Em sessão na tarde desta quarta-feira (10), o Senado aprovou a proposta que reduz em 3,7 mil hectares o território da Floresta Nacional (Flona) de Brasília, o equivalente a quase 40% da unidade de conservação, sem definir nenhuma compensação pela área perdida. A alteração nos limites da Flona tem como objetivo resolver um conflito antigo de sobreposição com assentamentos, mas também exclui áreas naturais sem ocupação humana onde ainda existe Cerrado nativo. O Projeto de Lei (PL) 2.776/20 foi discutido em turno único e aprovado pelos parlamentares e agora segue para sanção presidencial.
Organizações ambientais foram pegas de surpresa quando a pauta foi colocada na ordem do dia da plenária e mobilizaram mensagens nas redes sociais contra o projeto, principalmente pela ausência de uma compensação clara à redução da Flona. De acordo com o Art. 6º do PL, fica estabelecido apenas que “será definida área a ser compensada, considerada a viabilidade ambiental, social e econômica”.
O senador Jaques Wagner (PT-BA) chegou a propor uma emenda, rejeitada pelos parlamentares, que estabelecia a ampliação do “Parque Nacional da Chapada da Contagem” em cerca de 4,2 mil hectares. As aspas na menção à unidade de conservação é porque, na prática, ela não existe, já que a proposta de recategorização da Reserva Biológica da Contagem em parque nacional, que consta em outro projeto de lei para alteração dos limites da Flona, o PL 4.379/2020, de autoria do senador Izalci Lucas (PSDB-DF), ainda tramita na Câmara dos Deputados.
O Projeto de Lei n° 2776/20 é de autoria da deputada federal Flávia Arruda (PL-DF) e no início de maio foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados. No Senado, a relatoria ficou a cargo do próprio senador Izalci Lucas, que defendeu a importância da rápida votação do projeto e considerou estratégica as tramitações independentes dos dois PLs que visam redefinir a área da Flona Brasília.
Segundo ele, caberá ao PL 4.379/2020 definir as compensações ambientais à desafetação imposta à unidade de conservação. “Essa questão vem sendo discutida no âmbito de nossa proposição, que se encontra em avançado estágio de tramitação na Câmara dos Deputados. Se o ideal seria alcançarmos, a um só tempo, o concerto entre benefícios ambientais e sociais, a realidade nos impõe que avancemos estrategicamente e primeiramente busquemos sanar a histórica hipoteca social que os habitantes dos núcleos urbanos e rurais padecem em relação à Flona de Brasília por meio da exclusão dessas áreas da unidade de conservação – o que faz acertadamente o PL. Isso, por si só, trará benefícios ambientais à unidade de conservação federal. Outros, como a devida compensação ambiental e a ampliação do perímetro dessa e de outras UCs, serão obtidos quando da aprovação de nossa proposição”, justifica em seu relatório.
“O acordo que eu proponho aqui é que a gente aprova esse projeto da deputada Flávia Arruda, que já está contemplado no meu projeto também, porque estava na poligonal feita pelo ICMBio. Já foi aprovado lá na Comissão de Meio Ambiente [da Câmara dos Deputados]. Eles tiram esse ajuste, vem para cá, e a gente faz um acordo de votar aqui o restante, de que a senadora Leila, inclusive, foi a relatora. Mas a gente precisaria votar essa questão [do PL 2.776] para não ter que voltar para a Câmara”, disse o senador.
Durante a sessão, os senadores Paulo Rocha (PT-PA) e Jean Paul Prates (PT-RN) chegaram a protocolar requerimentos pela retirada e adiamento da discussão da pauta, mas venceu a pressão do senador Izalci em avançar com a votação, que teve placar favorável à aprovação.
O que muda com o PL 2.776/20
A Floresta Nacional de Brasília possui uma extensão atual de 9.346 hectares divididos em quatro áreas. A principal delas é a Área 1, que além de ser a maior, com 3.353 hectares (36% do total da Flona) e a mais preservada, é onde está a sede administrativa da unidade e os atrativos e trilhas que recebem fluxo diário de visitantes. Parcialmente contígua a ela, está a Área 2, um dos pivôs do projeto de desafetação, com 996 hectares e densamente ocupada e antropizada, uma vez que está totalmente sobreposta ao Assentamento 26 de Setembro.
As áreas 3 e 4, com 3.071 e 1.926 hectares respectivamente, estão a cerca de 30 quilômetros ao norte deste núcleo da Flona. A área 3 está apenas parcialmente sobreposta com o assentamento Maranata, que ocupa cerca de 771 hectares de sua porção inferior, enquanto a 4 ainda apresenta vegetação em bom estado de conservação.
Com as mudanças propostas no PL 2.776/20, serão desafetadas integralmente da Flona as áreas 2 e 3, “para fins de regularização fundiária urbana”, e ajustados os limites da área 1, que passa a compreender uma área de 3.753 hectares (até o Córrego Currais); e da área 4, reduzida para 1.887 hectares.
Ao todo, a Flona perde 4.106 hectares e “ganha” apenas 400. No balanço geral, a redução representa um corte de 39,65% do território original da Floresta Nacional de Brasília.
O diretor operacional do Instituto Jurumi, ONG que atua no Cerrado com destaque para proteção do tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), reforça a importância da Floresta Nacional de Brasília, em especial a área 1, maior e mais conservada, para proteção da biodiversidade e segurança hídrica.
“Sobre essa atualização, as áreas desafetadas sinalizam para mais desmatamento de uma região do Cerrado sob forte pressão. Talvez essa “regularização” ajude a cuidar melhor das áreas mais conservadas, em razão de diminuir demandas na gestão da UC. Mesmo com uma compensação ao aumentar a área mais importante para conservação da UC, existe uma perda. O ideal seria proteger todas e suas respectivas nascentes e fornecer melhores meios de gestão”, pondera o diretor.
Fim de conflitos?
No último domingo (07), a Floresta Nacional de Brasília foi palco de um incêndio de origem criminosa na área 1, em teoria a mais consolidada dentre as quatro que compõem a Flona. O fogo teve início de madrugada num talhão próximo ao assentamento 26 de setembro e espalhou-se para próximo da área do estacionamento da Flona, uma área de uso público onde há mesas de piquenique e fluxo de visitantes. No final da tarde, o incêndio foi controlado pela equipe de brigadistas do ICMBio, da Brigada Nacional Wellington Peres e com apoio do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF). Por sorte, não houve feridos.
Incêndios de origem criminosa em todas as quatro áreas da Flona são recorrentes e a prova concreta do conflito que existe entre as comunidades e a presença da unidade de conservação. Resta saber se a desafetação das áreas ocupadas será de fato a solução para pacificar a vizinhança.
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