A China é a grande vedete do admirável novo mundo globalizado. Para onde quer que se olhe, lá está o gigante asiático com suas mega-estatísticas para nos impressionar. Nada mais justo, em se tratando do país que concentra um em cada quatro seres humanos e que é líder no principal requisito dos tempos atuais: o crescimento econômico. Tal combinação explosiva, num território igualmente imenso (o terceiro maior do mundo), também faz dela um laboratório ambiental em escala macro. Em resposta à degradação galopante causada pela expansão da economia de mercado, a China promove os mais ambiciosos projetos de recuperação florestal do mundo.
Não à toa, a delegação chinesa era a mais esperada no Seminário Internacional de Restauração Florestal realizado de 4 a 8 de abril em Petrópolis (RJ). O evento reuniu 100 biólogos e engenheiros florestais de 41 países para apresentar projetos bem-sucedidos e discutir soluções para problemas tão distintos quanto os últimos suspiros da Mata Atlântica brasileira e a desertificação na Tanzânia.
Como anfitrião, o Brasil aproveitou para levar os convidados a conhecer pessoalmente alguns trabalhos importantes perto dali. Um deles é um sucesso histórico: a Floresta da Tijuca, salva pelo replantio de milhares de árvores nativas no final do século XIX, quando o município do Rio ameaçava ficar sem água. Outros dois estão em pleno curso: os corredores ecológicos na Reserva Biológica de Poço das Antas, que fizeram aumentar a população de micos-leões dourados, e o plantio de árvores nas margens dos rios promovido em todo o estado pela Light, concessionária de energia elétrica.
A expectativa quanto aos grandes números da China foi plenamente correspondida. A começar pelo terrível diagnóstico: cinco das dez cidades mais poluídas do mundo são chinesas, e o lançamento de dióxido de enxofre (SO2) no ar faz com que um terço do território do país receba dos céus a chuva ácida. A poluição também afeta os rios: metade deles não é mais aproveitável, situação agravada pelo desmatamento, que provoca grandes erosões e a acelerada desertificação de regiões inteiras, numa crise hídrica sem precedentes. Nos últimos 50 anos, a China perdeu metade de sua área habitável e de terras aptas a produzir.
Apesar de ser o primeiro a reconhecer que esses dados apontam para um iminente colapso ecológico, o Ministério do Meio Ambiente da China tem investido pesado para recuperar os recursos naturais perdidos. Desde a década de 90, os programas oficiais de reflorestamento se contam em bilhões de dólares e milhões de hectares recuperados.
Em Petrópolis, a presidente da Academia de Ciências Florestais da China, Jiang Zehui, anunciou um novo plano que vai destinar 5 bilhões de dólares por ano à reconstituição de florestas. Em 2005, o objetivo é reflorestar 2,5 milhões de hectares. No fim de uma década, querem replantar 76 milhões de hectares. Zehui destacou o sistema de cinturões verdes conhecido como Três Nortes. Esse trabalho de plantio de árvores é considerado o maior voltado para a restauração de florestas já realizado no mundo. A região norte da China é a mais degradada e onde a desertificação é mais grave.
O Governo desenvolve programas diversos e complementares, como o “Grain for Green”, que incentiva produtores agrícolas a substituir suas plantações por florestas, o combate à desertificação nas regiões de Pequim e Tian Jing, e o reflorestamento ao longo da bacia do rio Yangtze, além da proteção das florestas naturais existentes. Segundo Zehui, a China “fez progressos notáveis na proteção de terras áridas, dos animais e da biodiversidade”.
Equipes científicas chinesas percorrem o mundo para conhecer outros projetos e estudar alternativas de investimento. Em novembro de 2004, uma comitiva composta por técnicos do Departamento de Florestas e de universidades esteve em Guaraqueçaba, no Paraná, para visitar projetos-piloto de seqüestro de carbono associados à conservação da Mata Atlântica, promovidos pelas ongs The Nature Conservancy (TNC) e Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS).
Desta vez, os chineses viram os resultados da criação de corredores ecológicos na Mata Atlântica no município de Silva Jardim (RJ). A Reserva Biológica de Poço das Antas foi criada em 1974 especialmente para preservar o habitat do mico-leão dourado. Denise Rambaldi, que trabalha desde 1992 na reserva e hoje é secretária-geral da Associação Mico-Leão Dourado, chamou a atenção dos especialistas para a fragilidade dos ecossistemas nos 7% que restaram da área original da Mata Atlântica. “Se a destruição continuar no ritmo em que está, em dez anos teremos apenas pequenos pedaços de florestas dentro das áreas urbanas no Brasil”, afirmou. Por isso ela defende a criação de corredores naturais entre as florestas, formados com o plantio de espécies nativas, para garantir chances de procriação e sobrevivência a diferentes espécies e, ao mesmo tempo, assegurar a restauração da Mata Atlântica e a conseqüente preservação das nascentes de água. “Em Poço das Antas deu certo”, garante Denise, que participou da criação de 18 corredores florestais, sendo seis dentro da Reserva Biológica e 12 nos arredores.
Os resultados não demoraram a aparecer. Um levantamento feito pela associação mostra que os corredores integraram 19 fragmentos de florestas, o que contribuiu de forma significativa para o aumento no número de animais na mata. Há 30 anos existiam apenas 70 micos-leões dourados na região e hoje, só na reserva, são 300. “Nossa meta é ajudar para que o Brasil alcance a meta para 2025, que é ter uma população mínima viável de 2 mil animais vivendo livremente em 25 mil hectares de florestas protegidas”, explica Denise Rambaldi.
Segundo o ecologista Rosan Valter Fernandes, a criação de corredores florestais para unir fragmentos de florestas e garantir a preservação da Mata Atlântica e do mico-leão dourado é eficaz, mas é preciso ter cuidado. “O corredor tem que ser somente bom o suficiente para garantir a passagem dos animais de um lado para o outro das florestas. Não pode ser bom demais porque senão o animal se instala ali e vira alvo fácil de predadores e caçadores”, explica ele, lembrando que os corredores são estreitos, com no máximo 60 metros de largura.
O trabalho desenvolvido em Poço das Antas é considerado um exemplo no país. Lá, depois de anos de trabalho de educação ambiental, os moradores já têm consciência da importância da preservação. “Hoje fazendeiros e proprietários de terras nos arredores da reserva são nossos aliados. Sem a ajuda deles não haveria associação e provavelmente não existiria mais o mico-leão dourado”, diz Denise Rambaldi. Otimista, ela acredita que a criação de corredores ecológicos pode garantir o futuro da Mata Atlântica no país.
A organização do evento ficou satisfeita com a troca de experiências com a China e outros países. “Aprendemos com eles e eles podem aprender muito com o que desenvolvemos aqui”, resumiu Tasso de Azevedo, diretor do Programa Nacional de Florestas do Ministério do Meio Ambiente.
* Juliana Fernandes é jornalista recém-formada e mora em Petrópolis (RJ). Trabalhou como repórter da editoria de interior do Jornal O Dia.
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