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Pecuarista que destruiu geoglifos descumpre exigências e MPF aperta o cerco

MPF pede à Justiça que determine pagamento de indenização de R$200 mil por danos morais coletivos e restauração do sítio arqueológico milenar, destruído em 2019

Duda Menegassi ·
5 de abril de 2024

Registros da história milenar de ocupação da Amazônia, os geoglifos são sítios arqueológicos raros e ainda misteriosos, caracterizados por valas suaves no solo que, se vistos de cima, compõem desenhos de formas geométricas variadas. Em julho de 2019, tratores destruíram geoglifos em uma propriedade rural no sul do Acre para aplanar o terreno e plantar milho. O caso veio à público apenas no ano seguinte, denunciado por um pesquisador que observava os geoglifos na Fazenda Crichá por imagens de satélites. Mais de quatro anos depois, o Ministério Público Federal (MPF) pede com urgência à Justiça que o pecuarista pague uma indenização de R$200 mil por danos morais coletivos e restaure a área degradada, que segue sendo impactada, conforme denuncia o IPHAN. 

O dono da Fazenda Crichá,  localizada no município de Capixaba, sul do Acre, é Assuero Veronez, presidente da Federação da Agricultura do Acre. Se a recuperação dos geoglifos não for possível, o MPF pede ainda que ele seja condenado ao pagamento de indenização por danos materiais em valor a ser calculado por peritos. 

Os pedidos integram ação civil pública, com tutela de urgência, feita pelo MPF no final de março (22). O MPF pede também à Justiça que determine que o pecuarista não realize qualquer intervenção no sítio arqueológico sem a aprovação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), órgão responsável pela proteção de sítios históricos e arqueológicos.

Em 2021, o pecuarista firmou um acordo de não persecução penal com o MPF, onde admitiu sua participação no crime contra o patrimônio cultural. Além disso, comprometeu-se a delimitar o sítio arqueológico, instalar placas sinalizadoras nos moldes definidos pelo IPHAN e não realizar qualquer atividade na área para evitar mais danos ao local. 

Apesar do compromisso, o IPHAN expõe em ofício que “mesmo a propriedade estando embargada o empreendedor continuou com as atividades de plantio, realizou cercamento da área do sítio arqueológico (de forma arbitrária pois, não foi realizado o estudo para saber o real limite do sítio arqueológico) e colocou placas de sinalização (sem ser nos moldes do IPHAN), ambos em desacordo com as normativas do IPHAN”. 

“Em suma, conforme o tempo vai se passando o dano ao Patrimônio Arqueológico vai crescendo”, resume o documento, assinado pelo superintendente do IPHAN no Acre, Stênio Cordeiro de Melo, e enviado em 15 de março ao Procurador da República do MPF/AC.

Leia também: Tratores destroem geoglifos milenares para plantar milho

Uma das cláusulas do acordo de não persecução penal assinado com o pecuarista estipula que sua aplicação é restrita apenas às consequências criminais da degradação dos geoglifos, sem implicações na área civil ou administrativa. Caso a Justiça Federal receba a ação civil pública proposta pelo MPF contra Veronez, ele irá responder também na esfera cível.

Conforme divulgado pela assessoria de comunicação do MPF, com essa ação, o órgão busca, não apenas a reparação dos danos, mas também reforçar a proteção ao patrimônio cultural e histórico brasileiro, essencial para a preservação da memória e identidade nacional. “Todo indivíduo tem o dever jurídico de não deteriorar ou fazer mau uso de sítio arqueológico, competindo aos particulares, além do Poder Público, o dever de zelar para que as referidas áreas não pereçam em benefício do interesse privado”, afirma o MPF.

Tic-TAC: Termo de Ajuste de Conduta segue parado

Em agosto de 2023, foi encaminhado ao MPF a minuta de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) referente a destruição do sítio arqueológico. Em novembro, IPHAN e Ministério Público fizeram uma reunião com Assuero Veronez, na qual o pecuarista solicitou um prazo para analisar os termos do acordo, sendo estabelecido o limite de 10 de janeiro de 2024 para sua manifestação. “Advém que até a presente data, não obtivemos um retorno sobre a celebração do TAC”, aponta o ofício do IPHAN em março.

A minuta do TAC estabelece a adoção de medidas de natureza compensatória e reparatória dos danos causados pelo proprietário aos geoglifos, conforme as orientações do IPHAN, o que inclui projetos de resgate arqueológico e de educação patrimonial, a reconstituição do sítio arqueológico à sua feição original e o fortalecimento da instituição responsável pela guarda do material a ser coletado durante as escavações, com aporte mínimo de 80 mil reais.   

Em seu ofício, o superintendente do IPHAN reforça a importância e urgência da celebração do TAC. “(…) a morosidade de se cumprir a Lei, abre precedentes para que outros empreendedores/proprietários realizem a mesma ação, fato este que pode ser corroborado pelos processos administrativos em andamento nesta superintendência. Destaca-se que após este caso, surgiu denúncia de outros cinco sítios arqueológicos do tipo Geoglifos destruídos (plantio de café, soja e milho), destes apenas um foi celebrado o TAC e está em fase final de execução”, explica em trecho do documento.

Os geoglifos correspondem a apenas 1% do total de sítios arqueológicos identificados até o momento, e o sítio na Fazenda Crichá, datados entre 100 e 900 A.D, é considerado por especialistas “singular dentre seus pares, uma vez que essa composição de formatos ou arranjo espacial é único, não havendo nenhum outro sítio com estas características”. No local foram encontrados ainda fragmentos cerâmicos dispersos na superfície.

Leia também: Uma viagem visual aos geoglifos, sua importância e seus mistérios

“O dano causado é imensurável”, sentencia o ofício, que lista a ausência de dados científicos do sítio e o fato de que a estrutura não pode ser removida, resgatada e armazenada em caixas. “No entanto, as medidas e ações apontadas no TAC serão adequadas para reconstituir, mitigar e/ou compensar o dano”.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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