Em 2015, Eusébio Ka´apor, líder do povo Ka´apor que ajudou a organizar as patrulhas indígenas “guardiões da floresta”, numa tentativa de impedir a entrada de madeireiros na Terra Indígena Alto Turiaçu (MA), foi assassinado com tiros nas costas. Logo após sua morte, seis dos sete membros do Conselho de Gestão Ka´apor, que coordena os “guardiões”, receberam ameaças de morte de madeireiros.
Em 2016, o sargento da Polícia Militar do estado do Pará João Luiz de Maria Pereira foi assassinado por um madeireiro enquanto participava de operação de combate à exploração de madeira na Floresta Nacional do Jamanxim.
Esses são alguns dos casos descritos no relatório “Máfias do Ipê: como a violência e a impunidade impulsionam o desmatamento na Amazônia brasileira”, elaborado pela ONG de direitos humanos Human Rights Watch (HRW) e divulgado nesta terça-feira (17).
Segundo a HRW, a extração ilegal de madeira na Amazônia é “impulsionada por redes criminosas que têm a capacidade logística de coordenar a extração, o processamento e a venda de madeira em larga escala, enquanto empregam homens armados para proteger seus interesses.”
“Os criminosos responsáveis por uma grande parte da destruição da Amazônia estão usando da intimidação, ameaças, ataques e assassinatos para continuar suas atividades ilícitas. Há um nível de violência vinculado ao desmatamento, que às vezes as pessoas não percebem”, diz César Muñoz, autor do relatório e pesquisador da ONG.
O nome do documento faz referência a uma das árvores mais valiosas da Amazônia, o ipê. Segundo o relatório, um único tronco da árvore pode chegar a um preço que varia entre R$ 2 mil e R$ 6 mil. “O desmatamento ilegal na Amazônia é um negócio multimilionário que envolve tanto a exploração de madeira ilegal, quanto a invasão de terras públicas”, diz o relatório.
Relatório divulgado em julho deste ano pela ONG Global Witness já havia informado que o Brasil é o quarto país com mais homicídios de defensores do meio ambiente.
Dados da violência
Para elaborar o documento, a HRW entrevistou mais de 170 pessoas, incluindo cerca de 60 membros de povos indígenas e não indígenas que sofreram violência ou ameaça de pessoas envolvidas com a extração ilegal de madeira, bem como policiais civis e federais; membros dos Ministérios Públicos estaduais e federal; defensores públicos; representantes dos órgãos federais Ibama, ICMBio e Funai; outras autoridades públicas; representantes de organizações da sociedade civil e acadêmicos. As entrevistas foram realizadas entre outubro de 2017 e julho de 2019.
Usando dados da Comissão Pastoral da Terra, o relatório concluiu que, durante a última década, mais de 300 pessoas morreram em conflitos pelo uso da terra e de recursos naturais nos estados da região Amazônia. 28 desses assassinatos, a maioria a partir de 2015, estão documentados no estudo, que detalhou, ainda, 4 tentativas de assassinato e mais de 40 casos de ameaças de morte – nos quais havia evidências críveis de que os responsáveis por esses crimes estavam envolvidos no desmatamento ilegal e viam suas vítimas como obstáculos as suas atividades criminosas. Algumas vítimas eram agentes públicos. A maioria era indígenas ou outros moradores que denunciaram a exploração ilegal de madeira às autoridades.
Fracasso em investigar e punir
O relatório da HRW constatou que a impunidade é regra nos crimes relacionados à extração ilegal de madeira. Em grande parte, esta impunidade se deve ao fato de a polícia não conduzir investigações adequadas. Segundo o documento, a polícia local reconhece as deficiências e afirma que a impunidade se deve porque as mortes ocorrem em áreas remotas.
No entanto, a ONG documentou graves omissões, como falta de autopsias nas investigações de mortes ocorridas em áreas de fácil acesso, como centros urbanos. Além disso, em alguns locais, a polícia se recusa a registrar denúncias de ameaças ou a implementar medidas efetivas de proteção: em pelo menos 19 dos 28 assassinatos documentados, ameaças contra as vítimas ou suas comunidades antecederam os ataques.
Dentre mais de 230 casos de ataques fatais — envolvendo mais de 300 vítimas — registrados pela Comissão Pastoral da Terra na região amazônica durante a última década, apenas 9 — menos de 4% — foram a julgamento. No Pará, o estado com o maior número de mortes, apenas 4 dos 89 casos foram julgados desde 2009; em Rondônia, apenas 3 de 66; no Maranhão, apenas 2 de 46; e no Mato Grosso, com 16 casos, e no Amazonas, com 8, não houve nenhum julgamento, diz o documento.
Políticas anti-ambientais
O relatório da Human Rights Watch também lembra que, em 2016, o Brasil se comprometeu a dar fim ao desmatamento na Amazônia até 2030, posição que será cobrada em 23 de setembro deste ano, quanto a Organização das Nações Unidas realizará uma cúpula em Nova Iorque para discutir os esforços globais voltados a mitigar as mudanças climáticas, evento no qual o presidente Jair Bolsonaro deverá discursar.
No entanto, segundo o documento, o país não poderia estar mais longe de atingir esta meta, devido às políticas anti-ambientais adotadas por Bolsonaro. O documento cita uma série de medidas neste sentido tomadas pelo atual governo, como enfraquecimento das agências federais responsáveis pelo combate ao desmatamento, ataque a organizações e indivíduos que trabalham pela preservação da floresta, demissão de corpo técnico capacitado e sabotagem ao trabalho de agentes que permaneceram, redução drástica nos recursos da pasta ambiental, entre outros.
As políticas anti-ambientais e a retórica do presidente Bolsonaro e seus ministros têm colocado agentes públicos e defensores da floresta em maior risco pessoal, de acordo com membros do Ministério Público Federal, que afirmam que os relatos de ameaças por parte de grupos criminosos envolvidos na extração de madeira têm aumentado desde o início do atual governo.
“A desqualificação dos órgãos de controle é como música para os agentes econômicos ilegais. Os madeireiros entendem as declarações de Bolsonaro como uma autorização para agirem”, disse à HRW um representante da Câmara de Coordenação e Revisão de populações indígenas e comunidades tradicionais.
Recomendações
Ao final do documento, a organização faz uma série de recomendações ao governo Bolsonaro para tentar conter a onda de violência e o desmatamento ilegal na Amazônia, entre elas:
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- O governo deveria reparar os danos causados aos órgãos ambientais e garantir que seus agentes tenham autonomia, ferramentas e recursos suficientes para cumprir seu mandato com segurança e eficiência;
- O Congresso Nacional deveria criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e realizar audiências públicas para identificar redes criminosas responsáveis pelo desmatamento e aos de violência e intimidação;
- O Ministério da Justiça deveria convocar autoridades federais e estaduais, incluindo os Ministérios Públicos estaduais e federal, forças policiais e agencias ambientais, para elaborar e implementar um plano de ação.
- O Brasil deveria fortalecer a proteção ambiental na Floresta Amazônica como parte de suas obrigações de direitos humanos.
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Não! Eu tinha certeza que eram os Ongueiros, os marcianos e a Igreja Católica!