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Preservar ou manejar? O que fazer com as araucárias

Discussão sobre manejo da espécie ameaçada de extinção ainda persiste. Mas em vez da exploração econômica, porque não manejar para salvar?

Vandré Fonseca ·
28 de junho de 2017 · 7 anos atrás
O dilema entre conservar e explorar. Foto: Moisés Silva Lima/Flickr.
O dilema entre conservar e explorar. Foto: Moisés Silva Lima/Flickr.

Após passar por Cascavel, em direção ao extremo oeste do estado, Flávio Zanette, professor da Universidade Federal do Paraná, observa araucárias no Parque Nacional de Iguaçu. Ali, em cerca de 15% do parque, está uma das mais extensas áreas da Floresta Ombrófila Mista, nome técnico da mata onde os pinheiros são encontrados. O engenheiro florestal descreve a cena e sentencia: “Em 50 ou 60 anos, todas essas araucárias vão desaparecer”.

Nesta quinta-feira, o professor Zanette tem mais uma oportunidade de apresentar sua visão sobre o pinheiro-do-paraná, espécie que pesquisa há 32 anos. “Estudo a araucária, sem perder a floresta de vista”, comenta. Ele é um dos convidados do Simpósio de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná (OAB-PR), que começou nesta terça-feira e termina na amanhã (29).

Ele antecipa o que vai dizer em Curitiba. Zanette tem uma posição diferente tanto dos defensores da exploração comercial de pinhais nativos, quanto dos ambientalistas, que rejeitam qualquer iniciativa que significa o corte das árvores. Para o professor, que desde os anos 80 estuda a araucária, a sobrevivência da espécie depende de manejo.

“É necessário derrubar algumas árvores para permitir a regeneração”, afirma. O engenheiro agrônomo explica que as araucárias se espalhavam ocupando áreas abertas, nas bordas das florestas. Mas agora, essas bordas estão ocupadas pela pecuária ou agricultura. A saída é derrubar aquelas que já atingiram o apogeu, para permitir o crescimento das novas.

Ele admite o uso comercial apenas daquelas isoladas em pastos dentro de propriedades rurais, para que os recursos possam ser usados para replantio. Dentro das florestas, não discute. Ele lembra dos estragos provocados em planos de manejo, como a abertura de estradas e os impactos em plantas vizinhas. “Só se deve permitir esse manejo em uma floresta pública, unicamente para pesquisa”, diz com firmeza.

É uma posição diferente daqueles que defendem o manejo com alternativa econômica, uma proposta defendida por pesquisadores da Unicentro, que trabalham com a Universidade de Rottenburg, Alemanha. Eles propõem um projeto piloto com 40 proprietários rurais, para avaliar a viabilidade do manejo madeireiro das araucárias.

“Assim como se faz com caça científica de baleias, matando em função da carne, querem derrubar as araucárias”, adverte o diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Clóvis Borges, que se opõe ao corte.

Pinhas e araucárias. Para animais, a araucária é um recurso fundamental, pois frutifica no inverno quando outros frutos são raros. Foto: Douglas Scortegagna/Flickr.
Pinhas e araucárias. Para animais, a araucária é um recurso fundamental, pois frutifica no inverno quando outros frutos são raros. Foto: Douglas Scortegagna/Flickr.

De acordo com Borges, as áreas naturais foram devastadas nos anos 1960 justamente devido a planos de manejo que não foram respeitados. Atualmente, apenas 1% de toda área onde ocorriam as araucárias ainda estão em estágio avançado de preservação. No Paraná, esse percentual é ainda menor, 0,8%.

As propostas de manejo madeireiro de araucárias por enquanto são barradas pelo Ministério Público do Estado do Paraná, que estabeleceu um acordo para evitar que esses projetos sejam licenciados.

Para o biólogo João de Deus Medeiros, chefe do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Santa Catarina, a proposta de planos de manejo experimentais são um artifício para legalizar a exploração madeireira dos pinheiros. Segundo ele, esses planos de manejo precisariam primeiro provar serem sustentáveis.

“O mesmo modelo foi adotado ao longo de 50 anos e não se sustentou”, afirma e destaca que as serrarias desapareceram a partir das décadas de 1960 e 1970, quando ainda não havia restrições para a exploração. “O declínio da atividade se deu em virtude do esgotamento do recurso”.

Para João de Deus, a defesa da exploração do que sobrou de araucárias é uma visão imediatista. Ele duvida inclusive da possibilidade de plantio da espécie, devido a opção dos produtores pelo pinho e pelo eucalipto.

As florestas com araucária se estendiam por mais de 20 milhões de hectares, desde o Rio Grande do Sul a Minas Gerais, onde as áreas de clima mais ameno no Sul do país e na Serra da Mantiqueira permitiram que a espécie continuasse a sobreviver. Na classificação oficial, está dentro do Bioma Mata Atlântica.

Essa classificação é um motivo de indignação do professor Zanette, que lembra da ocorrência de araucárias em áreas abertas no Sul do país (outro motivo de indignação é o descaso com que pesquisas sobre a espécies são tratadas pelo CNPq, afinal um projeto recente foi recusado sob a argumentação de que teria “foco localizado e interesse restrito para a ciência).

Para animais, a araucária é um recurso fundamental, pois frutifica no inverno quando outros frutos são raros. “É uma árvore frutífera”, afirma Zanette. Talvez aí esteja a melhor maneira de ver a situação, olhar a araucária, sem perder de vista a floresta, e de olho também nos frutos e no valor dela em pé.

 

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Comentários 11

  1. Lauro Eduardo Bacca diz:

    Concordo com os comentários precedendes. Conservar é uma coisa; incentivar o plantio até com enriquecimento de valores econômicos de espécies é outra. Já deviam ter feito com a Araucária – seleção genética com fins econômicos – o que fizeram com o Pinus há quase um século, no mínimo. Hoje, com a China fechando negócio de importação de pinhões do Brasil, já teríamos uma fonte de riquezas e divisas importantíssima, com plantios selecionados de Aracucária. Temos que plantar para colher (pinhão) ao invés de ficar catando pinhão nas florestas e campos, como se ainda vivêssemos há mais de 10 mil anos, na época do caçador-coletor. De quebra sobraria a madeira e celulose para papel como sub-produto dos plantios de produção do pinhão. Agora, dada as diminutas populações de Araucária, tendo como efeito colateral o "roubo" do pouco alimento que resta disponível para a fauna nativa, principalmente no período mais crítico do inverno, que são as pinhas com seus pinhões, como será sustentar uma exportação de pinhões para … a China???
    Nesse sentido, ao desenvolver o cultivo rentável da Araucaria para poupar as populações nativas dessa Gimnosperma como pretende o Prof. Zanette, aí sim, podemos considerar um apoio à espécie e seu ecossistema.


  2. Lamentável, que "O Eco", dê voz a um expoente da indústria madeireira. Este senhor não entende de FOM (Floresta Ombrófila Mista). Ele compreende profundamente apenas uma árvore, que por acaso, simboliza esta floresta. O repórter por sua vez, parece desconhecer não apenas o que é a FOM, mas sobretudo desconhecer também sua história. Explorada à exaustão, a FOM já ocupou 200 mil km quadrados. Hoje não tem sequer 2 mil km quadrados em bom estado de conservação. Uma área equivalente a 5 Suiças foi aniquilada. Espécies foram extintas e a pobreza genética se alastra por ela. Uma guerra foi travada por conta da madeira da FOM (Contestado), onde estima-se que até 20 mil pessoas podem ter morrido. Aliás, a violência, descaso e corrupção tem sido os norteadores do que sobrou. O desconhecimento deste repórter acerca do tema é tamanho, que deveria envergonhar este prestigioso veículo.


  3. clovis borges diz:

    É sempre um desafio a obtenção de uma tradução correta de um entrevistador em relação ao que entrevistados pretendem comunicar. De ambas as partes podem ocorrer dificuldades, em especial os desvios de interpretação de parte do entrevistador. Notadamente mais problemático, e não raro, quando o responsável pela versão final de um texto, como esse exposto pelo OECO, não demonstra ter intimidade com o tema em questão, confundindo-se com o uso de expressões técnicas e dando uma conotação equivocada sobre o trabalho dos próprios entrevistados. Com todo o respeito, o prof. Zanette nunca trabalhou no campo da conservação da biodiversidade. Suas atividades são distintas desse tema e é um erro interpretá-lo como alguém que está preocupado com a Floresta com Araucária. Basta pesquisar quais são as contribuições científicas de suas publicações. Portanto, suas opiniões não podem ser consideradas consistentes apenas pela fama que amealhar a partir de um belo e longevo trabalho de clonagem da espécie Araucária, dentre outras relevantes iniciativas voltadas a incentivar o plantio da espécie. Fosse o OECO minimamente informado sobre o que efetivamente o prof. Zanette realiza, nem caberia entrevistá-lo sobre o que foi discutido. O resultado não poderia ser outro, um conjunto de informações distorcidas, que mais confundem do que esclarecem. Sugerir que as araucárias adultas em floresta nativas remanescentes (quase nada) sejam derrubadas é um acinte que não tem qualquer sustentação técnica. Comprova nenhuma preocupação com aspectos de conservação, um claro um desserviço para um melhor esclarecimento sobre a situação. A bem da verdade, um alento aos madeireiros de plantão, que ainda insistem em explorar uma floresta que foi brutalmente destruída nas últimas décadas, boa parte a partir dos formais planos de manejo. Lamentável esse episódio.


  4. Carlos Brocardo diz:

    Bem colocado pelo prof. João de Deus, o plantio comercial é totalmente legalizado. Conversei com alguns empresários do ramo madeireiro, a opção pelos Pinus e eucalipto se deve mesmo ao menor tempo de corte, o que gera rendimentos mais rapidamente. Além disso, mesmo os reflorestamentos com exóticas estão sendo substituídos aqui na região onde trabalho (oeste do Paraná) por plantações de grãos, ou seja, a opção de cultura segue a dinâmica do mercado. Em termos de ecologia a espécie regenera no meio da floresta, e apesar de que mais lentamente, emerge no dossel. O que observei em clareiras naturais e algumas produzidas pela extração de material lenhoso seco, é que angiospermas (árvores e taquara principalmente) acabam ocupando muito mais rapidamente esses espaços.


  5. Henrique Pontes diz:

    Olha, indo de encontro com o que o João Medeiros falou, se derrubar a Araucária permitisse regeneração a Araucária já deveria existir igual a proporção de pinus!!!! Já derrubaram quase tudo e de regeneração não há nada. Fala sério, até quando temos que ouvir esta história de que para preservar temos que usar, derrubar, destruir, lucrar, vamos mudar o diálogo e pensar melhor. Acho também que o OECO deveria avaliar melhor as matérias antes de publicar (com todo respeito aos envolvidos).


  6. Isaac diz:

    Concordo com as afirmações acima, do Prof. João de Deus, e acrescento: "A saída é derrubar aquelas que já atingiram o apogeu, para permitir o crescimento das novas." Isto não faz nenhum sentido ecológico, qual o propósito? Trocar um fuste velho por um novo, aproveitando o velho? Não existe nenhuma consideração econômica ou ecológica nesta análise, pois há que se pensar na genética do indivíduo que atingiu o apogeu, há que se pensar no viés que tal derrubada do mais velho seria utilizado. Abriria um precedente muito bem vindo para quem quer cortar árvores.


  7. João Medeiros diz:

    Araucaria “É uma árvore frutífera”??? O gênero botânico Araucaria Juss. pertence ao grupo das Gimnospermas (do grego gymnos : nu e sperma: semente). Neste grupo os estróbilos femininos são solitários, ovóides a subglobosos ou esféricos, com escamas ovulíferas numerosas, imbricadas, estreitamente aladas, concrescidas, ao menos parcialmente, ao óvulo. Contudo não formam frutos. Folhas carpelares envolvendo completamente o ovulo, com posterior formação do fruto são encontradas em outro grupo, denominado Angiospermas.
    Apesar de totalmente fora do contexto da matéria, a informação sobre recusa do CNPq a um projeto pode ser melhor entendida, considerando as inconsistências técnicas observadas nas afirmações atribuídas ao prof. Zanette.
    João de Deus Medeiros


  8. Jão Medeiros diz:

    “Em 50 ou 60 anos, todas essas araucárias vão desaparecer”. Essa afirmação do Prof. Zanette, conforme transcreve a matéria é meramente especulativa e destituída de qualquer base lógica. A Araucaria angustifolia efetivamente, como espécie heliófila, tem sua regeneração em áreas de floresta fechada limitada, característica bem comum e amplamente conhecida na ecologia florestal. Esse comportamento da espécie, por outro lado, permitiu que ela sobrevivesse por milhares de anos, com a floresta ora se expandindo, ora se retraindo. A interferência antrópica irracional e predatória, associada a exploração madeireira, é que pode ser, inegavelmente, apontada como o fator responsável pelo desaparecimento quase completo da floresta, num período curtissimo, não mais que 100 anos.


  9. João Medeiros diz:

    Importante registrar que se verdadeira a afirmação que "é preciso derrubar algumas arvores para permitir a regeneração" teríamos hoje uma situação excepcionalmente favorável a expansão da Floresta Ombrófila Mista, visto que cerca de 99% de sua área original foi "aberta".
    João de Deus Medeiros


  10. João Medeiros diz:

    Prezado Vandré não é precisa a afirmação transcrita: "Ele duvida inclusive da possibilidade de plantio da espécie, devido a opção dos produtores pelo pinho e pelo eucalipto". O que manifestei foi a informação de que não há restrição legal ao plantio e aproveitamento do material plantado, ao contrário do que muitos afirmam para justificar o não uso da Araucaria angustifolia nos plantio comerciais, e por isso enfatizei que a prevalencia dos plantios com exóticas decorre de uma opção.
    Grato
    João de Deus Medeiros


    1. Antonio Jorge Vieira Martins diz:

      Como faço, para não deixar morrer um pinheiro que perdeu parte da sua casca.