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Araucária de laboratório

Ameaçada de extinção, a espécie símbolo do Paraná tem sua reprodução acelerada por técnicas de clonagem e inseminação artificial. Os resultados são promissores.

Dimitri do Valle ·
14 de abril de 2005 · 20 anos atrás

A araucária pode estar se afastando do cadafalso. Após décadas de exploração madeireira predatória, a árvore-símbolo do Paraná ainda corre risco de extinção, mas técnicas de clonagem estão sendo apontadas como a salvação da lavoura.

Um dos responsáveis pelo achado é o engenheiro agrônomo Flávio Zanette (foto), um dr. Frankenstein do bem da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Tudo começou em seu laboratório, no início dos anos 80. Zanette tinha acabado de voltar da França, onde fez seu doutorado, já com a intenção de experimentar técnicas de clonagem em árvores. Mas estava pensando em macieiras. Foi seu orientador que sugeriu as araucárias, que já tinham se tornado raras no Sul do país. Até o começo do século passado, elas ocupavam 52% do território paranaense. Hoje, resta uma cobertura equivalente a 0,8% da área do estado.

Zanette então se juntou à bióloga Cecília Iritani para criar uma técnica de clonagem adequada a essa árvore. O método é simples. A matéria-prima são brotos de três centímetros retirados de árvores em fase de crescimento. O material é colocado em um tubo de ensaio com nutrientes químicos e ali permanece até surgirem as primeiras raízes. Depois que os brotos se tornam mudas, saem do laboratório e são plantados numa estufa. Mais tarde, as mudas são inseridas na natureza. Cerca de 200 árvores foram plantadas, mas devido a limitações de recursos apenas sete são monitoradas pelo cientista até hoje. Seis na região de Curitiba e uma em Criciúma (SC). Após 14 anos, as primeiras araucárias clonadas atingiram em 2001 a idade adulta e começaram a produzir seus frutos, as pinhas.

Enfim, para que tudo isso? Segundo Zanette, a clonagem foi feita com matrizes colhidas de araucárias de boa qualidade genética. Por não existirem mais grandes florestas desta espécie, não é fácil achar araucárias com bom pedigree. “Com a clonagem, podemos perpetuar a espécie de araucária com bons descendentes”, diz o cientista.

A clonagem de plantas não é novidade. Os chineses já a desenvolviam há 1.500 anos. Nos estudos do dr. Zanette, o ineditismo fica por conta da experiência com araucárias, também conhecidas como pinheiros-do-paraná.

Empolgado com o desenvolvimento sadio das árvores clonadas, o cientista decidiu diversificar seus métodos. Em conjunto com a bióloga Justina Anselmini, experimenta agora usar como matéria-prima embriões removidos do pinhão, a semente da araucária (foto).

Eles são colocados numa solução gelatinosa contendo sais minerais e compostos orgânicos para virar mudas. Quando a futura árvore atinge 10 centímetros, entra na jogada um processo conhecido por enxertia. Seu caule é substituído por um broto de árvore adulta. O implante cicatriza naturalmente e acelera o desenvolvimento da araucária: a fase adulta da árvore chega em uma década, oito anos a menos do que ocorre na natureza. A diferença é que a planta clonada fica com um tamanho menor do que as naturais. “As árvores obtidas por sementes têm características de juvenilidade. Na nossa experiência, a planta recebe a influência de um tecido adulto”, explica Zanette.

Enquanto uma árvore convencional atinge entre 20 e 30 metros de altura, a “micro-enxertada” (que recebeu o material adulto) não deve passar dos 15 metros. Os pinhões que ela produzir, no entanto, serão de árvores com tamanho normal porque carregarão a herança genética da árvore adulta usada na “cirurgia”. As mudas desta experiência devem ser plantadas no ano que vem.

Em 2003, Zanette colocou em prática outra técnica de reprodução, que envolve a polinização de árvores adultas. Inspirado nas inseminações artificiais que criadores de touros e cavalos realizam para perpetuar o pedigree de seus animais, o agrônomo resolveu colher o pólen de árvores de boa qualidade genética (as maiores e que produzem mais frutos) e jogá-lo sobre as flores de araucárias fêmeas. Para isso, conseguiu um caminhão da Copel (a companhia de energia do Estado) equipado com uma plataforma para alcançar os galhos das árvores, que ficam a mais de 20 metros de altura. Depois da polinização, as flores dão origem às pinhas. A polinização artificial resolve um problema para as araucárias que sobraram, que não contam mais com as amplas coberturas florestais do passado para lhes garantir a fecundação natural.

“Esta técnica garante repovoar as florestas de araucárias com o melhor material genético existente. Assim ajudamos a natureza a fazer sua melhor seleção natural”, explica o cientista. “Também poderemos fazer o cruzamento entre árvores de diferentes Estados”, completa.

Por enquanto, o processo de polinização artificial é feito entre árvores convencionais. Em setembro, a fecundação será realizada, pela primeira vez, com duas das sete árvores clonadas por Zanette. A árvore macho é a primeira de que se tem notícia surgida de um processo de clonagem, e está localizada, bem a propósito, no município de Araucária, região metropolitana de Curitiba. Seu pólen será transportado para Criciúma, onde está sua futura “parceira”.

Além de serem úteis para acelerar processos de reflorestamento, as técnicas reprodutivas do dr. Zanette também podem beneficiar a produção de pinhões. “Ninguém pensa na araucária como uma produtora de pinhão. Sempre viram a árvore como uma matéria-prima de excelente qualidade para ser derrubada e virar madeira. Mas ela dá o pinhão, que é rico em carboidrato e é um excelente alimento no inverno”. Os primeiros pinhões oriundos das araucárias clonadas serão colhidos a partir de maio.

* Dimitri do Valle tem 30 anos e é jornalista em Curitiba.

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