Reportagens

Ponto de ebulição

Em Novo Progresso, no Oeste do Pará, a indústria da madeira parou. A floresta agradece, mas a cidade passa por crise econômica prestes a virar drama social.

Manoel Francisco Brito ·
11 de março de 2005 · 19 anos atrás

No dia 1º de março, um grupo funcionários federais aterrisou em Novo Progresso, município de pouco mais de 15 mil habitantes próximo à BR-163, Oeste do Pará. A delegação, despachada da capital federal, chegava para explicar em audiência pública os planos de Brasília para o futuro da região. Na semana anterior, o governo tinha decretado uma zona de interdição de 8,2 milhões de hectares na margem Oeste da estrada. A cidade ficou dentro dela. Mil e quinhentas pessoas apareceram para ouvir como a União pretende transformar aquela área, uma das fronteiras do desmatamento na Amazônia, em modelo do desenvolvimento sustentável. “Era muita gente”, diz Tasso Azeredo, diretor de do Programa Nacional de Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Tem razão. Dá 10% de todas as almas que vivem lá. Em qualquer lugar, esse percentual seria considerado altíssimo. Na Amazônia, onde a distância entre a sede dos municípios e suas fronteiras costuma ser imensa, uma platéia dessas tem pinta de recorde – o que considerando-se a história recente de Novo Progresso, não é de espantar. Depois de um curto boom econômico no início dos anos 90 causado pelo garimpo, ela quase sumiu do mapa. Salvou-lhe a indústria da madeira. Mas o corte de árvores entrou em crise e seus habitantes, pela segunda vez em uma década, temem pela sobrevivência da cidade. Nessas circunstâncias, era certo que a audência pública geraria interesse.

Pela janela do avião em que chegou à cidade, Azeredo viu com quantas toras se construiu esse novo drama. Nenhuma. “Do alto, é bem impressionante. Os pátios das serrarias estão vazios. Não há madeira para se trabalhar”, conta ele. Essa visão tem assombrado muita gente, inclusive fora do governo. “A situação está muito feia”, diz Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e do Meio Ambiente na Amazônia (Imazon). “Está sendo muito bom para a floresta. Mas a crise social e econômica é gravíssima”. Vagner Krombauer, presidente da União das Indústrias Florestais do Estado do Pará (Uniflor), é mais apocalíptico. “Novo Progresso está próximo do caos. Se der confusão, não vai ser mais empresário organizando piquete, mas povo na rua querendo emprego”, diz. O problema é que sem madeira no pátio, emprego é justamente o que não tem na região de Novo Progresso.

As ações que o governo tomou em fins de fevereiro, na esteira do assassinato da freira Dorothy Stang, frearam momentâneamente o desmatamento. Mas há algum tempo, as madeireiras da região vêm sofrendo um lento processo de asfixia. A crise atual começou a se desenhar em 2003, quando o Ibama passou a não aprovar mais planos de manejo florestal para o corte de árvores na região. A atividade madeireira não parou. Mas o simples fato de não haver renovação dos manejos começou a tirar de circulação um papel fundamental na cadeia de produção da madeira, tanto para quem corta ilegalmente como para quem obedece a lei. Trata-se das Autorizações para Transporte de Produtos Florestais (ATPFs). Sem ela, não há como “esquentar” a madeira retirada de maneira irregular e fazê-la circular pelo país até a sua chegada ao mercado consumidor.

Os problemas dos madeireiros aumentaram no meio do ano passado. O Incra determinou o recadastramento de lotes com mais de 400 hectares, medida que acabou estrangulando financeiramente a indústria madeireira. Quase ninguém conseguiu cumprir as novas determinações e essas terras acabaram tendo o seu Certificado de Cadastro de Imóvel Rural inibidos. Sem eles estarem ativos, é impossível para o sujeito que ocupa uma área rural conseguir dinheiro em banco para financiar suas operações.

Krombauer conta que as madeireiras locais estão fazendo demissões em massa e que há planos para que uma caravana parta de Novo Progresso ainda nesta semana de 13 de março rumo a Belém para pelo menos lembrar que há uma questão social na área de influência da BR-163 que precisa de alguma solução. O diacho é que ninguém parece exatamente saber qual seria ela. Krombauer, por exemplo, acha que a única saída seria a aprovação do Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas em curtíssimo prazo. Apesar de o projeto estar correndo na Câmara dos deputados em regime de urgência constitucional, o período de tempo que mais preocupa Krombauer é bem mais urgente.

Azeredo, do MMA, acredita é claro que a solução final está mesmo na aprovação do projeto de lei. Mas sabe que há um período de transição, mesmo que ele seja aprovado, onde o único horizonte que existe nesse momento é o da parálise econômica. “Estamos quebrando a cabeça para tentar achar uma solução”, diz funcionário do alto escalão do governo federal. “E eles (refere-se aos madeireiros) também”. Só que até agora ninguém descobriu o caminho. O pessoal da indústria de madeira local prometeu entregar uma proposta ao governo para resolver a situação imediata ainda esta semana. “Se ela vier, vamos examiná-la detida e rapidamente”, promete .

O presidente da Uniflor diz que não sabe em detalhe que proposta seria essa. Mas dá uma pista. “Provavelmente vão pedir para acelerar a regularização de manejos florestais em áreas onde existem assentamentos de sem-terra e a regularização fundiária de quem tem algum tipo de documentação sobre a terra onde está trabalhando”, palpita. A primeira é até possível de acontecer, embora seja discutível se os assentamentos terão capacidade para suprir as necessidades das serrarias locais. A segunda, por enquanto, nem pensar, pelo menos não em larga escala.

O governo autorizou a regularização fundiária e de manejo em lotes de menos de 100 hectares. Em lotes acima de 2 mil e 500 hectares, nada feito. Sua exploração só poderá acontecer daqui para a frente em regime de concessão e isso depende da aprovação do projeto de lei pelo Congresso. As áreas entre 100 e 2 mil e 500 hectares ainda estão aguardando uma definição do Incra sobre quais serão os requisitos para sua regularização e como extatamente poderão ser usadas. São indefinições deste tipo que deixam gente como Krombauer com os nervos à flor da pele. “O governo é muito lento, incapaz de lidar com situações de emergência. Ele ainda não entendeu que esse início, esse período de transição, é muito importante. Ou se terá a madeira, ou vai se jogar árvore no chão para botar gado”, diz.

O pessoal do governo concorda com a gravidade da situação na região de Novo Progresso, mas não enxerga lá a possibilidade de haver o caos preconizado por Krombauer. Para início de conversa, ao contrário da situação que ocorria até dois meses atrás, o governo federal não está mais ausente da região. Cinco das 19 bases que servirão de centro de operações para funcionários da Polícia Federal, Incra, Ministério do Trabalho e Ibama já estão em funcionamento. Outras cinco deverão estar operacionais até o fim deste mês. As restantes, até junho serão implantadas.

Portanto, o governo hoje dispõe de meios que não tinha antes para controlar a eventualidade de uma situação de tensão. Mas a sua presença mais abundante na região também contribuiu para deixar claro que se um dia as madeireiras de Novo Progresso voltarem a serrar a floresta, em princípio não será como foi antes. Mais governo no chão e alguns olhos lá em cima – os satélites que fornecem imagens ao Deter, o programa que permite o acompanhamento em tempo real do que anda se fazendo na floresta amazônica, segundo Azeredo, provocaram uma mudança de atitude na indústria madeireira local. “Parece que todo mundo percebeu. A ficha caiu. Não se tem muito mais para onde correr. A extração, daqui para a frente, só vai acontecer se estiver legalizada e eles sabem disso”, diz.

Essa outra razão pela qual ele torce para que o projeto de lei de gestão de florestas públicas ande rápido no Congresso. Seria uma resposta condizente a essa nova atitude. “Esse pessoal que tem boa intenção, que não quer grilar terra e que quer trabalhar com a madeira legalmente precisa dos instrumentos para fazer tudo isso acontecer”, diz. Mas é coisa para o futuro. Não resolve a vida de quem agora precisa da madeira para por comida na mesa. Azeredo sabe disso. “Estamos todos correndo contra o relógio naquela região”, diz.

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