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Um respiro para os ameaçados peixes-das-nuvens do rio Xingu

Espécies ameaçadas que teriam ilha perturbada por Belo Monte como único habitat conhecido tiveram populações encontradas em trecho extenso do rio Xingu, no Pará

Michael Esquer ·
3 de julho de 2023

Pequenos e coloridos, os peixes-das-nuvens vivem em ambientes aquáticos temporários. Conhecidos como peixes rivulídeos pelos cientistas, as espécies dessa família não caem do céu, a despeito do nome, mas surgem em poças, alagados, brejos ou áreas marginais de rios quando chuvas fazem eclodir do solo destes ambientes ovos enterrados durante o início de períodos secos. 

Por conta de alterações ambientais provocadas pela ação humana – que reduzem os habitats dos rivulídeos –, mais de 100 espécies de peixes-das-nuvens estão ameaçadas de extinção no Brasil, segundo o Ministério do Meio do Ambiente (MMA). Este é o caso da Pituna xinguensis e da Spectrolebias reticulatus, peixes-das-nuvens restritos à bacia do rio Xingu que teriam como único hábitat conhecido a ilha do Arapujá, em Altamira (PA), um ambiente perturbado e parcialmente inundado pela Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte.

“Tem trechos ainda não inundados, mas ela não seca mais. O nível do rio não flutua como antigamente, quando tinha uma seca e uma cheia bem pronunciada. Hoje em dia tudo é regulado pelo nível do reservatório”, conta a ((o))eco o pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA) Leandro Sousa, que é doutor em Zoologia. 

Sousa explica que os ambientes onde os rivulídeos vivem precisam ter períodos temporários de seca e cheia, o que não acontece mais nas porções inundadas da ilha de Arapujá. “Isso impactou as populações que eram conhecidas nessa região”, diz.  

Classificadas como “Criticamente em Perigo” pela lista nacional de fauna ameaçada, a Pituna xinguensis e a Spectrolebias reticulatus, acreditava-se, poderiam ter desaparecido com as modificações provocadas pela UHE. Mas, felizmente, aquele não foi o fim desses pequenos – que não medem mais que 10 cm – mas preciosos exemplares da fauna aquática brasileira. 

Isso foi o que descobriu o pesquisador da UFPA e outros que, durante expedição à Amazônia no mês passado, encontraram populações das duas espécies em diferentes trechos das margens do rio Xingu, entre Altamira (PA) e São Félix do Xingu (PA).

A ocorrência na região já era uma suspeita, mas a confirmação em uma área consideravelmente grande é uma descoberta inesperada para os peixes-das-nuvens, geralmente restritos a ambientes pequenos. “Eles vivem em um trecho de rio que tem cerca de 500 quilômetros, o que é algo atípico para esses animais”, conta o pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) André Netto-Ferreira, doutor em Zoologia, que também participou da expedição. 

Pituna xinguensis. Foto: Leandro Sousa

Sousa conta que os ambientes marginais do rio Xingu onde as duas espécies foram encontradas não apresentam grande densidade populacional de humanos, tendo apenas algumas comunidades esparsas. Outra coincidência oportuna foi o fato dos peixes-das-nuvens terem sido encontrados em áreas abrangidas pela Reserva Extrativista (RESEX) Rio Xingu e pelo Parque Nacional (Parna) da Serra do Pardo. “Áreas que são conservadas, onde as espécies estão protegidas”, explica o pesquisador da UFPA. 

Organizada pelo Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (IDEFLOR-Bio) do Pará, no âmbito do projeto Pró-Espécies: Todos contra a extinção, a expedição também encontrou indivíduos de Plesiolebias altamira, outra espécie de peixes-das-nuvens descrita na ilha do Arapujá que, apesar de não estar ameaçada, também é alvo do Plano de Ação Territorial para Conservação das Espécies Ameaçadas de Extinção do Território Xingu (PAT Xingu), assim como a Pituna xinguensis e a Spectrolebias reticulatus

Um possível desdobramento do encontro das espécies fora da ilha do Arapujá pode ser a tentativa de entender como e se suas populações se relacionam entre si. “Por normalmente viver em ambientes restritos, em poças isoladas, e o rio Xingu ter muitas corredeiras, por enquanto, não conseguimos enxergar uma possível conectividade entre essas populações”, explica Netto-Ferreira.

Para o pesquisador da UFPA, o resultado da expedição representa um respiro para os tão ameaçados peixes-das-nuvens do rio Xingu. “A gente encontrou as espécies fora da área de abrangência da usina, em locais onde o rio ainda está natural, onde ainda ocorre a seca e cheia de forma natural”, completa Sousa. 

Plesiolebias altamira. Foto: Leandro Sousa
  • Michael Esquer

    Jornalista pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), com passagem pela Universidade Distrital Francisco José de Caldas, na Colômbia, tem interesse na temática socioambiental e direitos humanos

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