O café orgânico é uma das novas promessas ecológicas da agricultura brasileira. O cultivo sem o uso de agrotóxicos, além de preservar o solo, a biodiversidade da lavoura e poupar a saúde dos trabalhadores, também é uma alternativa para fugir da feroz competição internacional no mercado de café commodity, sem diferenciação ou marca, que ainda compõe o grosso da produção nacional.
Na primeira metade do século XX, o café foi o carro-chefe da economia brasileira, quando o país era, na prática, o monopolista mundial do produto. Hoje, a economia brasileira é muito mais diversificada, embora o país ainda seja o maior produtor de café, com cerca de 40% do mercado mundial. Colheu 38 milhões de sacas em 2004. Porém, vendido como commodity, a atividade está se tornando menos interessante. A flutuação do preço no mercado internacional é grande e a tendência histórica é de baixa, resultado do crescimento da produção mundial e da entrada de novos competidores importantes no cenário internacional. O Vietnã entrou nos anos 90 com uma produção inexpressiva, e ao fim de uma década tinha conquistado 10% do mercado mundial.
A saída para os produtores brasileiros é voar mais alto, buscando qualidade e ocupando nichos de mercado. Um deles foi o dos cafés gourmet, onde a seleção do grão e seu processo de secagem e torrefação são cuidadosamente controlados. O café gourmet é vendido com marca ou nome do produtor. Alcança preços de 10% a 70% mais altos que o café comum e sua produção anual chega a 400 mil sacas, ou cerca de 1% do total nacional. O café orgânico é outro nicho que começa a ser desbravado pelos nossos cafeicultores. Como tende a ser de alta qualidade, também costuma ser classificado como gourmet.
O mercado mundial de orgânicos em geral está crescendo. Em 2003, as vendas movimentaram cerca de US$ 25 bilhões na União Européia, nos Estados Unidos e no Japão. O café orgânico quer pegar essa onda, embora, por enquanto, represente apenas 1% da produção mundial (1 milhão de sacas). A produção brasileira alcançou 200 mil sacas no ano passado, 0,4% do total, e deve dobrar em 2005. O maior produtor de café orgânico é o México, onde lavouras pequenas e artesanais existem em grande número e a modalidade representa 10% da cafeicultura do país. O Brasil é apenas o sexto colocado em café orgânico, atrás também da Costa Rica, Equador, Peru e Tanzânia.
O problema da lavoura orgânica, em geral, é a produtividade mais baixa, e portanto o custo mais alto para os agricultores. Isso também é verdade para o café. A cafeicultura orgânica produz 70% da convencional. Mas os consumidores estão dispostos a pagar pelo diferencial. O preço de uma saca de café orgânico fino chega a US$ 170 contra US$ 115 do café convencional.
O cultivo do café orgânico preserva o solo e o lençol freático de adubos químicos e agrotóxicos. A técnica é importante para a saúde dos trabalhadores, pois são eles quem manuseiam esses produtos e correm os maiores riscos de contaminação. Com 30 mil toneladas de agrotóxicos por ano, a lavoura de café é a terceira mais intensiva nesses defensivos, perdendo apenas para o milho e a soja. O problema é agravado pelo fato de a colheita do café ser menos mecanizada do que as outras duas.
O método natural de produção resgata as origens históricas do café. A planta se originou nos altiplanos da Etiópia, onde crescia sombreada por outras espécies. Na maior parte dos países, ainda é assim. Uma das formas usuais de cultivo ocorre através do sombreamento de outras espécies. Assim, o café convive com inimigos naturais das pragas, como pequenos marimbondos e fungos. Também hospeda mais pássaros, pequenos mamíferos e répteis que não resistem aos agrotóxicos.
Mas no Brasil e na Colômbia tomaram um caminho diferente. Houve uma seleção das variedades que se adaptavam à produção a pleno sol para a implantação de uma monocultura de alta produtividade. A família Franco é formada por cafeicultores tradicionais do sul de Minas, estabelecidos no ramo desde meados do século XIX. A partir de 1994, na fazenda Jacarandá, eles também se tornaram pioneiros no cultivo do café orgânico. Cássio Franco Moreira (foto), 28 anos, representa a nova geração da família. Completou em 2003 seu mestrado em agronomia na Universidade de São Paulo (USP), com uma tese sobre as vantagens do cultivo orgânico sombreado por outras espécies entremeadas na lavoura, como bananeiras, amoreiras, mamonas, paus-pereira e ingás. Todas elas, também passíveis de ser exploradas comercialmente.
A decisão de optar pelos orgânicos foi motivada por um episódio traumático: a morte de várias vacas da fazenda, intoxicadas pela ingestão acidental de químicos usados nas bananeiras. “Agrotóxicos utilizados no Brasil, como o Furadan, Temik e Baysiston, já estão proibidos na Europa e EUA, porque são agressivos demais e seus resíduos chegam ao lençol freático”, explica Cássio. Esse é o caso do tomate, da cenoura e do pimentão, cujo risco de contaminação direta do consumidor é alto porque comumente o período de carência entre a aplicação e a venda do produto não é respeitado. No café, esse risco é pequeno, pois ele passa pelos processos de secagem e torrefação antes de ser vendido.
A cultura do café orgânico utiliza-se apenas de esterco bovino curtido, fosfato natural (rocha triturada) e microelementos. Os restos do café descascado (chamados de palha) são reciclados, ou seja, retornam à lavoura nutrindo o solo. “Hoje o meu café, que é cultivado sem químicos ou agrotóxicos, tem menos broca do que o café convencional do vizinho”, afirma Cássio.
A produção da fazenda Jacarandá é considerada de porte médio, 2 mil sacas por ano. Os maiores produtores de orgânico chegam a 10 mil sacas por ano, enquanto os pequenos produzem algumas centenas. Contando todos, já existem cerca de 500 produtores de café orgânico no Brasil. A venda da colheita não é trivial. Ao contrário do café commodity, vendido facilmente através das bolsas agrícolas e seus intermediários, o produto diferenciado é vendido para compradores individuais.
A Jacarandá encontrou um fiel comprador no Japão: a Organic Coffee, da cidade de Fukuoka. Além de 70% da produção da Jacarandá, a empresa importa o produto do México e do Equador. Seu dono, o comerciante Ryuchi Nakamura, faz parte dos movimentos Slow Food e Slow Coffee, que advogam um estilo de comportamento mais relaxado, com ênfase na qualidade de vida e em valores de convivência. Nessa linha, criou também o Sloth Club (clube da preguiça). No Brasil, um dos clientes da Jacarandá é a cafeteria curitibana Terra Verdi, a primeira a se especializar exclusivamente em orgânicos. Cássio Franco recentemente se tornou presidente da Associação de Cafeicultura Orgânica Brasileira. A julgar pelo seu entusiasmo e o bom crescimento da produção nacional de café orgânico, o futuro é promissor.
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