O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a inconstitucionalidade do decreto que reduziu e alterou o funcionamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) foi suspenso nesta quarta-feira (10) devido a um pedido de vista do ministro Nunes Marques. A sessão, que transcorria virtualmente, já computava quatro votos favoráveis à zero pela anulação do decreto que reestruturou o Conama. Os votos foram de Rosa Weber, relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 623), seguida pelos ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Marco Aurélio. Com o pedido de vista, não há previsão para retomada da votação – que deveria ser concluída nesta sexta (12) – e poderá ser transferida para uma sessão presencial.
“Os ministros têm a prerrogativa de pedir vista, que é um pedido para analisar com mais cuidado e atenção o processo. Isso é uma praxe no Supremo, não tem nada de anormal”, esclarece Rafael Gandur, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil, que é amicus curiae no julgamento do STF. Ao devolvê-lo, Nunes pode solicitar ainda que o julgamento seja realizado em sessão presencial, ao invés de virtual, como vinha sendo conduzida a votação sobre o Conama.
De acordo com o regimento interno do STF, existe um prazo para os ministros devolverem o processo pro plenário de 30 dias, prorrogáveis por igual período. Com isso em consideração, Nunes Marques teria o limite de cerca de dois meses para analisar com mais atenção o processo e devolvê-lo ao julgamento. Gandur explica, entretanto, que dentro do entendimento jurídico, os prazos para magistratura são impróprios, ou seja, não existe consequência concreta se o prazo não for cumprido. “Na praxe do Supremo, é comum que ministros peçam vista e alguns processos fiquem parados por anos até voltarem a ser julgados”, conta o especialista do WWF.
Um pedido de destaque já havia sido protocolado pelo ministro Nunes Marques na sexta-feira que deu início ao julgamento virtual (05), mas a solicitação foi retirada dos autos do STF na própria sexta e a sessão prosseguiu normalmente, com a manifestação online dos votos de outros três ministros. A requisição de destaque, diferente do pedido de vista, diz respeito apenas ao formato do julgamento, para que seja realizado através de uma sessão presencial, ao invés de virtual. Neste caso, se acatado, o plenário seria reiniciado assim que a sessão fosse agendada.
Rafael Gandur acredita que apesar da suspensão do julgamento, o posicionamento de quatro dos onze ministros do STF de reconhecer a inconstitucionalidade da atual composição do Conama já esvazia a legitimidade do conselho, que deve evitar pautar assuntos importantes enquanto a decisão do Supremo não sai.
“Não há nada de anormal num pedido de vista, eventualmente isso pode voltar para pauta semana que vem, daqui a um mês, dois, não há anormalidade. Mas seria temerário se o Conama deliberasse sobre assuntos importantes em um momento em que a constitucionalidade de sua composição está em xeque por quase uma maioria do STF. O risco sempre existe, mas seria politicamente questionável”, aponta o especialista em políticas públicas.
Em seu voto, a ministra Rosa Weber, relatora do caso, destacou justamente a relevância do papel do Conama na elaboração das políticas ambientais, com cerca de 500 resoluções já emitidas que atuam, em conjunto com a legislação primária, para construir o “desenho normativo de proteção e regulação do meio ambiente”. Weber defendeu ainda que “ao conferir à coletividade o direito-dever de tutelar e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituição exigiu a participação popular na administração desse bem de uso comum e de interesse de toda a sociedade” e que, portanto, o funcionamento do Conama deve observar o modelo democrático constitucional.
A reestruturação do Conama estabelecida pelo Decreto presidencial nº 9.806/2019 reduziu de 93 para 23 os assentos com direito a voto. Entre as mudanças, o decreto diminuiu as cadeiras de entidades ambientalistas de 11 para 4, com redução de mandato das entidades de 2 anos para apenas 1 e substituição do método de escolha, que antes era eleição, para sorteio. Weber ressaltou que as novas regras “obstaculizam, quando não impedem, as reais oportunidades de participação social na arena decisória ambiental, ocasionando um déficit democrático, procedimental e qualitativo, irrecuperável”.
A expectativa do especialista em políticas públicas do WWF-Brasil, que participa do processo como amicus curiae, é que o Supremo decida pela inconstitucionalidade do decreto. “O Supremo tem se mostrado um defensor da democracia. No final de fevereiro, num processo parecido, o STF julgou inconstitucional as regras que reduziram a participação da sociedade civil no Conanda [Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente] por 10×1, o único voto contrário foi do ministro Marco Aurélio, que agora já mudou de entendimento, pois foi um dos que votou pela inconstitucionalidade da mudança no Conama”, conta Rafael Gandur.
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