Reportagens

Retire-se a Mata Atlântica

Governo não tem a menor intenção de brigar para mantê-la entre as áreas que são objeto do Projeto de Lei que abre florestas públicas ao regime de concessão.

Manoel Francisco Brito ·
18 de março de 2005 · 20 anos atrás

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) não aceita a crítica que a inclusão da Mata Atlântica no Projeto de Lei sobre Gestão de Florestas Públicas vai abrir os 7% que ainda restam de sua cobertura original à exploração madeireira. Tasso Azeredo, diretor do Programa Nacional de Florestas do MMA, acha que a Mata Atlântica está bem defendida. A ele parece óbvio que não se pode fazer qualquer operação de manejo dentro dela. Não há nenhum manejo autorizado para lá, e se houvesse a intenção de autorizar algum ele teria que passar por consulta pública. Afirma ainda que a menção à Mata Atlântica no texto enviado ao Congresso deveu-se ao fato de que pode haver interesse em explorar economicamente alguns serviços dentro dela, e lembra que várias instituições que defendem a Mata Atlântica, consultadas sobre o assunto, manifestaram-se favoravelmente sobre este tópico.

Por isso mesmo, Azeredo acha a crítica surpreendente. Mas não está disposto a brigar. “Se essa é a principal preocupação sobre a Mata Atlântica, basta propor que ela saia do escopo do projeto”, diz. Promete que o governo aceita isso sem discutir. “Às vezes não custa deixar algumas coisas mais explícitas para que não haja qualquer margem de dúvida na aplicação de uma regra ou lei”. O MMA não quer gastar muito tempo, e muito menos saliva, debatendo o que na sua visão é considerado algo marginal em relação aos objetivos do projeto de lei. No fundo, ele foi escrito com os dois olhos focados na região amazônica. E é lá, fundamentalmente, que se joga a sua sorte.

Uma delegação de Novo Progresso, cidade que fica no oeste do Pará, próxima à rodovia BR-163, andou por Brasília entre 17 e 18 de março tentando mobilizar a atenção do governo para o drama que vive a população devido à paralisação das atividades da principal indústria local, a madeireira. Na última quinta-feira, ela esteve com os deputados membros da Comissão da Amazônia da Câmara Federal, numa reunião que durou 4 horas e quase acaba muito mal para o MMA. O desfecho encaminhava-se rumo a um pedido para retirar o projeto de lei sobre gestão de florestas públicas do regime de urgência constitucional e colocá-lo em velocidade de tramitação normal, o que certamente adiaria as chances de vê-lo aprovado por pelo menos alguns anos. A turma do MMA que foi à reunião, com Azeredo à frente, reconheceu que a situação de Novo Progresso, no curto prazo, não tem muita solução.

Não se pode aprovar mais planos de manejo na região. Entre os que ainda estão em funcionamento, sabe-se que são insuficientes para suprir as serrarias e há dúvidas sobre como renová-los no curto prazo. Quanto à possibilidade de aprovar planos de manejo em assentamentos de sem-terra, ela seria em teoria uma maneira de minorar o problema. Exceto pelo fato de que não há assentamentos na área, o que torna a idéia inviável. Mas o discurso sombrio feito pelos representantes do MMA acabou servindo de base para virar o rumo da conversa. Depois de muito choro, tanto os membros da Comissão da Amazônia quanto a delegação de Novo Progresso concordaram que a tramitação rápida do projeto de lei, e sua aprovação, talvez seja a melhor solução para o período de agrura econômica que vive a cidade.

Pelo menos por enquanto, o novo foco de rebelião contra o projeto de lei que estava prestes a se instalar na Comissão da Amazônia foi controlado. Mas há vários outros que precisam de atenção. “Minha vida virou praticamente só isso: explicar o projeto de lei para congressistas e partes que têm interesse nele”, diz Azeredo, recordando que tinha reuniões marcadas com a bancada do Pará e a bancada do Partido Verde com o mesmo objetivo. Com o Senado, ele começa os contatos já na Semana Santa. O Ministério do Meio Ambiente acha que a principal oposição ao projeto, nesse momento, concentra-se na bancada ruralista.

O projeto de gestão das florestas públicas pode até ter uma série de defeitos, mas tem dois grandes méritos. O primeiro é propor uma maneira de viabilizar o uso dos recursos florestais sem que haja necessidade de titulação de terra. A rigor, para quem pretende apenas extrair madeira em regime de manejo, a posse ou propriedade do terreno é irrelevante. Mas ela é fundamental para quem é grileiro ou pensa em implantar em terras públicas projetos agropecuários. O segundo mérito, conseqüência do primeiro, é que essa separação entre manejo de recursos e titulação abalou uma das mais antigas alianças políticas da Amazônia, aquela que une madeireiros e pecuaristas.

No contexto de desordenação fundiária e de falta de política ambiental clara para a região, os dois sempre foram aliados contra qualquer ação do governo destinada a controlar a bagunça e o desmatamento. Afinal, por muito tempo, os dois grupos tiveram quase que uma relação simbiótica. O grileiro tomava a posse de um terreno, o entregava a um madeireiro para fazer o desmatamento e, uma vez “limpo”, o fazendeiro tinha uma área pronta para colocar pasto ou plantações. A adesão gradual ao manejo florestal por parte dos madeireiros indicou que os dois grupos talvez tivessem caminhos diversos a seguir. O projeto de lei sobre a gestão de florestas públicas deixou essa diferença de rumos bem mais clara.

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