Reportagens

Azar do mato

Na presidência das comissões que cuidam do meio ambiente na Câmara, os partidos colocaram ruralistas, amante de rinhas e deputados com problemas na justiça.

Carolina Mourão ·
11 de março de 2005 · 20 anos atrás

As lideranças dos partidos com representação na Câmara dos Deputados têm toda a pinta de odiarem tratar do meio ambiente. São eles quem indicam os deputados que presidem as comissões por onde os projetos de lei iniciam sua tramitação na Casa. Basta olhar para quem controla algumas das comissões por onde podem passar projetos de lei sobre questões ambientais para perceber que a natureza terá pela frente um osso duro de roer este ano.

Desarquivada em 24 de março de 2004, a Comissão Especial que inclui o Cerrado na relação dos biomas considerados Patrimônio Nacional, corrigindo um erro da Constituição, já teve o prazo das reuniões prorrogado por 6 vezes, com 20 sessões cada. As 40 sessões iniciais de discussão terminaram no dia 24 de maio do mesmo ano sem nenhuma conclusão. Então o deputado Ricarte de Freitas, presidente da Comissão, pediu a 1 ª prorrogação do prazo. Não adiantou. Neste momento, está correndo o prazo do sexto adiamento, e o deputado está pronto para pedir mais um. Pelos cálculos, somam-se mais de 120 sessões, vencidas as 40 primeiras. A assessoria do deputado Ricarte de Freitas não informou o motivo dos adiamentos, o deputado está “fora de área”.

Desde que a comissão foi criada, mais de 120 mil caminhões de carvão do cerrado foram extraídos apenas do Planalto Central para alimentar as indústrias, carregados do que sobrou de árvores como o Jatobá, a Sucupira e a Aroeira, preferidas tanto pelas madeireiras, quanto pelos fornos ilegais. O carvão do Cerrado ainda é a matriz energética no semi-árido. Perfeitas pela espessura, dureza e formato, as árvores do Cerrado custam pouco para as indústrias. Do bioma, restam apenas 3% de área preservada, enquanto, por minuto, perde-se 2,6 campos de futebol de sua cobertura vegetal. Mas os deputados que compõe a comissão não parecem estar com pressa.

O presidente da Comissão Especial que institui o Fundo para a Revitalização Hidroambiental e o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio São Francisco, Fernando Fabinho, quer legalizar as rinhas em todo o país. Fabinho disse que idéia é legalizar não somente as brigas de galo, mas as de todos os animais, como canários e até mesmo cães pit bulls. O deputado explicou a O Eco que as brigas não podem ser encaradas de forma alguma como crueldade. “É da natureza do animal estas disputas. Faz parte da vida do brasileiro, e o animal não pode ser mais importante que o homem. Precisa descriminalizar até mesmo a farra-do-boi. A punição é grave demais. Isso não faz mal a ninguém”. Só para os animais. Para quem não sabe, na farra-do-boi realizada no sul do país, o animal é exposto na rua, humilhado e perseguido pelos habitantes dos vilarejos armados de porretes, pedras, facas e lanças. A sessão de tortura pode durar muitas horas e são indescritíveis. Muitos já morreram afogados no mar, encurralados na tentativa de fuga. Em outras vezes, o boi tem o rabo arrancado, língua e patas mutiladas, ou órgão expostos, enquanto ainda se debatem tentando fugir.

Em setembro de 2002, o Presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, o deputado Jader Barbalho, teve a prisão decretada pela Justiça Federal, acusado pelo procurador da República Pedro Taques de formação de quadrilha, lavagem de capitais, estelionato qualificado, falsificação de documento e uso de documento falso em operações com recursos do Finam, autorizados pela extinta Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). O caso Sudam veio à tona com uma gravação de uma suposta conversa telefônica entre o então deputado estadual Mário Frota (PDT-AM) e o empresário David Benayon, envolvendo Jader Barbalho. A gravação, controversa, envolvia laranjas e quantias superlativas. O rombo na Sudam passou dos R$ 1,7 bi, batendo, de longe, o valor desviado da obra do TRT-SP. Na época, o procurador-geral da República, Claudio Fonteles, pediu ao STF que arquivasse o inquérito aberto para investigar a suposta participação de Jader em operações com Títulos da Dívida Agrária emitidos de forma fraudulenta. Mas Jader chegou a ser preso pela Polícia Federal em Belém – por apenas 5 horas, é verdade. O caso mobilizou a Comissão de Ética do Senado naquele ano, e o então senador renunciou ao cargo, na tentativa de evitar uma cassação e ficar impedido por 8 anos de se reeleger. Ex-governador do Pará, ex-senador e deputado federal por 3 vezes, Jader não larga a mamadeira.

Na Comissão Especial Destinada a Estudar Projetos e Ações para Transposição e a Integração das Bacias Hidrográficas para a Região do Semi-Árido, o presidente, José Carlos Machado, então secretário de Obras do governo João Alves em Sergipe entre 1991 e 1994, foi acusado de receber propinas do “caixa dois” da construtora Queiroz Galvão. Mas Alves também foi acusado de ter usado recursos do Departamento Nacional de Obras contra a Seca para a abertura de um poço artesiano em sua fazenda. A mesma fazenda, chamada Jundiahy, recebeu recursos da Sudene que desapareceram. Farinha pouca.

Outro ruralista atuante, o deputado federal Silas Brasileiro, foi o presidente da comissão que estabelecia Normas de Segurança e Mecanismos de Fiscalização de Atividades que envolviam Organismos Geneticamente Modificados, criava o Conselho Nacional de Biossegurança e reestruturava a CTNBio, também foi coordenador da Bancada do Agronegócio Café no período até dia 20 de dezembro de 2004. A 2ª vice-presidente, deputada Kátia Abreu, foi presidente da Federação da Agricultura do e Pecuária do Estado do Tocantins, de 1996-2002. E o relator, que também é o 1º vice-presidente da Comissão, deputado Darcísio Perondi, foi um dos membros da bancada ruralista mais ativos em prol dos transgênicos na Comissão Especial da Câmara. O projeto passou com o texto da Câmara e vai ser sancionado. Tá explicado.

Já o deputado Ronaldo Caiado, conhecido ruralista e ex-líder da UDR (União democrática Ruralista), foi eleito presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, Comissão que ganhou muita importância depois que os transgênicos foram liberados. Em uma reunião realizada em setembro de 2004, num episódio memorável, Caiado voltou-se contra a criação do Código Florestal nos termos do Conama. A nova lei define o futuro dos biomas nacionais. O deputado arrumou confusão com os ambientalistas presentes na reunião com o governo para tratar do assunto. O governo, então, resolveu suspender as discussões e solicitou ao Ministério do Meio Ambiente uma nova proposta que tornasse possível um acordo entre os interessados. Um dos principais pontos de discussão era o índice de reserva legal, ou seja, a área de vegetação nativa que devia ser conservada pelos proprietários rurais. O texto do Conama defendia a manutenção de 80% de reserva legal nas áreas de florestas na Amazônia, 35% nas de cerrado e nos demais biomas, 20%. A proposta do deputado Micheletto, outro membro da bancada ruralista e, acredite, vice-presidente da CPI da Biopirataria, não estabelecia um índice mínimo para as áreas de reserva legal, o que poderia chegar a zero em algumas propriedades. Aliás, A CPI da Biopirataria, destinada a investigar o tráfico de animais e plantas silvestres brasileiros e a exploração e comércio ilegal de madeira no Brasil, está nas mãos de quem prefere abrir pasto a manter as matas. Caiado também é o 2º vice-presidente da comissão de Desenvolvimento Sustentável do Centro-Oeste.

O presidente da CPI, deputado Mendes Thame, é engenheiro agrônomo. Talvez por isso tenha apresentado nada menos que 32 emendas ao PL 4776, que propõe três formas de gestão de Florestas Públicas. Cinco emendas envolvem o Ministério da Agricultura. Uma delas, a emenda número 107, pede para eliminar o artigo que determina ser competência do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) estimular e fomentar a expansão da base florestal plantada. Para Thames, a silvicultura, ciência que trata da cultura de árvores florestais, é uma atividade agrícola e não pode ser uma competência exclusiva do SFB. As emendas foram apresentadas antes mesmo do início dos trabalhos da Comissão Especial criada para tratar do assunto. Outras duas emendas propostas por Thame são mais audaciosas e cuidam de migrar o Serviço Florestal Brasileiro, que faz a gestão de florestas públicas, para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Uma dessas emendas é a de número 95, que defende explicitamente a transferência desta atribuição do Ministério do Meio Ambiente para o da Agricultura. Ironicamente, na hora de redigir a emenda houve um lapso de digitação, ou de consciência, e a última frase ficou: “Assim sendo, proponho emenda transferindo para o MMA (sigla do Ministério do Meio Ambiente) a vinculação do Serviço Florestal Brasileiro”.

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