O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, irá pela primeira vez formar um grupo para concorrer às eleições em 2022, com um total de 15 candidatas e candidatos aos cargos de deputados estadual e federal.
A grande prioridade expressa pelo movimento é trabalhar para eleger não apenas os seus candidatos ao congresso e assembleias mas, também, o candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT), historicamente um apoiador do MST.
A escolha de avançar na representatividade política ocorre em um momento no qual pautas caras ao MST, como a reforma agrária e a consolidação de uma agricultura familiar ambiental e socialmente sustentável – sem o uso de agrotóxicos – são frontalmente combatidas pelo atual presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL), que criminaliza o movimento continuamente em seu discurso.
Atualmente o MST é o maior produtor de arroz e feijão orgânicos do país de acordo com o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga). A produção se concentra no Sul, onde as condições climáticas possibilitam o cultivo. O movimento doou durante a pandemia do Novo Coronavírus 6 mil toneladas de alimentos cultivados em seus assentamentos para o combate à fome.
Sua produção utiliza a agroecologia, prática que se caracteriza pela possibilidade de diferentes culturas se beneficiarem umas das outras, gerando em um ambiente diversificado e capaz de promover a nutrição do solo e a manutenção de áreas já habitadas por outras espécies. A prática tem origem milenar, sendo utilizada por indígenas em seus roçados.
“O MST sempre esteve presente nas pautas políticas, mas nunca esteve tão envolvido no processo eleitoral como em 2022. Isso porque estamos em um momento de mudanças, e hoje precisamos não só mudar os poderes executivos, mas também promover parlamentares que estejam comprometidos com essa mudança”, afirmou Matheus Delwek, em divulgação de encontro realizado com candidatos em São Paulo no último dia 18 de agosto.
David Zamory, integrante da coordenadoria do MST em São Paulo, enfatiza em entrevista ao ((o))eco que trata-se de uma luta não apenas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, ou das populações tradicionais e assentados. “Se nós continuarmos com um governo que tem interesse explícito na devastação ambiental em prol de interesses econômicos, a gente vai estar colocando em risco o futuro de toda a população”, aponta.
Zamory indica ainda que não existe uma forma de se realizar uma defesa consequente do meio ambiente sem uma mudança na maneira como se produz riqueza no país, em especial os alimentos.
“Trata-se de um projeto econômico, do capitalismo colocado em nossa condição histórica. A gente não vê uma possibilidade de fazer diferente porque esse é o interesse dos setores que lucram com a exploração ambiental predatória. Sabemos que hoje na Câmara Federal existem parlamentares que são ligados – diretamente ou através de suas famílias – a esses interesses de exploração econômica no campo. Nós queremos fazer frente a essa bancada e mostrar outra possibilidade de matiz produtiva de alimentos”, completa.
Disputa narrativa
Há 38 anos o MST luta pela reforma agrária no país, sendo considerado um dos mais importantes movimentos sócio-políticos do mundo. Surgido na década de 80, enfrentou um cenário marcado ao mesmo tempo pela ampliação de mega projetos como barragens em áreas antes habitadas por camponeses e o avanço da mecanização da agricultura, que contribuiu para um forte êxodo rural. Mais de 30 milhões de camponeses se mudaram para as grandes cidades brasileiras em busca de melhores condições de vida nas últimas três décadas.
Durante este período, a lógica do que seria uma reforma agrária para a Ditadura Militar (1964-84) que comandava o país era alocar chamados “excedentes populacionais” em territórios distantes dos grandes centros. O projeto “Integrar para não Entregar”, tinha como principal função a colonização dessas áreas – incluindo aí a Amazônia – e a integração nacional, mas sem assistência técnica ou outro tipo de apoio para escoamento.
Diferente desta visão, e com influência marxista, o MST se constituiu na construção de assentamentos, ocupando latifúndios improdutivos e colocando em pauta o formato de distribuição e acesso à terra. Além disso, amadureceu uma tecnologia social que envolve uma série de elementos, como educação política e a responsabilidade ambiental, a partir de um modelo de produção agrícola que, ao mesmo tempo, é capaz de garantir soberania alimentar das suas comunidades, sua sustentabilidade financeira.
A experiência do movimento mostra uma possibilidade concreta de uma produção alimentar menos impactante ao meio ambiente. Diferente das práticas do agronegócio para exportação, reconhecidas como nocivas, devido ao extenso uso de agrotóxicos.
Ao longo dos anos, o movimento esteve envolvido em disputas com latifundiários, resultando em alguns conflitos violentos. O que constituiu ao longo dos anos uma narrativa do MST como uma entidade de enfrentamento social e pouco produtiva.
O desafio do MST agora é mostrar os avanços conquistados após a demarcação dos assentamentos de reforma agrária. “Acredito que estamos conseguindo modificar essa imagem, mas ainda há setores interessados em manter esse olhar negativo, como se nós fôssemos invasores de terras sanguinários. E sabemos que isso vem principalmente do agronegócio, que quer se apropriar da narrativa de que é sustentável, mas na verdade só realiza ações pontuais, como forma de aparecer positivamente para a sociedade. O agronegócio, da forma como está estruturado hoje, segue mantendo os latifúndios e a concentração de riqueza, contribuindo para o desemprego e a fome Além disso é um agente de degradação ambiental como é possível verificar com o avanço do gado na Amazônia.”, finaliza David Zamory.
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