O jornalista Bill Hinchberger conhece mais o Brasil do que muito brasileiro. Conhece também o que o turismo convencional costuma oferecer aos estrangeiros que desembarcam por aqui em busca de aventuras na Amazônia e diversão no Rio de Janeiro. Por isso resolveu criar um site que ele mesmo define como “o guia do Brasil para gringos espertos”. Uniu o útil ao agradável. Por um lado, vive de dar dicas práticas para os turistas evitarem as roubadas de lugares famosos mas totalmente degradadados, como Porto Seguro, e conhecerem a verdadeira cultura e o melhor da natureza do país. Por outro, as viagens permitem a ele encontrar os mais fascinantes assuntos para continuar escrevendo, como correspondente estrangeiro, sobre o que mais lhe interessa: o meio ambiente.
Qual é a melhor pedida para um turista estrangeiro no Brasil?
O Pantanal. Na época certa, o Pantanal é uma coisa que não existe. Quer dizer, existe: tem o Serengeti, na África [parque nacional na Tanzânia]. Mas são poucos lugares assim no mundo. É uma coisa muito diferente, como o Grand Canyon. Eu relutei para ir ao Grand Canyon, pensava “ah, todo mundo vai, é muito turístico”. Mas vale a pena. Como vale ir a Foz do Iguaçu. É muito impressionante. Mas eu procuro saber do interesse da pessoa. Todo mundo sempre quer vir para o Rio. E eu recomendo: se vier para o Brasil sem passar pelo Rio, não veio. É uma grande cidade, não tem nenhuma outra cidade em um lugar de tantas belezas naturais. Algumas pessoas falam em São Francisco, outras Hong Kong, mas como o Rio são poucas. Tem as cidades históricas de Minas, as coisas geniais do Aleijadinho. Bahia, Salvador e tudo o que tem em volta, Itacaré ou a Chapada Diamantina… O Brasil é muito grande. Algumas pessoas entram em contato e dizem: tenho 15 dias e quero ir para o Rio, Foz do Iguaçu, Pantanal, Amazônia e conhecer lugares históricos. Eu digo: você tem 15 dias mas não quer passar o tempo todo dentro do aeroporto. Aí explico o tamanho da coisa. Tento ver qual é o gosto da pessoa, se quer fazer surfe ou trekking, se gosta de aventura, de cultura, de música, se gosta de pisar na lama ou não.
Se um alemão quer fazer trekking no Brasil, para onde você o manda?
Se ele não tem muito tempo e também quer vir para o Rio, eu mando para a Mata Atlântica. Mando muita gente a Paraty, onde tem uma série de atividades para fazer. Depende do tempo, dinheiro e disponibilidade. Às vezes as pessoas insistem que querem ir para a Amazônia, querem porque querem. Eu pergunto: você quer ver bicho ou quer ir para a Amazônia? Se quer ver bicho vai para o Pantanal. Se quer ir para Amazônia para poder dizer aos seus amigos que foi para a Amazônia, tudo bem, eu indico alguma coisa.
Indica o quê?
Eu mando para Mamirauá [no Amazonas], que é um lugar onde de fato você vê bicho, pássaros, essas coisas. E eu “desindico” algumas coisas também. Aqueles tours mais corriqueiros que você pega em Manaus. Já fiz um para ver como é. Eles levam você para o encontro das águas, que é muito interessante, mas depois levam para um bar com um monte de criancinhas, e devem drogar os bichos porque eles ficam lá paradões para você tirar foto. E as fotos são cobradas. Eu acho deprimente isso.
No Rio de Janeiro, o que você “desindica”?
Eu digo para as pessoas não entrarem naquelas coisas feitas para turista ver. São programas superficiais. Tento encaminhar para algum contato com o povo, com a cultura, com a natureza, com um guia bom. Em Paraty, por exemplo, eu digo para não pegarem aquela escuna que joga cem pessoas lá na ilha. Indico alguém que conhece um barqueiro para você fazer um passeio em que vai pagar por hora e ir para qualquer lugar que quiser, pode fazer snorkel, etc. Todas as coisas que são feitas só para ganhar dinheiro do turista eu desindico. Aqui no Rio tem um monte delas. Algumas pessoas acham o “favela tour” fascinante, outros acham um horror. Cada um tem o seu interesse.
Qual é a diferença entre turismo e ecoturismo?
O ecoturismo tem conceitos em volta, coisas às quais se deve dar atenção. Mas não existem normas universais. Existe um movimento, como tem certificação da madeira, para certificar o ecoturismo. Acho difícil dar certo, vai criar um monte de burocracia. Mas realmente este termo é um problema: é só você ver uma árvore na frente e já chamam de ecoturismo. Não é nem perto disso. Botam bares em volta, fazem o rapel errado com o equipamento errado… No ano passado foi fundada a Associação Brasileira das Empresas de Turismo de Aventura [Abeta]. São jovens empresários, quase todos na faixa dos 30 anos, fazendo trabalhos bacanas e tentando seguir regras, conceitos que sejam respeitados. Tanto na área de segurança como em termos dos cuidados com o lugar.
O que há de melhor no ecoturismo do Brasil?
O projeto de turismo comunitário em Mamirauá funciona muito bem. O biólogo José Márcio Ayres, que morreu de câncer há uns dois anos, foi um dos primeiros pesquisadores da região e fez um acordo com o estado do Amazonas para tornar o lugar uma área de proteção, e ceder o gerenciamento para o instituto dele [Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá]. Em vez do velho esquema dos parques nacionais, onde a idéia é tirar as populações e deixar o lugar intocável, ele decidiu levar em conta quem já estava ali. Ver o que conseguia fazer para eles sobreviverem sem destruir. Em uma ponta da reserva, fizeram um projeto de turismo comunitário. Tem alojamentos legais, nada de luxo mas bonitinhos, limpos, tudo funciona. Alguns biólogos acompanham e a população local trabalha lá. Outro projeto de ecoturismo inteligente é o Refúgio Cayman, no Pantanal. Era uma fazenda da família Klabin. Uma parte continua como fazenda, que eles inclusive usam turisticamente, levam o pessoal para visitar. E outra parte reservaram para fazer ecoturismo e birdwatching, toda aquela visitação de bicho. O pessoal do Rio Hiking também trabalha direito.
E nas outras regiões?
Tem bons exemplos em todo lugar. Normalmente são pequenas operadoras. No Rio Grande do Sul, em São Francisco de Paula, fazem passeios a cavalo passando por fazendas. É uma empresa pequena chamada Campofora, do Paulo Hafner, que leva grupos de 6, 10 pessoas. Outro exemplo de turismo comunitário que fui visitar recentemente é na Prainha do Canto Verde, no Ceará. Tem um suíço maluco, que trabalhou com a SuissAir e depois de se aposentar foi morar lá, começou agitar, vocês conhecem a história, né?. Agitou a comunidade local, organizou a pesca e está fazendo turismo comunitário. É uma pousadinha simples, mas é legal se você quer uma experiência diferente. Você vai ter contato com a população local, conhecer uma área bonita… Dá umas 15 pessoas no máximo na pousada, é uma coisa pequena. Esse tipo de coisa não é para turismo de massa. Tem também Cristalina [em Goiás], que eu não conheci ainda mas parece muito legal…
Não existe ecoturismo de massa?
Não. Se você vai entrar em áreas de natureza tem que ter muitos cuidados. É aquela coisa: você quer ir ao cinema ver um filme muito popular, chega para a sessão das 7 e está esgotado. Aí você compra para a sessão das 9 e espera. O parque já está lotado, dessa vez não dá para ir, tem que ser outra vez. Tinha que ter umas coisas desse tipo. Nos parques nacionais dos Estados Unidos existe todo um controle das trilhas e áreas de acampar. Funciona razoavelmente bem. Não chega a ser de massa, mas é muita gente.
E o contrário: existe turismo de massa não predatório?
O grande problema é esse. Não sei se já ouviram falar no termo “porto-segurização”. É aquela coisa de pegar um lugar bonito e destruir tudo o que era atrativo. Porto Seguro ainda vive, mas vive de universitários indo lá para fazer farra. Não vive mais do turismo de natureza que começou com os hippies. Bonito, no Mato Grosso do Sul, é um exemplo de lugar onde tem um controle maior. Se você consegue atrair as pessoas de forma inteligente, sem destruir o que tem, pode ser uma opção. É aquela coisa: o que você tem que fazer para preservar a Amazônia? Tem que fazer com que seja mais interessante deixar em pé do que cortar. Uma das formas, não a única, é usar o ecoturismo para o pessoal poder ir lá visitar. É uma forma de dizer que aquilo tem valor porque vem gente do mundo inteiro para conhecer, e paga para a gente levar e mostrar. Então o turismo pode ser parte da solução. Tem que cuidar para não acontecer o que aconteceu em Porto Seguro, em Porto de Galinhas, Pernambuco, em n lugares. O que está acontecendo agora no Ceará. Lugares onde há dez, quinze anos ninguém ia, estão sendo invadidos por hotéis da Espanha e de Portugal. A CVC é uma mega empresa de turismo e está querendo abrir em todos esses lugares. Os Lençóis Maranhenses estão sendo invadidos e correm o risco de virar um Porto Seguro da vida…
Brasileiro também gosta de ecoturismo?
Esses programas mais rústicos, de mais difícil de acesso, tendem a atrair mais estrangeiros. Os brasileiros que têm condição de viajar preferem ficar num hotel cinco estrelas na beira da praia em qualquer lugar que seja. Pegar um barco, se sujar, trekking, ecoturismo, essas coisas de Pantanal, Mamirauá, difícil acesso lá na Amazônia… têm mais estrangeiros. Quase todos os clientes do Rio Hiking são estrangeiros. Parte dos cariocas vão subir a Pedra da Gávea sozinhos, sem nenhum guia. E brasileiros que vêm de outras partes do país para o Rio nem pensam em fazer esse passeio. Mas isso está mudando. A geração mais nova está mais interessada.
Por que você veio para o Brasil?
Eu cresci na Califórnia, Los Angeles. É quase México. Então eu já tinha esse contato com as coisas mais para o sul. Como jornalista, fiz alguns trabalhos na América Central, naquela época em que todo mundo estava se matando por lá. E achava o Brasil interessante, era um lugar que eu queria conhecer. Por causa do mestrado em Estudos Latino-americanos, ganhei uma bolsa para vir, em 1986. Tinha uma editora aqui chamada Terceiro Mundo, e eles queriam lançar uma versão em inglês da revista deles, estavam procurando um editor. Essas duas coisas andaram paralelas e acabei trabalhando como editor dessa versão em inglês do caderno “Terceiro Mundo”, Third World em inglês. Depois isso terminou e eu entrei num sistema mais convencional de correspondente. Passei por vários lugares. Os dois mais famosos foram o Financial Times e a Business Week, na década de 90. Aí me cansei de fazer só as pautas que os caras queriam. Resolvi fazer matérias especiais para revistas, diversas revistas. Tinha interesse em tratar de meio ambiente, mas a Business Week não bota muito essas pautas. Em outras revistas consegui trabalhar mais com meio ambiente e temas de ciência e tecnologia. Tenho feito matérias para a Science, para National Wild Life, para a .Metropolis, que é de arquitetura e urbanismo. E tem a Eco Américas, que é da Califórnia e especializada em desenvolvimento e meio ambiente na América Latina.
Seu interesse por meio ambiente surgiu no jornalismo?
Não, é pessoal antes de ser jornalístico. Quando era criança, em Los Angeles, a poluição do ar era muito, mas muito ruim. Você sentia, sabe? Nos dias ruins, sentia no pulmão quando você respirava. Tinha dias que a gente não podia sair porque o ar era muito pesado. Foram feitos inclusive uma série de controles na indústria e nos carros para melhorar, não é mais tão ruim quanto aquela época. Mas acho que a primeira coisa que me chamou a atenção foi isso: “Estou respirando essa sujeira à minha volta”. Eu nem pensava em meio ambiente. No pensamento da época era mais uma coisa de controle de poluição. Mas sempre procuro me aprofundar nos temas que me interessam, e o movimento ambientalista estava se ampliando. Você vai entendendo os conceitos maiores, vê que essas coisas estão todas ligadas. Quando e tornei jornalista, já achava que era uma pauta, uma área que merecia atenção. Naquela época era mais difícil colocar, mas ao mesmo tempo tinha espaço porque ninguém mais estava fazendo. Isso cresceu, agora tem até a Society of Environmental Journalists (SEJ), nos Estados Unidos, fundada em 1990.
Que tipo de reportagem sua é publicada lá fora?
Fiz, para a Science, sobre um cientista que está estudando as línguas indígenas, tentando gravar o máximo possível dessas línguas que estão desaparecendo. As pessoas já nem se lembram mais delas, porque há 50 anos ninguém fala. A pesquisa quer usar esses dados para reconstruir a língua-mãe, que seria como o latim da Amazônia. Para a revista National Wild Life, escrevi sobre um programa de manejo de pirarucu em Mamirauá. Se a pesca for 100% proibida, eles vão matar do mesmo jeito. Eles fazem todo um esquema para identificar o número de peixes que existem e você pode levar 30%. É muito interessante, porque os caboclos têm uma forma de contagem que é mais precisa que os dados científicos. O pirarucu tem que subir para respirar na superfície a cada 15 ou 20 minutos, aí os caras ficam lá olhando e vão contando. Se um sobe duas vezes, ele sabe que esse já subiu e a contagem dele está certa. Foi uma história fascinante. Tenho diversas pautas, os caras estão interessados em quase tudo. A última que fiz é sobre o índice cada vez maior de acidentes de aviões com pássaros nos aeroportos brasileiros. Está crescendo a população de urubus em volta dos aeroportos, e isso tem a ver com o problema do saneamento.
O grosso do interesse externo continua a ser a Amazônia?
Com certeza. O grande problema para a gente trabalhar aqui é que a Amazônia é longe e é cara. E hoje em dia ninguém quer pagar gastos de ninguém. Estando no Brasil é difícil fazer essas pautas, mas tem um apetite quase interminável por elas. Não existe ninguém fazendo. O Lúcio Flávio está fazendo as coisas dele, temos outras pessoas, mas não existe uma cobertura decente da Amazônia. Nem do jornalismo brasileiro, nem dos outros países da região, nem do exterior. Não tem uma cobertura sistemática e bem feita.
Por que esse interesse todo pela Amazônia?
Pode ter mil explicações. Para nosso inconsciente, a floresta traz algum mistério, uma simbologia maior do que algumas outras paisagens. Aquela coisa de conto de fadas da Europa, o mistério, o fascínio de descobrir uma floresta desconhecida. Quando você vê que existe um peixe como o pirarucu, quando pesca um pirarucu e conta para os amigos, é fascinante. Uma parte vem disso. A outra vem dessa história de a Amazônia ser o pulmão do mundo. A parte política interessa menos. A preocupação política que existe no Brasil com a Amazônia não tem contrapartida no olhar externo.
Como assim?
Todo ano circula na internet a história daquele mapa que mostra a Amazônia como “reserva internacional”, e dizem que nas escolas da Flórida um livro didático afirma isso. A própria embaixada brasileira em Washington foi fazer uma pesquisa para ver de onde veio a história. E descobriram que era obra de um grupo ultranacionalista brasileiro. Um mapa desses nunca existiu. Outra lenda que circula é que o Congresso vai fazer uma lei liberando o desmatamento de metade da Amazônia. Outra é o relato de um cara que estava em Roraima e que os estrangeiros não deixavam ele ter acesso a vários lugares. Os brasileiros têm tendência a acreditar nessas coisas. Mas eu faço um trabalho todo ano para o Fórum Econômico Mundial, e conheço uns caras do Council of Foreign Relation, que é um instituto ligado ao Departamento de Estado Americano. E perguntei a um deles o que achava disso: todo mundo no Brasil dizendo que os Estados Unidos querem tomar conta da Amazônia. Perguntei se não poderia ter alguém, lá no fundo, planejando alguma coisa assim. Mas, de fato, a Amazônia está tão fora do radar que não tem ninguém pensado nisso. Vamos supor que os americanos gostariam sim de tomar conta da Amazônia. A idéia de ocupar uma área daquelas com tropas é de uma logística absurda. Não existe essa preocupação. Então quando se faz uma pergunta dessas – por que o interesse na Amazônia? – eu levanto isso. É algo que não passa pela cabeça das pessoas lá fora. Só passa na cabeça das pessoas aqui. O interesse pela Amazônia existe, mas não passa pela importância geopolítica.
E pela importância ambiental?
Com a preservação sim, há uma preocupação. Mas só em determinadas camadas da população, que incluem os formadores de opinião.
Você chefiou os correspondentes estrangeiros no Brasil?
Fui presidente, por quatro anos, da Associação dos Correspondentes Estrangeiros (ACE) de São Paulo. São três associações para as três concentrações de jornalistas estrangeiros aqui no Brasil. Metade em São Paulo, onde estou, metade no Rio e um grupo menor em Brasília. No total deve ter umas 250, 300 pessoas trabalhando como correspondentes. Alguns são brasileiros, porque a definição do correspondente não é onde o cara nasceu, mas onde trabalha. É interessante porque você acaba sendo um ponto de relação com o governo e com a sociedade de modo geral. Muita gente procura você ou a associação para ter esse contato com os correspondentes.
Como avalia as reportagens ambientais dos correspondentes estrangeiros?
O meio ambiente começou a ter uma cobertura mais pesada na década de 60, 70. Mas era aquela coisa: está derrubando a árvore tal, tem poluição em tal lugar. O que aconteceu é que isso, em grande parte, foi embutido nas pautas. Para fazer uma matéria sobre a Baía de Guanabara, você vai falar dos problemas de saneamento, vai ter um elemento ambiental. Não sei se, neste caso, será uma matéria ambiental ou uma matéria de saneamento, de economia, porque precisa investimento para fazer as coisas. É um pouco de tudo, mas o tema meio ambiente acabou sendo embutido nas pautas. Tem um cara na Reuters que só escreve sobre commodities, como café e soja. Esse cara ficou responsável pela grande cobertura da Reuters sobre a discussão dos trangênicos no Brasil. Ele não é especialista em meio ambiente, não está nem pensando nisso como pauta de meio ambiente. Só que talvez esta foi uma das duas ou três pautas ambientais mais importantes de dois anos para cá no Brasil. Acho que o meio ambiente ficou dentro do inconsciente de todo mundo e por isso fica entrando pauta. Mas mesmo assim a cobertura é deficiente.
O que pode melhorar?
Deveria ampliar os temas. Por exemplo: o Tietê é um puta problema que poderia ter solução. Tem uns cento e poucos jornalistas estrangeiros em São Paulo. Não sei quantos já escreveram sobre o Tietê, um lixo que eles cheiram todo dia. Mas a gente poderia fazer um trabalho melhor, se relacionasse meio ambiente aos interesses das pessoas. Quando escrevi pela primeira vez sobre o Tietê, estava no Financial Times e relacionei com a experiência de Londres, porque o rio deles [Tâmisa] também estava muito poluído, fizeram todo um esquema de limpeza e tal. Na matéria sobre urubus se chocando contra aviões falei que o problema está acontecendo no mundo inteiro, não só no Brasil. Outra coisa importante, não só em pautas ambientais, é contar o lado humano da história. Não simplesmente pegar e jogar um monte de dados, informações e coisas que ninguém vai lembrar. Mas fazer com que as pessoas relacionem com a dona Maria, que tem em casa espuma vinda do Tietê. Às vezes a gente acha uma notícia tão importante, acha que ela vale por si, mas não pensa no leitor que tem mil coisas para fazer da vida. Por que ele tem que interessar pelo que eu estou falando? Tem que contar o lado humano e explicar por que isso é importante, aproximar a matéria das pessoas. Fazer o fio entre a questão local e o global. É aquela velha coisa da década de 1970.
O mesmo vale para o Brasil?
A mesma coisa. Para falar de aquecimento global, por exemplo, ainda mais depois do furacão Katrina em New Orleans, seria interesse mostrar as cidades litorâneas brasileiras que seriam cobertas se o mar subisse. Algum lugar comparativo, onde quando a água sobe o cara já fica isolado na palafita. Os cientistas dizem que daqui a 20 anos o mar vai subir tanto, por causa do aquecimento global, então: quais bairros de quais cidades do Brasil seriam atingidos por isso?
Como surgiu o BrazilMax?
Muitos fatos que eu queria abordar, os editores diziam não. Então pensei em fazer eu mesmo. Há cinco anos, resolvi criar um site sobre Brasil para estrangeiros. Comecei sem muita idéia, mas cresceu até um ponto que estava tomando muito tempo meu só de brincadeira. Eu tinha que fazer dele um negócio. Então, em 2003, resolvi dar um enfoque maior no turismo. Na internet, a primeira coisa mais visitada é sacanagem. A segunda é turismo.
Qual é a proposta?
O BrazilMax é um cruzamento entre uma revista do tipo National Geographic, que faz matérias explorando as riquezas do país, e um Guia Quatro Rodas, que dá dicas práticas. Reflete também meus interesses e preocupações, como a questão da sustentabilidade, ou a palavra que você quiser usar: ecoturismo, “turismo comunitário”, responsabilidade, o que for…
Você conhece alguém que oferece o mesmo serviço que você?
Exatamente o que estou fazendo, não. Porque cada um tem um foco diferente. Mas tem uma revista em Los Angeles, feita por um brasileiro que foi morar lá, chamada Brazzil. A revista existiu durante muito tempo e fez um site também. Tem também o de uma mulher nos Estados Unidos, o Maria-Brazil – ela vai falando das coisas que ela gosta, acho que faz meio por hobby. Outro é o Gringoes, mais direcionado para os estrangeiros que moram em São Paulo. Tem um monte de sites sobre o Brasil. Mas essa minha proposta de aprofundar, conhecer, ter contato com o povo, não.
Quais foram as suas impressões sobre o Brasil em 1986?
A primeira coisa que choca o estrangeiro que vem da Europa e dos Estados Unidos é a pobreza. As favelas, as pessoas dormindo na rua, as crianças na rua. Não que não tenha pessoas sem teto nos Estados Unidos. Tem, mas não são tantos assim. Mesmo que você saiba que tem gente pobre, na hora que enfrenta isso fica um pouco chocado. Mas tinha muitas coisas positivas também. Como eu estava aqui no Rio, simplesmente a beleza estética da cidade. Em relação a meio ambiente, tinha dois lados: os lugares que eu conhecia e o trabalho jornalístico. Naquela época, o índio estava mais em evidência. Fiz muita coisa sobre índio, mas todo mundo estava fazendo. Índio, índio, índio… e junto com índio a Amazônia. Os assuntos do meio ambiente na área urbana vinham depois, não eram tão enraizados ainda. Meio ambiente as pessoas pensam que é fora da cidade. Aí eu fiz uns passeios, fui a Paraty, fui conhecendo as coisas e fazendo algumas pautas mais pontuais.
O índio saiu da pauta?
Sumiu um pouco, é verdade, não tem a demanda que tinha naquela época. A década de 80 era a década do índio.
Por quê?
Não sei se é modismo. Foi também o primeiro instante em que os próprios índios fizeram contatos internacionais. É diferente de alguém chegar de fora falando “coitados dos índios”. Eles mesmos fizeram os contatos. Da mesma maneira que o Chico Mendes fez uma rede de contatos internacionais, e por isso quando morreu causou aquela reação toda. Naquela época, também, por causa dos regimes militares na região, a questão dos direitos humanos estava muito em pauta, muito mais do que agora. Os índios entraram nessa pauta dos direitos.
Você pensa em voltar para os Estados Unidos?
Não. Tanta gente me pergunta isso que sou levado a pensar, quando as pessoas perguntam. Mas já estabeleci minha vida aqui, tanto a pessoal quanto a profissional. Se eu fosse para lá teria que inventar outra coisa para fazer, que não fosse apresentar o Brasil e a América Latina para o mundo. Criei meu negócio basicamente fazendo isso. E o clima nos Estados Unidos agora não me atrai muito. Eu saí na época do Reagan, num clima desagradável, as pessoas eram mais egoístas, estava tudo decaindo em termos de pensamento. Agora, o governo Bush também está com umas tendências de intolerância, o país está completamente dividido e os dois lados não gostam um do outro.
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