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Morre o 520º tamanduá-bandeira nas rodovias do Mato Grosso do Sul

O tamanduá “Pequi”, monitorado pelo Projeto Bandeiras e Rodovias, foi atropelado próximo de onde vivia, na BR 262. Ele é um dos mais de 8 mil animais atropelados no Mato Grosso do Sul em dois anos

Carolina Lisboa ·
8 de maio de 2019 · 6 anos atrás
Cuidado! Tamanduá na pista. Foto: Mário Alves.

No último dia 16 de abril o Projeto Bandeiras e Rodovias soltou uma nota sobre a morte de mais um dos seus 45 tamanduás-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) monitorados. O animal havia sido batizado de “Pequi” por seguidores das mídias sociais do projeto, após uma votação em setembro do ano passado.

Pequi era um macho adulto que, como muitos da sua e de outras espécies, vivia transitando entre áreas de uso, que incluíam pastos e reservas legais de fazendas particulares e de um assentamento rural no município de Ribas do Rio Pardo, no Mato Grosso do Sul (MS). Ele usava um colar com GPS desde agosto de 2018, para que os pesquisadores pudessem monitorar seus movimentos. Concluíram que Pequi sempre atravessava a BR 262, uma rodovia bastante antiga que liga Corumbá, na divisa com a Bolívia, a Vitória (ES), em busca de áreas para alimentação e refúgio. Na noite de 9 de abril, o tamanduá foi atropelado nessa mesma BR, num trecho não duplicado que liga Campo Grande a Ribas do Rio Pardo.

“A BR 262 tem alguns pontos de travessia que foram feitos para o gado. Porém, não é uma rodovia bem preparada para evitar atropelamento de fauna, já que não tem cercas nem a quantia adequada de travessias”, informou Mário Alves, veterinário do projeto. “Não fizemos necropsia do Pequi porque quando encontramos a carcaça, ela já estava em estágio avançado de decomposição”, lamentou o veterinário. O tamanduá-bandeira é o animal ameaçado de extinção mais atropelado no Mato Grosso do Sul e a terceira espécie mais atingida, segundo dados do projeto. Em apenas 26 meses de monitoramento em três rodovias do MS foram encontradas 520 carcaças de tamanduás-bandeira e mais de 8 mil animais atropelados.

O Projeto Bandeiras e Rodovias monitora a fauna atropelada como um todo e 45 tamanduás-bandeira por meio de radiotelemetria, fazendo rotas quinzenais em 1.300 km das rodovias BR 262, MS 040 e BR 267, no Mato Grosso do Sul. Através do colar com GPS, os pesquisadores coletam dados importantes sobre o padrão de movimentação dos tamanduás, visando compreender as interações entre os indivíduos e a espécie com as rodovias.

Ben atropelado. Foto: Mário Alves.

Segundo Mário Alves, Pequi não foi o primeiro animal com colar a ser atropelado. Outro tamanduá nomeado “Ben”, por exemplo, foi morto em agosto de 2018 na BR 267, vítima de colisão veicular. “Também houve animais que foram atropelados depois que tiramos o colar. Apesar de os dados de número de mortes de animais serem assustadores, é importante destacar que eles são subestimados. Tem muita carcaça que desaparece antes que nossa equipe possa registrar, além de animais que morrem fora da pista, por exemplo”, informou o veterinário. Para Alves, “o atropelamento de fauna é obviamente uma problemática muito importante para a conservação da biodiversidade, mas também para a segurança dos motoristas, pois muita gente morre aqui no Estado com colisões assim. É importante frisar que não estamos de forma alguma culpabilizando os motoristas quando debatemos o problema. O que o projeto busca é viabilizar rodovias que previnam esse tipo de acidente”.

Mitigação de acidentes

A bióloga Fernanda Abra, doutoranda em ecologia de estradas pela Universidade de São Paulo (USP), sócia-fundadora da empresa de consultoria ViaFAUNA e vencedora do Prêmio Future For Nature 2019, lamentou a morte de Pequi. “Toda morte de animal por atropelamento é digna de ser lamentada, porém, esse episódio com o Pequi nos faz refletir quão grave é a questão dos atropelamentos nas rodovias do MS. Um animal que estava retornando dados valiosíssimos para a pesquisa e para o pessoal do Bandeiras e Rodovias. Houve um esforço de recursos humanos, recursos financeiros, esforços para capturar o animal, equipar com rádio colar e depois continuar monitorando o deslocamento desse animal. O Pequi estava retornando dados muito importantes para entender a dinâmica do tamanduá com as rodovias e, futuramente, os dados do Pequi também poderiam contribuir para entender quais são os pontos prioritários para receber medidas de mitigação”.

Pequi. Foto: Mário Alves.

Para Fernanda, investir em modernização das rodovias é fundamental para a segurança de animais e pessoas: “Claro que a implantação de medidas de mitigação tem um custo. O valor médio por metro instalado de cerca ao longo das rodovias, por exemplo, varia entre 40 e 80 reais. Já o valor da passagem de fauna varia bastante, dependendo se a rodovia é de duas ou quatro faixas ou se a passagem é metálica ou de concreto. Mas o importante é ressaltar que, independentemente do valor, o custo-benefício é sempre positivo. Já foi demonstrado em estudos que soluções para passagens de fauna se auto pagam, porque existem menos acidentes e, por isso, menos custos para a concessionária ou para o administrador rodoviário em atender a esses acidentes, remover veículos e animais, atender às vítimas, cuidados hospitalares decorrentes, dentre outros”, explicou a bióloga. “Além disso, quem é responsabilizado criminalmente pelos acidentes é o gestor da rodovia, que não cuidou para que os animais ficassem fora da pista. Eles são legalmente responsáveis e tem o dever de compensar as vítimas humanas de eventuais danos materiais, físicos, lucros cessantes etc.”, ressaltou.

De acordo com Fernanda, o estado do Mato Grosso do Sul carece de políticas públicas para evitar mortes nas rodovias. “É necessário salientar que todas as rodovias do MS são muito impactantes para a fauna, e que a fauna silvestre nesse Estado não foi e atualmente não é contemplada pelos licenciamentos ambientais dos projetos rodoviários. Não vemos um exemplo de licenciamento de nova rodovia, de pavimentação ou duplicação de rodovias que considerou os impactos sobre a fauna, principalmente atropelamento e efeito barreira, além de não haver o planejamento de medidas de mitigação, instalação e monitoramento dessas medidas. Então eu espero que a morte desses animais sirva, em curto prazo, para demonstrar para os órgãos, tanto de meio ambiente quanto de transporte, que é necessário que haja uma melhor coordenação entre os órgãos e um melhor planejamento para as novas rodovias ou os novos licenciamentos que virão, para que a fauna seja, enfim, contemplada nesses projetos”.

Projeto Bandeiras e Rodovias

Tamanduá atropelado. Foto: Mário Alves.

“O Projeto Bandeiras e Rodovias é um dos mais completos que temos no Brasil em termos de coordenação da questão da conservação da biodiversidade com os impactos que as rodovias causam, seja com a perda direta dos indivíduos por atropelamento ou pelos impactos às populações da fauna”, observa Fernanda.

Arnaud Desbiez, pesquisador associado da Royal Zoological Society of Scotland (RZSS), fundador e coordenador do Projeto Bandeiras e Rodovias, explica como começou o monitoramento: “O projeto foi fundado em janeiro de 2017 para responder a uma triste realidade que temos no MS, que é a morte de animais por atropelamento em rodovias. O Projeto Tatu-canastra já tinha feito um monitoramento em 2013-2014, em parceria com a Iniciativa Nacional para Conservação da Anta Brasileira, das três rodovias do MS, e constatamos que o tamanduá-bandeira é o terceiro animal mais atropelado. Nós percorríamos 900 km de estradas a cada quinze dias e em um ano registramos 135 tamanduás-bandeira. Foi devido a essa constatação que o Projeto Bandeiras e Rodovias foi criado, para tentar entender quando, onde e como os tamanduás estão atravessando, para buscar formas de mitigar esse perigo”. O Projeto Tatu-canastra foi premiado em 2015 pela Fundação Whitley, uma das maiores honrarias da área ambiental no mundo.

Ainda segundo Desbiez, o Projeto Bandeiras e Rodovias tem vários componentes e atua em diversas frentes para estudar os impactos. “O primeiro é o monitoramento das estradas, no qual percorremos 1.300 km a cada 15 dias. Ao todo, foram 60 mil km monitorados nos últimos dois anos e meio. Registramos animais de médio e grande porte que estão sendo atropelados, e conseguimos identificar os principais pontos onde ocorrem. Também monitoramos os animais por meio de radiotelemetria, no qual colocamos colares nos animais que, via satélite, nos mandam os pontos dos animais. O Pequi era um desses animais que foi capturado próximo a uma rodovia. Colocamos um colar nele e desde agosto do ano passado vinha sendo monitorado. Os dados dele ainda não foram analisados, mas temos os pontos onde ele caminhou nesse período, que eram coletados a cada 20 min. Com isso, conseguiremos entender bem como ele se movimentava”.

Equipe do Projeto Bandeiras e Rodovias em campo. Foto: Projeto Bandeiras e Rodovias.

Outro componente do projeto são as necropsias nos animais frescos, para avaliar a saúde deles. “Já fizemos necropsias em mais de 50 tamanduás-bandeira e temos cerca de 28 parceiros diferentes contribuindo com esses estudos”, explicou Desbiez. “Temos também a parte social do projeto, coordenada pela doutoranda Mariana Catapani, que busca entender como as pessoas percebem essas colisões e quais os impactos disso. No passado suspeitávamos que havia atropelamentos propositais dos tamanduás devido a algumas crenças, mas isso não se confirmou. A Mariana está estudando a relação desses animais silvestres com alguns grupos focais, como caminhoneiros, em relação aos atropelamentos. Temos ainda um outro doutorando, o Vinícius Alberici, que está colocando armadilhas fotográficas perto e longe da estrada, para avaliar o impacto sobre a fauna, além de vários estudos paralelos que estão sendo efetuados. Por fim, temos os veterinários Mário Alves e Débora Yogui que trabalham full time no projeto, coordenando a parte logística e o dia-a-dia das atividades”.

Para funcionar bem, o projeto conta não só com os pesquisadores, mas também com a comunidade local e com diversas organizações. “Esse projeto depende muito do apoio local. Todas as fazendas onde trabalhamos e capturamos os animais são privadas. Todos os proprietários rurais nos dão apoio, sem eles seria impossível fazermos nosso trabalho, por isso somos muito gratos a eles. Esse projeto também é apoiado pela Fundação Segré e vários zoológicos internacionais, além do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPE)”, conclui Desbiez.

Equipe do Projeto Bandeiras e Rodovias em campo. Foto: Projeto Bandeiras e Rodovias.

 

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  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

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Comentários 3

  1. Paulo diz:

    A matança continua.
    Se não implantarem os passa-fauna (de qualidade) , não adiantará nenhuma outra providência.

    Infelizmente srs. dos Denitsss, acessores, ministro e similares. É o legado dos engenheiros desta obra.


  2. Carlos Leitão diz:

    É muito triste. Os brasileiros não tem a menor consciência ecológica. Quando as mudanças climáticas ficarem agudas juntamente com a escassez de recursos naturais e por último, ambos associados há desastres ambientais causados pelo ser humano milhares de pessoas morrerão. Talvez milhões. A natureza dará o troco e nenhum Deus irá nos Salvar, respondendo a pergunta de Carl Sagan.


  3. Carlos Leitão diz:

    É muito triste. Os brasileiros não tem a menor consciência ecológica. Quando as mudanças climáticas ficarem agudas juntamente com a escassez de recursos naturais e por último, ambos associados há desastres ambientais causados pelo ser humano milhares de pessoas morreram. Talvez milhões. A natureza dará o troco e nenhum Deus irá nos Salvar, respondendo a pergunta de Carl Sagan.