-
Publicado originalmente por Observatório do Clima
DO OC – Pelo menos em uma parte da Amazônia, o pior pesadelo dos climatologistas parece já estar se confirmando. Um estudo publicado nesta quarta-feira (14) sugere que o desmatamento e as mudanças climáticas estão diminuindo a capacidade da floresta no sudeste amazônico, entre Pará e Mato Grosso, de absorver gás carbônico da atmosfera, transformando-a numa fonte de emissão de dióxido de carbono, o principal gás responsável pelo aumento do efeito estufa.
A possibilidade de a floresta tropical atingir um “ponto de virada”, ou “tipping point”, sofrer mortalidade em massa e passar a agravar o aquecimento da Terra em vez de amainá-lo foi estabelecida teoricamente nos anos 1990. Temia-se que o aquecimento global pudesse fazer isso em algum momento do futuro caso as emissões de gases de efeito estufa não fossem controladas.
O novo estudo, liderado por Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e publicado na revista científica Nature, indica que esse futuro já chegou. De acordo com a pesquisa, uma das funções mais nobres da maior floresta tropical do mundo, de retirar o CO2 da atmosfera e atuar como um freio ao processo de aquecimento global, hoje não condiz mais com a realidade.
O estudo aponta que, atualmente, a Amazônia emite – além do que consegue absorver – 0,19 bilhão de toneladas de carbono por ano para a atmosfera. Para chegar a essa conclusão, durante quase uma década (2010 a 2018) os pesquisadores analisaram dados de amostras do ar coletadas em cerca de 600 voos em diferentes altitudes de quatro áreas distintas da Amazônia. Assim, puderam acompanhar as mudanças nas concentrações de CO2 e relacioná-las com as diferentes taxas de queimadas e desmatamento em cada região, bem como com o aumento de temperatura.
A metodologia utilizada pelos pesquisadores trouxe dados inéditos e surpreendentes. Análises anteriores indicavam que o “tipping point” estava mais próximo do que se acreditava nos anos 1990, já que era preciso somar ao efeito da mudança do clima o dano causado pelo desmatamento e pelas queimadas, que emitem grande quantidade de carbono e prejudicam a recuperação da floresta.
A coleta de dados sistemática e de longo prazo feita por Gatti e colegas – um dos autores do trabalho, o climatologista Carlos Nobre, foi um dos proponentes originais da hipótese do “tipping point” – confirmou que esse cenário devastador já está entre nós. O estudo mostrou que as emissões totais de carbono são maiores na Amazônia oriental do que na parte ocidental, sendo a parte sudeste da Amazônia, que faz fronteira com o Cerrado e também concentra parte do chamado “arco do desmatamento” (região mais desmatada e queimada), a mais comprometida. Essa região esquentou 0,6ºC por década nos últimos 40 anos, duas vezes mais do que o planeta inteiro aqueceu no último século. É um aquecimento comparável com o do Ártico, escreveu Scott Denning, da Universidade do Colorado, em comentário ao estudo na mesma edição da Nature. Já o oeste amazônico, mais preservado, ainda é um “ralo” para o gás carbônico a mais emitido pelas atividades humanas.
Ao jornal The Guardian, Gatti afirmou a pesquisa trouxe duas “más notícias”. A primeira é que as queimadas da floresta fazem com que ela emita três vezes mais CO2 do que consegue absorver: “A segunda má notícia é que os locais onde o desmatamento é de 30% ou mais apresentam emissões de carbono 10 vezes maiores do que onde o desmatamento é inferior a 20%.
Menos árvores significam menos chuva e temperaturas mais altas, tornando a estação seca ainda pior para a floresta remanescente. “Temos um ciclo muito negativo que torna a floresta mais suscetível a incêndios descontrolados”, concluiu a pesquisadora.
“Já havia alguns anos que o monitoramento das florestas indicava que o fluxo de carbono poderia estar se invertendo. O estudo publicado hoje mostra que o tipping point é agora. A Amazônia esta se tornando um bomba de emissão de carbono”, disse Tasso Azevedo coordenador técnico do Observatório do Clima. “Mas ainda é possível reverter esse quadro. É imperativo zerar o desmatamento, que é a principal fonte das queimadas na região que degradam a floresta e aumentam as emissões. Com o fim do desmatamento, a regeneração aumenta e podemos ter novamente a floresta absorvendo mais carbono do que emite.”
Leia também
COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas
Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados →
Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial
Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa →
Trilha que percorre os antigos caminhos dos Incas une história, conservação e arqueologia
Com 30 mil km que ligam seis países, a grande Rota dos Incas, ou Qapac Ñan, rememora um passado que ainda está presente na paisagem e cultura local →