O ecólogo Phillip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), é o segundo cientista mais citado no mundo sobre aquecimento global – 530 vezes, para ser mais exato. O número está no Science Citation Index, um índice compilado pela gigante inglesa Thomson Scientific e é parte do ramo da empresa especializado na criação de bancos de dados com informações sobre ciência. A frequência com que os colegas citam Fearnside dá uma medida da importância científica de suas idéias. Elas estão formuladas em mais de 400 artigos baseados em suas pesquisas na Amazônia, onde bateu meio por acidente em 1976. Fearnside, nascido em Massachussets, nos Estados Unidos, planejava fazer seu nome como cientista na Índia. A geopolítica tirou-o da rota.
Seu país de destino meteu-se numa guerra com o Paquistão. Era época de guerra fria e, com os soviéticos abraçados aos indianos, Washington aliou-se aos paquistaneses. A Índia reagiu proibindo a entrada de cidadãos americanos em seu território. Quem se deu bem nessa história toda foi a Amazônia, que ganhou para ajudar a entendê-la uma mente privilegiada como a de Fearnside. Alto, magro, dono de um rosto onde se sobressai um imenso bigode, ele ainda consegue falar um português muito carregado mesmo depois de três décadas no Brasil. Mas poucos brasileiros conhecem a região, e sua floresta, tão bem quanto ele. Foi um dos pioneiros no estudo dos efeitos do desmatamento sobre a floresta e sua relação com o efeito estufa.
É um antigo crítico dos projetos de desenvolvimento para a região e hoje, liderando uma equipe que mapeia e monitora os serviços ambientais prestados pela floresta, acredita que criar uma forma de transformar estes serviços em ganhos econômicos é o caminho mais sólido para conter o corte de árvores. Durante uma hora, na sua sala no Departamento de Ecologia do Inpa, Fearnside falou a O Eco sobre as relações da Amazônia do Brasil, os efeitos de grandes obras sobre a mata e disse que a Bolívia tem toda razão em se preocupar com os impactos ambientais que serão causados pela eventual construção de hidrelétricas no rio Madeira. Fearnside alertou também que se o efeito estufa não for revertido, o Brasil será um dos países que mais sofrerá sua consequências. Combatê-lo, para os brasileiros, é uma questão de sobrevivência.
Qual a relação entre a floresta e o aquecimento global?
Fearnside – A de um círculo vicioso. A destruição da Amazônia contribui com o efeito estufa e o efeito estufa destrói a floresta. A floresta depende da água e também da temperatura. O efeito estufa e o desmatamento se auto-alimentam, contribuindo para um aumento médio de temperatura maior que a média global e uma redução no volume de chuvas. Com o aumento da temperatura, cada árvore precisa de mais água para sobreviver e, justamente aí, tem menos chuvas. A seca pega as árvores em uma situação de fragilidade.
Qual o efeito desse círculo vicioso sobre a floresta?
Fearnside – Existem simulações climáticas que mostram catástrofes, com a floresta basicamente acabando antes de 2080. São simulações do Weather Centre do Reino Unido indicando que a Amazônia vai sofrer muito com a subida de temperatura das águas do Pacífico, provocadas pelo aquecimento global. E este modelo de clima desenvolvido Inglaterra só inclui a possibilidade de a floresta secar e as árvores morrerem sem água. Não inclui incêndios, que podem destruir grandes áreas de floresta, como aconteceu em Roraima, em 1998. Secas deixam a mata suscetível a incêndios e a destruição da floresta, nesse caso, é ainda maior.
Pacífico?
Fearnside – É. Aumentos de temperatura na água de lá criam efeitos semelhantes aos do El Niño. Sempre que ele ocorre, você tem seca na Amazônia. Foi o caso de 1997/1998 e 2003, quando houve grandes incêndios em Roraima. Outros El Niños históricos foram marcados pela seca e pela intensidade das queimadas. O verão de 1926, um ano de El Niño, ficou conhecido como o verão da fumaça. A questão é que o El Niño ocorre em ciclos relativamente regulares e curtos. O aquecimento global vai produzir as mesmas consequências, só que em ciclos de longa duração.
O efeito seria parecido com a seca na Amazônia do ano passado?
Fearnside – A seca foi um bom alerta para mostrar que a floresta é realmente sensível. A gente só pensa em desmatamento, cortar a floresta diretamente com motosserra. Mas esta seca do ano passado foi uma coisa totalmente fora do controle humano, simplesmente estava acontecendo, os rios secando, as árvores morrendo. Neste caso, foi aquecimento do Atlântico, e não do Pacífico, que a provocou.
Mesmo preservando a Amazônia, o aquecimento global vai trazer problemas para a região?
Fearnside – Exatamente. E não preservar a Amazônia vai contribuir para acelerar o efeito estufa. Já estamos contribuindo com o desmatamento de hoje. O fato de ainda existir muita floresta na Amazônia, ao contrário da Mata Atlântica que praticamente já acabou, quer dizer também que existe muito carbono que corre o risco de ser liberado para a atmosfera.
E de que forma a Amazônia contribui para o efeito estufa?
Fearnside – Nós temos dados há muitos anos sobre as emissões de gases. São necessárias mais informações para melhorar a certeza dos números, mas o quadro geral, se sabe há muito tempo. A maior parte dos gases vem da decomposição, a madeira que não queima, apodrece e acaba virando gás do efeito estufa. Estimamos que, mais ou menos, um terço dos gases de efeito estufa emitidos pela floresta seja de queimadas, e dois terços sejam de decomposição, apodrecimento da madeira morta, aquilo que não queimou.
É um processo natural da floresta ou é madeira derrubada pelo homem?
Fearnside – É madeira derrubada. E existem os incêndios florestais que emitem muitos gases também. A queimada mata muitas árvores, que apodrecem com o tempo. As árvores em decomposição emitem gás carbônico e também metano, que tem mais impacto no efeito estufa por tonelada do que o CO2.
Mas a emissão de gases pela matéria em decomposição não é natural da floresta?
Fearnside – A emissão líquida, não. Na floresta, você sempre tem árvores morrendo e em decomposição, emitindo gases. Mas, ao mesmo tempo, você tem outras árvores que estão nascendo e crescendo e vão absorver a mesma quantidade de carbono. Se a biomassa da floresta permanece constante, a emissão é zero. O desmatamento desequilibra essa relação.
O que acontece com o desmatamento?
Fearnside – Ocorre uma absorção bem mais modesta dos gases e, com o tempo, a situação se inverte e a floresta vira fonte emissora de gases.
Qual a influência da Amazônia no clima do Brasil?
Fearnside – É importante se dar conta que o Brasil é um dos países que mais vão sofrer com o efeito estufa. O mito comum é pensar que o efeito estufa atinge mais a Europa e os Estados Unidos. Na Amazônia, vamos ter grandes impactos com o desaparecimento da floresta, além dos efeitos que ele poderá ter para o resto do país. O ciclo da água, por exemplo. A Amazônia afeta a vazão do rio São Francisco, importante para o Nordeste. O volume de água transportado para fora da região amazônica é enorme e boa parte acaba no Centro-Sul do Brasil.
“É IMPORTANTE SE DAR CONTA QUE O BRASIL É UM DOS PAÍSES QUE MAIS VÃO SOFRER COM O EFEITO ESTUFA.”
Como funciona este ciclo?
Fearnside – A água evaporada no Oceano Atlântico é trazida para a Amazônia, onde é reciclada pela floresta e volta para a atmosfera. No final da reciclagem, a água é levada pelos ventos em direção aos Andes, por onde não consegue passar. Quase toda essa água é desviada para o Sul do Brasil e países vizinhos, como Argentina e Uruguai. Isto acontece principalmente entre dezembro e fevereiro, época chuvosa em São Paulo.
É muita água?
Fearnside – A quantidade de água é enorme. Na Amazônia, entram 10 trilhões de metros cúbicos por ano de água e saem 6,6 trilhões de metros cúbicos, pela foz do rio Amazonas. A diferença de 3,4 trilhões de metros cúbicos está indo para algum lugar. Uma parte consegue passar por cima dos Andes. Mas a maior parte vai para o Sul. A umidade é levada pelos ventos alísios, mais constantes, e pelos jatos de vento, mais rápidos e que se formam em determinadas altitudes e épocas do ano. A umidade bate na Serra da Mantiqueira e nas serras costais e formam chuvas. Parte desta água desce para o Atlântico pelo rio São Francisco. Outra parte, para o Sul. Nos dois casos, passa por uma cadeia de hidrelétricas.
Houve alguma relação entre mudança de clima na Amazônia e o apagão?
Fearnside – Não. Mas o apagão mostrou que a situação já está no limite. O enchimento daqueles reservatórios acontece em poucas semanas, no pico das chuvas, entre dezembro e janeiro. Estes são justamente os meses em que a Amazônia está contribuindo com mais água para aquela região. Se estas chuvas falharem, os reservatórios não vão encher no resto do ano.
O que ainda falta descobrir sobre este processo?
Fearnside – É muito importante ter números melhores. Mas, ao mesmo tempo, é muito importante agir com os números que se tem, porque eles indicam que estamos produzindo um problema com o qual teremos que lidar num futuro muito próximo. Os cientistas apresentam os mesmos dados, embora de maneiras diferentes. Alguns começam com as incertezas e colocam um rodapé no final, com um alerta ‘se isto acontecer, vai ser uma catástrofe’. Outro usa os mesmos dados, com o melhor modelo de devastação que existe, e no final explica as incertezas. É muito importante entender esta diferença.O fato do desmatamento causar graves impactos, como efeito estufa, corte do ciclo hidrológico e destruir a vida na cidade é conhecido. Mesmo que o número exato não seja uma certeza. O grosso do problema já dá para ver.
Mas não é preciso desmatar para desenvolver a região economicamente?
Fearnside – A idéia de que o desmatamento é feito para uso econômico é enganador. O grosso do desmatamento é para nada. E não emprega muita gente. Nas fazendas onde ocorre o grosso de desmatamento, existe um número mínimo de empregados. O desmatamento em relação a sua capacidade de gerar um emprego é desproporcional. É importante lembrar que a floresta em pé pode gerar desenvolvimento econômico. Se fossem criados mecanismos para compensar estes serviços ambientais, eles poderiam formar a base de outra economia.
E o que o senhor acha da atuação da IIRSA (Iniciativa de Integração Regional Sul-Americana)?
Fearnside – Ela serve para a integração de infra-estrutura da América do Sul, que justamente inclui hidrovias e as estradas. É muito importante que sejam analisados os seus impactos ambientais, antes de tomar decisões. Mas o padrão é justamente o oposto. Não há análise dos impactos. Decidem fazer alguma coisa e depois encomendam o estudo ambiental, para justificar o que já foi decidido. E criam a força política para fazer as obras, antes de saber se é uma boa idéia ou não.
“NA AMAZÔNIA, DECIDEM FAZER ALGUMA COISA E DEPOIS ENCOMENDAM O ESTUDO AMBIENTAL PARA JUSTIFICAR O QUE JÁ FOI DECIDIDO.”
Mas as obras de infra-estrutura não são necessárias para a Amazônia?
Fearnside – Eu acho que o princípio para todas as decisões é analisar os impactos e os benefícios antes se tomar a decisão. E nesses casos todos, das hidrelétricas do Rio Madeira, da BR-319, etc., ninguém analisou os impactos. A BR-319 não tem EIA-Rima. Não tem nem o estudo de viabilidade para fazer um cálculo em termos econômicos. Nem sempre a decisão deve ser não, mas pelo menos deve haver análise antes da decisão.
Mas não é preciso pensar também nas atividades econômicas da região? E a estrada é não importante para Manaus?
Fearnside – Ninguém falou que não deva existir atividade econômica na Amazônia. A Zona Franca é um dos principais empregadores aqui. Mas um estudo publicado recentemente mostra que o custo médio do frete por cabotagem entre São Paulo e Manaus era de R$ 0,06 /Km, em 2005. No sistema rodofluvial, que temos hoje, custa R$ 0,22/Km. O problema é o Porto de Manaus, que tem a capacidade comprometida com exportação para outros países. Por isto, as cargas que vão para São Paulo saem em carretas, em cima de balsas, em vez de ir em navios. Ninguém comparou os custos para mostrar que é mais econômico fazer a estrada.
Por que o senhor acredita que o impacto da BR-319, entre Porto Velho e Manaus, vai ser bem maior do que se prevê atualmente?
Fearnside – Os atuais modelos de desmatamento não mostram todas as estradas secundárias construídas a partir da estrada principal. São estradas que vão para as sedes dos municípios nos rios, nos dois lados do interflúvio Madeira/Purus. Uma delas cruza o rio Purus, em Tapuá (município do interior do Amazonas), e vai para Coari, Tefé e Juruá, um bloco de floresta no Oeste do Amazonas. Essa estrada, provavelmente, muda o quadro do desmatamento na Amazônia como um todo.
Quanto mais preciso o modelo, mais negativa a previsão?
Fearnside – Exatamente. Não vai aumentar apenas o desmatamento ao longo destas estradas novas, ou melhoradas. Vai haver migração de Rondônia para toda esta área da Amazônia Central e para Roraima. Para Roraima, já existe uma rodovia asfaltada. É muito mais impacto do que o simples desmatamento ao longo da estrada.
A pecuária ainda é a vilã do desmatamento?
Fearnside – A pecuária existe há muitos anos. A novidade é a força do mercado de carne. Antes a pecuária servia principalmente para garantir a posse da terra, especulação e obtenção de incentivos. Agora tem também a exportação, que dá uma margem de lucro maior para a pecuária. O volume de exportações é pequeno, mas vêm aumentando todo ano. Um dos fatores que contribui para o desenvolvimento da pecuária é que três estados na Amazônia Legal estão certificados como livres da febre aftosa. E existem propostas para Acre e Pará. E isto vai permitir a abertura do mercado externo para a carne produzida na Amazônia.
E a soja?
Fearnside – O grosso da soja ainda fica no Cerrado, e não na floresta. E o que está na floresta ocupa antigas pastagens, não é floresta derrubada recentemente. Mas em Santarém, no Pará, eles derrubam a floresta para plantar soja. E mesmo quando ocupa pastagens, a soja leva ao desmatamento, porque empurra as pastagens para novas áreas de floresta. Além disto, é a existência da soja no Cerrado que justifica obras como a BR-163. Ninguém faz uma estrada destas para transportar carne de boi, nem madeira. E depois que estrada fica pronta, outros atores entram, como madeireiras, grileiros, pecuaristas, que vão desmatar ao longo da estrada.
E vale a pena derrubar a floresta para planta soja?
Fearnside – Vale a pena para o investidor. Quem está fazendo, está tendo lucro. Se não tivesse lucro, não iria fazer. Mas para o país, é uma loucura. O Brasil está perdendo o valor da floresta. Manter o ciclo da água, evitar a emissão de gases de efeito estufa e preservar a biodiversidade valem muito mais do que o lucro com madeira e carne.
O que o senhor acha da criação de reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável?
Fearnside – É uma coisa que tem um potencial, apesar de não proteger a floresta completamente. Mas estas reservas têm uma função ambiental, além da função social para as pessoas que vivem da floresta. Obviamente têm muitos problemas também. Não é uma coisa perfeita. Funciona onde tem população tradicional, mas não onde é preciso importar gente para fazer extrativismo. Tem que ser uma população que já faz aquilo e que esteja socialmente preparada.
“RESERVAS EXTRATIVISTAS E DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL FUNCIONAM ONDE EXISTE POPULAÇÃO TRADICIONAL, MAS NÃO ONDE É PRECISO IMPORTAR GENTE PARA FAZER EXTRATIVISMO.”
Estas questões sociais não acabam prejudicando a luta em favor do meio ambiente?
Fearnside – Tem espaço para os dois tipos de atuação. Onde existe estas populações tradicionais e dá para fazer uma reserva extrativista, é uma opção. Agora tem que ter espaço para parques e reservas de proteção integral. Mas existe grande pressão política para fazer tudo como área de desenvolvimento sustentável. No debate da Alap (Área sobre Limitação Administrativa Provisória) da BR-319, a proposta do governo estadual era fazer tudo como reserva extrativista ou de uso indireto e nada como de proteção integral.
O que seria prioritário em uma região como Parque Nacional do Jaú, onde tem gente dentro, ou na área da BR-319, perto do Acre e Rondônia, onde também existe gente?
Fearnside – Não é sempre um ou outro. Não pode simplesmente expulsar populações e não dar nenhuma opção. Mas o governo não pode ficar totalmente de mãos atadas, sem poder tirar ninguém. Ele desocupa áreas o tempo inteiro para a construção de hidrelétricas, com grandes injustiças, como em Tucuruí, no Pará. É muito triste isso. Quando há pouca gente e as atividades desenvolvidas podem ser replicadas em outra região, o governo tem de ter a opção de desocupar.
O senhor estudou também a emissão de gases em lagos de hidrelétricas. Que tipo de problemas a construção das hidrelétricas no rio Madeira podem causar?
Fearnside – As emissões de gases talvez sejam menores problemas destas hidrelétricas. Elas não têm grandes lagos, como Tucuruí (PA), Balbina (AM) ou Samuel (RO). Mas existem grandes problemas de outros tipos. Um é que vai bloquear a migração de peixes. Os grandes bagres sobem o rio Madeira e vão se reproduzir na cabeceira dos afluentes, no Peru e na Bolívia. Depois, descem a correnteza e povoam o Madeira e o Amazonas. O rio Madeira é um dos rios mais piscosos da Amazônia. Não é uma perda recuperável. Mesmo fazendo passagens para peixes, já se sabe que não funciona para estas espécies, que são muito diferentes do salmão e carpas.
Pode haver problemas com estes países?
Fearnside – As hidrelétricas vão inundar também a Bolívia. A segunda barragem, de Jirau, vai justamente até Abunã, na divisa com a Bolívia. Durante a época de cheia, a água vai estar, mais ou menos, no mesmo nível de hoje. Mas no resto do ano o nível vai continuar alto, não vai descer, como é o ciclo natural, inclusive na parte da Bolívia. Isto vai causar problemas, porque o rio Madeira é um dos rios com mais sedimentos do mundo. Metade de todo sedimento do rio Amazonas vem do rio Madeira. Os sedimentos vão formar uma segunda barreira, na entrada do lago, aumentando a área submersa. Metade desta inundação vai ficar dentro da Bolívia.
E os planos para a construção de outras barragens?
Fearnside – Existe outro plano que é para Hidrelétrica de Guajará-Mirim e para a construção de uma quarta, a Hidrelétrica de Cachoeira Esperanza, na Bolívia. Só que estas duas nem são mencionadas no EIA-Rima das duas primeiras, apesar de já estarem fazendo as eclusas em Santo Antônio e Jirau, para viabilizar a hidrovia do rio Madeira. O problema é que não dá para aproveitar estas eclusas se não fizerem a hidrelétrica em Guajará-Mirim, na divisa com a Bolívia. Está se presumindo de antemão que vão construir esta outra barragem. E está faltando a aprovação da Bolívia.
Como estas obras poderiam afetar a Bolívia?
Fearnside – São 4 mil quilômetros de hidrovias, de rios navegáveis acima destas barragens. Além de possibilitar transporte de soja no Mato Grosso, facilitam a produção de soja na Bolívia. Existe muito oba-oba sobre os benefícios do agronegócio. Mas ninguém está falando dos impactos. Com a chegada da soja, grandes áreas vão ser desmatadas na Bolívia.
Qual é o papel do cientista nesta luta em favor do meio ambiente?
Fearnside – Nosso papel é este, de pesquisadores, de buscar os dados. Não é tomar a decisão. Mas hoje não temos informações sobre custos do desmatamento. E temos dados exagerados sobre os benefícios econômicos. Para tomar decisão, precisamos de todos os lados. Para serviços ambientais, faltam dados.
“HOJE NÃO TEMOS INFORMAÇÕES SOBRE OS CUSTOS DO DESMATAMENTO. E TEMOS DADOS EXAGERADOS SOBRE OS BENEFÍCIOS ECONÔMICOS.”
Como o senhor recebeu a notícia de ser um dos cientistas mais citados no mundo sobre aquecimento global?
Fearnside – É uma surpresa, porque não temos grandes tecnologias, infra-estrutura. O primeiro citado, John Mitchell, tem um grupo com supercomputador, centenas de pesquisadores que trabalham com clima. Nós temos condições mínimas. Muita gente trabalha com efeito estufa, mas a gente trabalha com várias faces, não só uma. Pensamos também sobre o que fazer com estes estudos, em propostas de serviços ambientais, alternativas para mitigar o desmatamento. São 19 trabalhos sobre diferentes assuntos. E os dados que saem daqui são importantes. E estamos aqui no lugar quente, na Amazônia.
Qual o próximo passo nas pesquisas?
Fearnside – Estamos concentrados em ligar os cálculos físicos de carbono nas árvores com a modelagem do processo de desmatamento. Esta é a fronteira que precisa de mais de pesquisas. Dá para melhorar os cálculos de emissão para cada hectare desmatado. É preciso tornar estes serviços ambientais uma opção viável para concorrer com pastagens. Isto é importante porque pode mudar o rumo da história. A idéia inicial destes serviços ambientais é de 1985. Então faz 21 anos. Temos o Protocolo de Kyoto, mas não existe nada realmente funcionando que resolva o problema. Então temos que continuar.
* Vandré Fonseca é jornalista formado em São Paulo, há oito anos vivendo na Amazônia. Após sete anos em Roraima, trabalhando para a TV Roraima e jornais de movimentos populares, mudou-se para Manaus. Atualmente, é repórter da TV Amazonas.
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