Em entrevista realizada na última quarta-feira, 22/9, pelo Canal Rural, o candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esclareceu polêmica sobre o agronegócio, defendeu a demarcação de Terras Indígenas e sublinhou a importância da ciência para o avanço da produção agropecuária no país. Afirmou ainda, pela primeira vez publicamente, que acredita que o produtor deve ter o direito de usar armas “para se defender” no contexto dos conflitos rurais.
“Se tem uma coisa que meu governo fez bem foi cuidar do agronegócio, desde quando eu estava no governo até o governo da Dilma. Agora, tem gente que tem sim discurso fascista. Tem empresário que quer desmatar de qualquer jeito. E tem empresário preocupado em fazer uma agricultura de baixo carbono”, explicou Lula quando questionado sobre declaração dada em entrevista anterior, ao Jornal Nacional em 25/08 , quando afirmou que existiam setores fascistas no agronegócio brasileiro.
O candidato ressaltou que o país tem todas as condições para se manter na liderança da produção agrícola mundial, apesar do momento de instabilidade aprofundado pela guerra na Ucrânia. Para Lula, será necessário que o empresariado tenha consciência da importância da preservação dos biomas. E, citou como exemplo dessa consciência, ter sido contra a expansão do plantio de cana no Pantanal durante seu governo.
Para se manter de acordo com normas internacionais, Lula ressaltou que o país precisa priorizar o investimento científico e tecnológico no campo, incluindo métodos para a diminuição no uso de agrotóxicos. Também mencionou a importância da extração de riquezas da biodiversidade amazônica e usou o termo “grotesco” para se referir ao setor do agronegócio que insiste em desmatar na região.
“A gente não precisa desmatar nada. Essa coisa de desmatamento, é gente grotesca que não tem respeito pela própria produção, porque ele é quem vai se prejudicar”, afirmou, citando novamente tanto a exigência externa ao cumprimento de normas ambientais quanto à necessidade interna de uma alimentação de boa qualidade.
O candidato chamou, ainda, de tacanho e atrasado o discurso do “tem que derrubar, tem que invadir”, referindo-se às invasões de territórios e biomas onde o agronegócio não é permitido. “Isso é ignorância. Isso não é uma atitude empresarial, isso é uma atitude ignorante”, pontuou.
Ao ser questionado sobre a sua vinculação e de seu partido, o Partido dos Trabalhadores (PT), com o Movimento dos Sem Terra (MST), Lula lembrou que “pouquíssimas terras improdutivas foram invadidas neste país” e esclareceu o processo através do qual o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) conclui que uma terra ocupada é improdutiva, remunerando o seu proprietário para que os assentados passem a utilizar o território. Em sua resposta sobre os Sem Terra, Lula completou afirmando que hoje o MST está preocupado em produzir, se organizando em cooperativas e já de olho no mercado estrangeiro, tendo se tornado um movimento muito mais maduro, além de altamente produtivo.
Diante do questionamento sobre a importância do direito à propriedade, Lula lembrou a Constituição Federal, que preconiza o uso social da terra.
Amazônia, Terras Indígenas e violência no campo
A legislação ambiental brasileira e mais especificamente o Código Florestal foram intensamente debatidos. Lula foi pontualmente perguntado sobre como essa questão na Amazônia, onde o uso de 20% das propriedades é permitido, poderia criar problemas por estar em desacordo com exigências recentes do Parlamento Europeu, que defendem o desmatamento zero.
Outro ponto foram os conflitos entre produtores que possuem sobreposição de suas terras com áreas protegidas.
Em sua resposta, o candidato lembrou que as exigências de preservação são diferentes para cada região e que é necessário negociar com os europeus, entendendo a legitimidade de suas exigências. E, também, prometeu que, se eleito, realizará um acordo comercial com a União Europeia nos primeiros seis meses de mandato.
Outra tese recorrente que foi foco do debate seria um suposto “protecionismo ambiental” de ordem internacional na Amazônia. Em resposta, Lula afirmou que sua base de decisão é a ciência. “Eu acredito na ciência quando ela diz que a Amazônia precisa ser preservada em benefício do planeta Terra”, disse.
O candidato do PT, defendeu também que a Amazônia brasileira deve ser estudada para que se extraia dali o que for de benefício ao mundo. Ele criticou mais uma vez o desmatamento, sobretudo em áreas com solo inadequado para a produção agrícola.
Outro assunto pautado pela sabatina do Canal Rural foi a tramitação no STF do Marco Temporal que, ao designar como terras passíveis de demarcação as que foram consideradas ocupadas apenas após promulgação da última Constituição, tende a dificultar a demarcação de novas TIs. Além disso, foi considerado que ao invés de receber mais terras os indígenas poderiam ser “tratados com dignidade” e incluídos na cultura ocidental-capitalista.
Lula esclareceu que os indígenas têm a sua própria cultura diretamente associada aos territórios. “Por que a gente acha muito ter 14% [de terras demarcadas] se eles [povos indígenas] tinham tudo [do território do Brasil]?”, questionou o presidenciável. “Não precisamos das terras indígenas para fazer nada. E quero aproveitar para dizer que sou contra garimpo ilegal. E madeireiro que invadir floresta para derrubar madeira de forma ilegal vai ser punido”, esclareceu Lula.
Sim às armas
Sobre a violência no campo, o candidato petista fez pela primeira vez uma declaração na qual pormenoriza o uso de armamento para a segurança de propriedades, desde que manejadas por pessoas treinadas e em quantidade que possa ser considerada razoável, apesar de posicionar-se contra o armamento da sociedade civil de maneira mais ampla.
“Ninguém vai proibir que o dono de fazenda tenha uma ou duas armas”, afirmou. “Eu sei que há roubo de gado à noite, de cavalo, de qualquer coisa. Você pode ter um segurança, você pode ter uma arma”, comentou Lula. “Ninguém vai proibir que o dono de fazenda tenha uma ou duas armas. Agora, se ele tem 20, não é mais arma para defesa. Se tiver 30, pior ainda.”
Por fim, Lula afirmou que apesar das críticas sofridas por parte da bancada ruralista no Congresso, se eleito irá dialogar abertamente com o setor do agronegócio . “É claro que eu tenho mais amizade com o bancário do que com o banqueiro. Claro que eu tenho mais amizade com o produtor rural do que com o [empresário do] agronegócio. Mas, se eleito, eu vou conversar com o setor que eu sei que é importante para o desenvolvimento do país.”
Lula terminou a entrevista – que também passou por outros temas como a intervenção do governo na economia, reforma tributária e os possíveis investimentos na Petrobras – enfatizando a importância da recuperação de áreas de florestas degradadas.
E contou uma história para lembrar de sua capacidade política e de diálogo com o agronegócio. “Uma vez a embaixadora de Cuba veio me procurar e disse que estava com problema para a produção de soja. Quem eu levei lá? Não foi o João Pedro Stédile [ líder do MST]. Foi o Blairo Maggi [magnata da soja]!” , pontuou.
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