25 de março e 18 e 31 de julho, ainda não foram cumpridas duas condicionantes vitais para a proteção de quase metade dos manguezais do estado do Rio de Janeiro e dos mananciais que abastecem de água potável por volta de 2 milhões de pessoas no leste fluminense. O parecer técnico do Inea que ratificou o pedido de concessão da LOR das unidades de utilidades ignorou o descumprimento das condicionantes 30.1 e 30.2 da LP do Comperj.

Não foram restauradas, por exemplo, as matas ciliares das sub-bacias dos rios Caceribu e Guapi-Macacu, como obriga a condicionante 30.1 da LP FE013990/2008, emitida em março de 2008 pela Ceca. A LP teve de incorporar as determinações da Autorização Ibama nº 001/2008, visto que o Comperj (agora Gaslub) impacta direta e indiretamente os manguezais existentes em duas unidades de conservação federais – a Área de Proteção Ambiental (APA) Guapi-Mirim e a Estação Ecológica (Esec) Guanabara. 

O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) 1 do Comperj autorizou a empresa a monetizar a obrigação de restaurar 5.005 hectares, incluindo as matas ciliares previstas na condicionante 30.1. Entre 2019 e 2020, a petroleira depositou R$ 396 milhões no Fundo da Mata Atlântica (FMA-RJ), vinculado ao Inea), relativos à quitação da determinação de restaurar 5.005 hectares na bacia hidrográfica onde se localiza o Gaslub. 

No entanto, o programa Florestas do Amanhã (FDA), criado pela Seas-RJ para implementar projetos com os recursos do TAC 1, só havia iniciado a restauração de 314 hectares, ou 6,3% dos 5.005 hectares previstos no acordo entre Petrobras, Seas-RJ, Inea e Ministério Público Estadual (MPRJ), até maio de 2023 (última atualização dos dados da iniciativa no Portal da Restauração Florestal Fluminense do Inea). A área sob restauração até aquele momento havia demandado a liberação de R$ 8 milhões do recurso do TAC 1, ou 2% do montante total transferido pela empresa ao FMA-RJ. Ainda assim, a área sob restauração não corresponde às faixas marginais dos rios das bacias do Caceribu e Guapi-Macacu na região a montante do Gaslub, incluindo as nascentes.

Já a condicionante 30.2 da LP tem sido vítima de um jogo de empurra entre Petrobras, Inea e prefeitura de Guapimirim, cidade vizinha a Itaboraí. Inicialmente, a estatal descumpriu a 30.2, que a obrigava a comprar, reflorestar e promover a manutenção de uma área de 2.525 hectares para servir de zona tampão, mitigando (atenuando) os impactos ambientais negativos do Comperj sobre a APA Guapi-Mirim e a Esec Guanabara. 

Em vez de tomar providências administrativas e judiciais e negar a concessão da licença de instalação (LI) à Petrobras, o Inea transformou a obrigação original ao averbar a LI IN001540/2009 em março de 2012 para incluir a condicionante 35, que afrouxou a obrigação original da petroleira. A condicionante 35 mudou radicalmente o compromisso descumprido da 30.2 ao prever apenas um genérico apoio financeiro e técnico ao poder público na implantação e manutenção da zona tampão (Parque Natural Municipal Águas de Guapimirim). Não há até hoje esclarecimento público da Seas-RJ e do Inea para tal modificação.

A Petrobras foi novamente favorecida pelo Inea no termo de compromisso assinado em dezembro de 2013. O documento definiu em R$ 4 milhões o valor do apoio financeiro da empresa. Mais uma vez o governo fluminense não apresentou os critérios técnicos que utilizou para fixar um valor anos-luz distante do mínimo necessário para desapropriar, implantar e restaurar o parque, que se encontra totalmente desmatado por causa das pastagens lá existentes. Estima-se que o custo para desapropriar a área não fique abaixo de R$ 30 milhões. Sua restauração pode ultrapassar R$ 200 milhões, se considerarmos uma conta  proporcional à usada para monetizar as obrigações de restauração florestal da empresa no TAC 1 do Comperj.

O parecer do Inea favorável à aprovação da LOR da unidade de utilidades da UPGN preferiu tratar apenas da condicionante 35 da LI IN001540/2009, resumindo-se a atestar o depósito de R$ 4 milhões feito pela Petrobras numa conta do FMA-RJ entre 2014 e 2015. Informa que o Inea ainda não efetuou a quitação do termo de compromisso firmado em 2013 com a empresa, visando ao cumprimento das condicionantes 30.2 da LP e 35 da LI IN001540/2009.

Posicionamento da Petrobras

A Petrobras enviou a ((o)eco a seguinte nota sobre a concessão da LOR da unidade de utilidades da futura refinaria de gás natural (UPGN) do Gaslub (ex-Comperj), prevista para iniciar atividade até o próximo mês. A empresa volta a afirmar que cumpriu todas as condicionantes do licenciamento do Comperj, mas não apresenta evidências sobre o atendimento das condicionantes 30.1 e 30.2 da LP FE013990/2008.

“A Petrobras obteve, nesta terça-feira, 6 de agosto, a Licença de Operação e Recuperação da Unidade de Utilidades do Polo Gaslub, no Rio de Janeiro. A decisão, por 12 votos favoráveis dos 14 membros, foi dada em audiência da Comissão Estadual de Controle Ambiental, realizada na sede do Inea.

Todas as condicionantes do licenciamento e obrigações foram executadas pela companhia. Monitoramentos e medidas de proteção ambiental permanecem sendo realizados a fim de prevenir e mitigar os impactos ao meio ambiente da região. A Petrobras reforça ainda que cumpre todos os compromissos assumidos com os órgãos ambientais.

A licença de operação da UPNG no Polo Gaslub foi solicitada junto ao INEA em abril de 2021. O Gasoduto Rota 3 está concluído. A previsão é que a Projeto Integrado Rota 3 (PIR3) entre em operação neste trimestre, após a conclusão das obras dessa UPGN. A estimativa é que sejam gerados até 10 mil empregos diretos e indiretos durante a fase de execução das obras de todo o complexo.

A Petrobras realiza o monitoramento de todas as áreas do Polo GasLub, avaliando os resultados com base nas legislações aplicáveis e reportando periodicamente ao INEA a realização dessas atividades.

Em 2014, a Petrobras depositou ao Governo do RJ o valor que lhe fora exigido de R$ 4 milhões, referente à desapropriação da área onde será construído o Parque Municipal das Águas. A companhia acompanha a processo e colabora com o Governo e a Prefeitura de Guapimirim.Adicionalmente, a Petrobras celebrou com o Ministério Público, o Estado do Rio de Janeiro e o INEA dois Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta – TAC, por meio dos quais quitou todas as pendências ambientais decorrentes das obras do antigo Comperj, o que foi homologado judicialmente pelo Poder Judiciário.”

*Atualizado às 13h52 do dia 08 de agosto de 2024 para acrescentar a posição da Petrobras.

  • José Alberto Gonçalves Pereira

    Jornalista especializado em mudanças climáticas e economia verde. Voltou a escrever para ((o))eco em 2020, investigando o Fundo Clima.

Leia também

Reportagens
31 de julho de 2024

Alteração de condicionante favoreceu Petrobras no licenciamento do Comperj

Obrigação de implantar parque (ainda no papel) para proteger mananciais e metade dos manguezais do RJ foi repassada ao governo fluminense e depois à prefeitura de Guapimirim

Reportagens
18 de julho de 2024

Governo do RJ tenta liberar refinaria de gás da Petrobras sem cumprir obrigações do licenciamento

Parecer técnico do Inea ignora descumprimento de condicionantes da licença prévia ao recomendar aprovação da licença de operação da unidade de utilidades da UPGN do Gaslub (ex-Comperj)

Reportagens
10 de abril de 2024

Desmatamento na região do Comperj pode ter favorecido contaminação do rio Guapiaçu por tolueno

Restauração florestal de 4.300 hectares é fundamental para proteger manancial que abastece 2 milhões de pessoas no leste fluminense

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.