Reportagens

A política que rege o Rio – com Cesar Maia

Prefeito do Rio admite que há um exagero de eventos na orla e que acompanha pouco o estado das praias. Mas diz que o interêsse popular o força a prestar atenção ao meio ambiente.

O prefeito do Rio de Janeiro Cesar Maia diz que um dos principais atrativos da cidade é a natureza. Mas admite que não tem grande intimidade com ela. Ele circula muito pelo Rio mas, invariavelmente, a trabalho. Essa rotina o mantém afastado de uma das duas principais jóias naturais cariocas, as suas praias. A outra, a Floresta da Tijuca, ele só vê mesmo porque sua residência oficial, a Gávea Pequena, está dentro dela. Maia, que está em seu terceiro mandato como prefeito desde 1992, acredita que o maior desastre ambiental de suas gestões foi o de nunca ter mexido no transporte coletivo, uma das maiores fontes de poluição e desordem da cidade. Em contrapartida, acha que agiu certo ao tentar urbanizar as favelas e diz que sua expansão hoje, principalmente na Zona Sul, está contida. Acredita que o uso da praia como espaço para eventos já ultrapassou os limites do suportável, mas acha que não dá para dispensá-los inteiramente porque são uma tremenda ferramenta de marketing. Há um mês, Maia, que nunca se notabilizou politicamente como defensor do meio ambiente, resolveu que o Rio precisa tomar medidas para mitigar o aquecimento global e enfrentar seus efeitos. O prefeito diz que não foi ele quem mudou, mas os cariocas, que estão cada vez mais sensíveis à questão ambiental. Como bom político que é, resolveu escutar a massa.

O prefeito recebeu na quarta-feira a equipe d’O Eco no Piranhão, como é conhecido o Centro Administrativo do governo municipal, para uma entrevista que se estendeu por quatro horas. Estava acompanhado por Sérgio Besserman, que além de observador de pássaros e velho militante ambientalista, dirige o Instituto Pereira Passos, órgão da Prefeitura. Por comprida, a entrevista foi dividida em duas partes. A primeira trata de sol, mar e praias lotadas e efeito estufa. A segunda parte, que será publicada na próxima segunda-feira, mostra a visão do prefeito sobre as favelas e parques do Rio e o que ele acha que deve ser feito para organizar o transporte coletivo na cidade.

O senhor gosta de tomar banho de mar?

César Maia – Não, não gosto. A minha atividade é basicamente do trabalho para casa.

Nem ir à praia?

César Maia: Não.

O senhor não deveria ir mais à praia?

César Maia: Pode ser, mas eu tenho que freqüentar outros lugares também, como o piscinão de Ramos.

Como é que o senhor curte a cidade do Rio de Janeiro?

César Maia – Andando pela cidade toda, curtindo a população, vendo a cidade, vendo os problemas, eu curto como prefeito. Eu gosto da cidade, o Rio tem uma energia enorme, quando a gente faz uma coisa certa tem uma energia fantástica e quando você faz uma coisa errada toma paulada na cabeça.

As praias do Rio têm estado freqüentemente impróprias para banho…

César Maia – Olha, no caso de Copacabana, embora não fosse da nossa atribuição, nós primeiro refizemos todo o sistema de drenagem de esgoto, acabando com duas línguas negras. A limpeza das praias a gente faz permanentemente. Agora, não creio que o problema de balneabilidade tenha essa taxa de gravidade, com as condições do Rio de Janeiro de uma orla totalmente ocupada. Isso não é um risco para a população.

E a falta de ordem pública na areia?

César Maia – Você não lembra o que era a praia 20 anos atrás. Era “liberou geral”. Se tem uma memória da cidade do Rio de Janeiro completamente falsa, de que a situação piorou. A guarda municipal já produziu muitos resultados em matéria de postura e controle de certas irregularidades. Você pode dizer que a capacidade de repressão da prefeitura não é suficiente. É verdade. Agora, o volume de material que a gente tira da praia, de esconderijos, de buracos que os ambulantes cavam, o que a gente tem feito de ajuste na praia é uma coisa muito grande, e periodicamente, sistematicamente. Por exemplo, nós estamos tentando fazer uma associação entre a prefeitura e os fornecedores da praia que têm dinheiro – Skol, Itaipava, Coca-cola – para aumentar o controle que temos sobre os ambulantes.

Por que a população não sente o efeito dessa fiscalização?

César Maia – Porque chegamos ao ponto limite da nossa capacidade de repressão. Você não deixa aquilo ali mudar. Agora, se a repressão está produzindo um efeito de não expansão da desordem, mas não está reduzindo a desordem, tem que melhorar. Não sei, vá ao usuário da praia e pergunte pra ele o que ele acha da praia.

E a quantidade de eventos na praia, não passou do limite?

César Maia – Eu acho que há um excesso de eventos, sem dúvida nenhuma, e assim mesmo sob um controle rigoroso meu, nos limites das minhas possibilidades. É uma batalha, às vezes têm decisões que são tomadas sobre pressão. Pressão do interesse político, pressão das pessoas que são amigas. Se eu colocar a lista dos eventos que pediram licença para serem realizados na Zona Sul do Rio de Janeiro – Ipanema, Leblon e Copacabana – durante os meses de dezembro e janeiro, é uma coisa inacreditável.

A prefeitura não abriu caminho para toda essa demanda de eventos ao incentivar shows como os dos Rolling Stones?

César Maia: Aí você tem uma balança que é a projeção da cidade. O show dos Rolling Stones teve uma mídia espontânea que foi uma coisa que não tem dinheiro no mundo que pague. Agora, é uma balança, você tem que expor a cidade bem, porque a cidade é exposta nos seus problemas, que não são pequenos, de maneira quase espontânea. Você tem que contrabalançar mostrando suas virtudes, suas qualidades, é marketing. E quando dá certo, você paga um preço por isso porque todos mundo fica querendo igual. Eu juro que eu nunca na minha vida tinha ouvido falar em Lenny Kravitz. Quando me apresentaram a proposta de um show dele e me disseram que se tratava de um dos maiores roqueiros da atualidade, discutimos a questão de passar o espetáculo, que já estava marcado para um lugar fechado e pago, para um espaço público. Ele respondeu que só aceitaria se fosse na praia de Copacabana.

Como o senhor vê a praia?

César Maia -A praia é um equipamento múltiplo. É um equipamento natural, de lazer, de eventos. Agora, uma coisa eu acho que vocês têm absoluta razão e eu vou dar resposta a isso, que é a questão de gestão da orla. Eu acho que a gente não tem uma gestão integrada. (Maia corrigiu esse problema na segunda-feira, enquanto a entrevista estava sendo editada para ir ao ar.) Ele fez um decreto criando o Comitê Gestor da orla.

“O MAIS IMPORTANTE É EDUCAÇÃO AMBIENTAL, QUE VAI TRABALHAR A CONSCIENTIZAÇÃO DA SOCIEDADE.”

Em fevereiro o senhor lançou um protocolo de intenções para lutar contra os efeitos do aquecimento global no Rio de Janeiro. O senhor virou ambientalista?

Cesar Maia – Não. Mas prestei atenção no eleitorado.

Como assim?

Cesar Maia – O político não pode ficar imune às questões que estão na cabeça do eleitorado. Deu para ver, desde o fim do ano passado, que as pessoas estavam começando a se preocupar com o aquecimento global. Na hora que você vê todo mundo, da madame ao motorista de táxi, falando de uma só coisa, um político tem a obrigação de dar uma resposta.

E assim nasceu o protocolo anti-efeito-estufa…

Cesar Maia – Exato…

Sergio Besserman (dando uma mão ao prefeito na resposta) – O Protocolo tem três eixos. O primeiro e mais importante é educação ambiental, que vai trabalhar a conscientização da sociedade, que é quem no fim decide as coisas. O segundo é planejamento geral setorial, inserir a questão do aquecimento global em mudanças da rede pluvial, de transportes, urbanismo, legislação, etc. E o terceiro é fazer a nossa parte, aumentar arborização, compensar emissões, como faremos com o Pan. Plantaremos um bosque como forma de compensação, o local ainda está sendo decidido. O prefeito também decretou que obras de médio e grande porte da construção civil também têm que compensar suas emissões de gases estufa.

E basta?

César Maia: Não é tão simples porque tem uma questão difícil tanto do ponto de vista político quanto da ética ambiental. Por que eu vou fazer um sacrifício hoje para a geração futura se eu não tenho certeza que isso vai acontecer? A idéia é contaminar, no bom sentido, a população de tal modo que ela não tenha esse tipo de dúvida. A Prefeitura pode muito bem liderar esse processo. Nós temos 1.050 escolas, 150 mil alunos, cada um pode se tornar um multiplicador dentro de casa. No Rio, todo o ensino fundamental público é municipal. Nós temos 150 mil funcionários atuando com capilaridade na cidade toda em qualquer favela, em qualquer canto. Então na medida em que isso seja o elemento de preocupação, de ação da prefeitura, isso vai ter um impacto muito grande em relação à percepção das pessoas. Nós estamos lidando com hábitos que não são fáceis de mudar.

O que acontece com o Rio de Janeiro se o oceano subir 50cm?

Sérgio Besserman: Nós estamos contratando estudos de quem já trabalha com esse tema no Brasil para desenhar um cenário.

Prefeito, por que o senhor acabou com a avaliação municipal da qualidade do ar da cidade?

Cesar Maia – A prefeitura deixou de fazer porque tinha dois órgãos, a Feema e nós, concorrendo em torno de uma medição. Os dois faziam e passamos a ter duas medições que não batiam. Inclusive para a qualidade das praias. Com a entrada do novo governador, o Sérgio Cabral, propusemos uma divisão de trabalho mais racional, que está sendo feita.

O que mais polui a atmosfera do Rio?

Sérgio Besserman –Metano de lixo. O primeiro objetivo no aterro sanitário de Gramacho é evitar que esse gás vá para atmosfera. Depois, no futuro, é possível que se incentive o seu uso para gerar energia e obter crédito de carbono.

César Maia – Nós estamos há três anos numa luta política e no judiciário em torno de Gramacho. Nós temos ali 1 milhão de metros quadrados numa área que era um lixão e que transformamos num aterro sanitário decente. Mas há risco daquilo se tornar uma catástrofe ambiental enorme. Pode acontecer daqui a vinte anos ou daqui a três dias. Nós fizemos a recuperação dos manguezais, temos a área mais ou menos estabilizada. Mas se você olhar as fotografias dos pontos de rachadura é uma coisa preocupante. O confronto foi com o governo passado. Agora o governador Sérgio Cabral e o secretário de meio ambiente estadual, Carlos Minc, se comprometeram a fazer audiência pública para a prefeitura poder entrar na área de Paciência e zerar o Aterro de Gramacho. Se aquilo ali afundar, a Baía de Guanabara nunca mais se recupera.

Qual foi o seu maior acerto do ponto de vista ambiental?

César Maia – Criar a Secretaria de Meio Ambiente em 1993, porque passamos a ter um elemento de contaminação para dentro e para fora na prefeitura de idéias ambientais. E com recursos, reclamando das próprias ações da prefeitura. É um instrumento para que na hora que você não esteja pensando no fato, alguém esteja pensando por você.

O Ministério Público perturba muito o senhor do ponto de vista do meio ambiente?

Cesar Maia – Não. É irrelevante. Você tem um grupo de procuradores que assume qualquer tese se tiver um refletor. Até aquela barraquinha maravilhosa da Skol, que tem uma frase que ninguém lê da cervejaria e tem a marca da prefeitura, tem um promotor contra. Quando eles entram nas favelas, eles entram atrás de imprensa. Nunca vi aparecer um promotor numa remoção. A justiça brasileira hoje acha que faz justiça. Quem faz justiça é político, que faz a Lei. O que o judiciário faz é aplicar a Lei. Agora, se o juiz introduz a vertente social nas suas decisões, se há um processo de conscientização do Poder Judiciário sobre isso, não custa nada ele começar a levar a sério também a questão ambiental. Se ele de fato começar a levá-la em consideração, como faz com o tema do social, o Judiciário pode nos dar razão em várias pendengas judiciais que a Prefeitura enfrenta.

O que o senhor achou do decreto do prefeito de São Paulo contra Outdoors?

Cesar Maia – Sou contra. A gente tem que permitir que as pessoas em distintos níveis de renda possam fazer propaganda de seus produtos. Eu não posso tornar a publicidade um monopólio dos meios de comunicação – jornal, televisão e rádio.

Mas isso tem um valor maior que a paisagem?

Cesar Maia – Tem um valor econômico, de emprego, é política social. Quer ver uma coisa? O maior absurdo em termos de desordem ambiental, desordem urbana, desordem paisagística que se permitiu na cidade foi a instalação de postos da Petrobras na orla quando se duplicou a Av. Atlântica. É uma publicidade aberta, dentro da orla e que ninguém reclama. E que ninguém tira de lá. Ninguém tem força pra dizer ‘ não pode ter posto de gasolina na Av. Atlântica. Isso é uma calamidade, um absurdo.

É verdade que o Rio levou o Pan de 2007 graças à sua paisagem?

Cesar Maia – Ganhei o PAN no discurso que fiz no México. A apresentação anterior à nossa foi a dos Estados Unidos, que teve vários efeitos especiais, presença de atletas cheios de medalhas de ouro. Aí mostraram todos os equipamentos, a vila, como é que ia ser, aquela coisa maravilhosa. No final terminaram fazendo uma chuva de papel picado, coisa de americano. Quando acabaram, a gente ficou sem saber o que fazer para enfrentar aquilo. Tentamos ganhar tempo. Simulamos um problema com os computadores que tínhamos para fazer nossa apresentação e pedimos meia hora, 40 minutos, pra ver se o pessoal esquecia um pouquinho aquele troço. A gente não tinha como competir. Deram 40 minutos e quando voltamos, jogamos no imenso painel que estava atrás do palco uma imagem de 180º do Rio ao entardecer, pegando o Pão de Açúcar. A platéia e os delegados ficaram boquiabertos e você só escutava aquele “oooohhhhhh”. Começamos a levar o Pan naquela imagem.

E o que a natureza do Rio vai ganhar com os jogos?

César Maia – Basicamente hoje o que está se trabalhando é carbono zero. Tentaremos fazer a compensação das emissões dos jogos, embora não tenhamos uma medição do que isso vai ser. Só vai dar para tê-la ao fim dos jogos. Mas vamos nos mexer assim mesmo. Vamos criar o bosque do Pan. Eu também me reuni com um grande grupo sucroalcooleiro de São Paulo que quer que todos os ônibus do Pan sejam com biodiesel. Eles dariam estandes para colocar em postos de gasolina. E estamos tentando financiamento junto com o governo federal para despoluir em cinco anos o conjunto de lagoas da Barra da Tijuca, bairro que sediará 70% das modalidades dos jogos. É um sistema lacustre identificado como uma coisa prioritária para se preservar e que até hoje não saiu do papel.





A política que rege o Rio – Parte II

Marcos Sá Correa, Sérgio Abranches, Manoel Francisco Brito, Eduardo Pegurier, Andreia Fanzeres e Carolina Elia

Na segunda parte da entrevista, o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, admite que os maiores problemas ambientais da cidade são o excesso de ônibus e a falta de transportes coletivos – falha que ajuda a agravar a favelização da cidade. Entretanto, ele acha que as ocupações dos morros já fazem parte da paisagem do Rio e agora a solução é dar direito de propriedade para os invasores e urbanizar as moradias ilegais que deixaram de ser casebres e passaram a ser prédios. Segundo Sérgio Besserman, diretor do Instituto Pereira Passos que participou da entrevista, as favelas cariocas hoje não crescem em área, não avançam sobre as matas. Sua expansão é apenas vertical. Por isso, a Floresta da Tijuca está momentaneamente a salva de novas invasões, mas não o Parque Estadual da Pedra Branca – a maior área verde do Rio que permanece desconhecida para a maioria dos cariocas.

Nos seus três mandatos, qual foi seu maior erro ambiental?

César Maia – Foi não ter tratado o sistema de ônibus como o elemento poluidor mais grave da cidade do Rio de Janeiro. Há uma lógica que é a seguinte: no início do governo você tem muito poder e pouca experiência. No final, você tem muita experiência e pouco poder. O garçom não te serve mais cafezinho. Então, no começo do governo, você tem que entrar rachando. Eu entrei rachando errado nas empresas de ônibus, porque fiz uma tarifa única que teve muito sucesso, mas não enfrentei a questão da poluição.

Como está a situação do transporte coletivo hoje?

César Maia –  Parecida com a que encontrei em 1993. A diferença é que eu fiz obras viárias na cidade que aliviaram o tráfico, facilitaram a vida dos veículos – dos ônibus e dos carros de passeio. A velocidade do tráfico hoje não é diferente de 15 anos atrás, mesmo tendo aumentado o número de veículos.

Por que o senhor não investiu em transporte limpo?

César Maia – Nós trabalhamos os investimentos viários pensando nos veículos. A Linha Amarela é um corredor novo, mas ao criá-la, não pensamos em reservar uma área para veículos leves sobre trilhos (VLT), por exemplo.

Qual o grande problema ambiental da cidade do Rio?

César Maia – O sistema de ônibus. Nós temos oito mil ônibus – sendo 800 piratas- e mais mil intermunicipais.

O senhor já tentou reduzir essa frota?

César Maia –  Várias vezes, virou uma questão para a Justiça. As empresas de ônibus estabeleceram que a concessão é da linha. E, portanto, eu não posso mexer na linha ao menos que seja por acordo. Durante o mandato de Luiz Paulo Conde, a câmara de vereadores fez uma lei prorrogando indefinidamente essas concessões. Meu primeiro ato em 2001 foi recorrer contra isso para eu ter poder de dizer: tira essa quantidade de ônibus da Zona Sul. Já ganhei e perdi várias vezes.

Não tem jeito, então?

César Maia – Só indo na justiça e ganhando. Nós vamos entrar agora com uma licitação para fazer metrô sobre rodas. As empresas de ônibus podem entrar na licitação se associando a outras empresas ou ao metrô, mas o mais provável é que elas não entrem – elas jogam com isso. Aí o sistema se tornará irracional, aumentará o problema de quantidades de veículos nas ruas até que a prefeitura receba autorização para cortar o excesso de linhas. Acho que a discussão sobre o aquecimento global pode ajudar. Semana passada, a irmã de 90 da minha mãe me perguntou: “Cesar, eu soube que vai acabar o ar?”. O problema chegou à base da sociedade e quando isso acontece o poder público tende a reagir. Na hora em que a sociedade demanda, e demanda em bloco, você tem que dar uma resposta.

Como é a sua relação com os empresários de ônibus?

César Maia – Os donos de ônibus são ótimas pessoas. São empreendedores notáveis que eram donos de lotações e hoje são empresários transnacionais, com negócios em Portugal, além de investirem em hotéis e turismo. Agora, o sistema que eles defendem é declinante. As vans e kombis se proliferaram no vazio que eles deixaram de qualidade e preço. O ideal seria poder discutir com a nova geração, os filhos que os pais mandaram estudar no exterior. Mas eles não entregam o bastão para os herdeiros.

Como isso contribuiria para o transporte coletivo no Rio?

César Maia – Se as empresas de ônibus se associassem a outras e ganhassem a licitação do metrô, migrariam para uma nova forma de negócio. O sistema que o Jaime Lerner propõe para mais de 50 cidades do mundo defende que ao invés de ficar esperando volume de recursos pra investir no metrô – o que pode levar 30 anos-, se faça metrô sobre rodas e deixe as linhas subterrâneas se expandirem em 20 anos. Com isso você antecipa esse tipo de serviço e depois o metrô vai se estendendo até por caminhos mais lucrativos, que você consegue identificar com o trem sobre rodas. O Jaime Lerner consegue mostrar onde eles ganhariam mais dinheiro se entrassem nesse tipo de licitação.

“QUESTÃO DO TRANSPORTE É DECISIVA PARA SOCIEDADE, TEM TUDO A VER COM A FAVELIZAÇÃO”.

E os trens do Rio de Janeiro?

César Maia – A Supervia continua sendo deficitária. Na contabilidade ela pode ter algum lucro, mas na hora que você coloca amortização de pagamento, etc, ela é um prejuízo. O metrô se difere do trem por freqüência e qualidade. Se você pega os vagões, refrigera, os bancos têm qualidade, e você tem uma freqüência de dois em dois minutos é metrô. Se faz isso entre Deodoro e Central do Brasil, você cria uma espinha de peixe que estimula novas linhas de ônibus e outros transportes . Em 1943, os trens da região metropolitana do Rio tinham 350 mil passageiros. Em 1984 tinham 1 milhão e 100 mil. Hoje têm os 350 mil de 1943.

Sérgio Besserman – Questão do transporte é decisiva para sociedade, tem tudo a ver com a favelização. Se fosse possível o pessoal da Baixada chegar no local de trabalho em trinta ou quarenta minutos, com hora marcada, metrô, etc e tal, facilitaria a questão de habitação.

Prefeito, o senhor concorda?

César Maia – Se você remove uma favela hoje, ela reaparece em outro lugar porque a demanda por aquela mão de obra continua. O que quebra esse ciclo é o sistema de transportes e habitação. Associados, obviamente. A pessoa tem que ter vantagens em morar a uma distância maior, não pode perder muito tempo se deslocando.

Mas isso justifica o poder público permitir a ocupação dos morros da cidade?

César Maia – Foi uma decisão da sociedade. A sociedade decidiu que quer que os trabalhadores morem próximo ao local de trabalho e ganhem um salário muito baixo. Essa decisão foi tomada por décadas e décadas.

Nas décadas passadas se acabaram com favelas e o Rio evoluiu por causa disso.

César Maia – Se criaram novas. A Constituição da cidade do Rio de Janeiro definiu que ficar ali [na área invadida] é um direito. E mais: só pode tirar por razões de grave afetação ambiental e por riscos. O que tem que se cobrar do poder público é o crescimento vegetativo. Eu não posso ser cobrado por expansão da favela causada por taxa de natalidade – que é decrescente no Rio.

As favelas prejudicam a qualidade de vida do carioca?

César Maia – A forma como as favelas estão sendo tratadas é um problema de moral. A campanha de favelas que o jornal O Globo vem fazendo está produzindo uma grave reversão da percepção da classe média em relação à favela. Está criminalizandoquem mora nelas, porque a classe média se sente afetada, de um lado pela proximidade, de outro pelos traficantes, troca de tiros, violência, riscos, etc. Eu tenho pesquisa acompanhando isso. Essa cidade não é culturalmente partida, será. Estão criando o muçulmano na França. Daqui a pouco a pessoa se sente numa outra cidade, culturalmente, e vai atacar a cidade vizinha. Essa é uma questão importante: de que maneira que se trata da existência e expansão das favelas sem que isso seja passado como um delito.

Mas não é um lugar de delito, prefeito?

César Maia – A entrada do tráfico de drogas elimina a convivência com qualquer outro tipo de delito. Quando você tem o tráfico de drogas – e os delitos associados ao narcotráfico- todos os outros desaparecem. Então você leva à população um serviço público essencial que é a justiça. Por isso que as milícias entram com facilidade. Agora, o que você tem? A irregularidade na ocupação do solo.

Como se reverte essa ocupação irregular dos morros?

César Maia – Urbaniza e dá propriedade. Urbanizar é fácil, dar propriedade é difícil. A legislação brasileira tem um sem-número de problemas referentes a essa questão. Além do mais, 40% dos barracos dentro de uma favela são alugados e a pessoa que aluga não quer a legalização porque quem ganhará o título de propriedade é quem mora.

Sérgio Besserman – Os outros 60% que são proprietários não fazem questão. Você pergunta a ele, você é dono do seu barraco? Ele diz, “sou”.

César Maia – A propriedade não é uma demanda social. Você tem que criar a necessidade de ter a propriedade.O ideal é que o morador tenha a escritura para entrar com o imóvel no mercado. Uma outra irregularidade é que se constrói e amplia casas como se bem entende. Ninguém faz nenhum tipo de acompanhamento, de registro. Nós estamos tentando implantar grupos de urbanismo chamados Pouso dentro das comunidades.

“EU FALEI SÉRIO. IMAGINAR QUE A ROCINHA NÃO VAI CRESCER PARA CIMA É UMA BOBAGEM, VAI CRESCER PARA ONDE?”

O objetivo da prefeitura é urbanizar as favelas existentes?

César Maia – Imaginar que esse equipamento chamado favela é um equipamento externo à cidade do Rio de Janeiro é um equívoco. É um equipamento que a cidade construiu por vontade da sociedade, por vontade dos governos, e que se tornou parte integrante da própria sociedade. Há alguns anos eu disse em reportagem ao jornal O Globo que a Rocinha pode ser o nosso Mediterranée e tomaram como chacota. Eu falei sério. Imaginar que a Rocinha não vai crescer para cima é uma bobagem, vai crescer para onde?

O crescimento das favelas representa um risco para a área verde da cidade.

Sérgio Besserman – Uma informação para diminuir a preocupação de vocês. Não há nenhum risco de as favelas aumentarem a sua participação na cidade. Isso é uma análise trivial de números, a taxa de crescimento das favelas é desacelerada. Se você pegar estatísticas sobre favelas, existem três informações. Duas dependem do IBGE: população e número de domicílios. Infelizmente o IBGE não teve dinheiro para fazer contagem em 2005. Então as grandes cidades – Rio, São Paulo, Belo Horizonte – vão ficar no escuro com relação ao número de domicílios, ou seja, crescimento vertical, até 2011, quando sairão os resultados do censo de 2010. Agora, a outra informação é área. Área o Rio tem uma larga tradição e a gente tem uma cartografia muito boa e precisa. Na área que vai da Baixada até a Zona Sul, que é onde moram 1 milhão e novecentos mil pessoas, a sociedade ganhou. Não tem problema de expansão de área. Não quer dizer que você possa relaxar. Mas em termos de área, as favelas não estão aumentando. A Rocinha não está se expandindo em área.

A Rocinha veio para o lado do bairro da Gávea.

Besserman – Isso é uma mitologia. Eu tenho a cartografia, com desenho, feito da forma mais conservadora possível. De 1999 para 2004, a área da Rocinha se expandiu 1,4%. E é a que mais expandiu. Agora, tem tido, e muito, crescimento vertical. O que provoca em todos nós uma ilusão muito grande. Porque onde existe um simples barraco você pode enxergar apenas mato de longe, mas quando passa a ter dois ou três pavimentos é diferente.

Onde as favelas crescem hoje no Rio?

Besserman – Em Jacarepaguá e Zona Oeste, junto com os grandes empreendimentos que estão sendo levados para lá. A Baía de Sepetiba se tornará um dos maiores pólos industriais do Brasil. Nessa região existem favelas expandindo em área e problemas ambientais. Os parques Pedra Branca e Chico Mendes estão sofrendo pressão. Diferentemente do Parque Nacional da Tijuca, por exemplo. Não se pode relaxar, mas hoje não existe favela invadindo o parque da Tijuca. Atualmente os ecossistemas mais ameaçados do município são os manguezais e o maciço da Pedra Branca, que é uma floresta maior do que a da Tijuca.

O que está sendo feito para não se perder área verde no Rio de Janeiro?

César Maia – Do ponto de vista macro, a perda de área verde na cidade já não é mais o problema que foi anos atrás. A taxa hoje é muito menor do que se imagina. Na última tentativa de ocupação do Vidigal em direção à Rocinha morreram 40 pessoas, foi nas chuvas de 96, em março. E nós voltamos a reflorestar. Aquilo ali está completamente fechado. A perda que tivemos no Vidigal foi, na verdade, fruto da idéia de um ambientalista, o Sirkis. Ali onde hoje é o mirante do Leblon existia o projeto de se construir um hotel com prédios baixos, mirante, etc. Para a cidade teria sido muito melhor, do ponto de vista de Deus, natureza. Manteria o parque dos Dois Irmãos e impediria o crescimento do Vidigal em direção ao muro. Mas para o ambientalista, o hotel era uma opção equivocada do ponto de vista ambiental. Por quê? Preconceito com o setor privado.

O Rio de Janeiro perdeu o Parque da Cidade para as favelas que o cercam?

César Maia – Depende. Porque de nada adianta você remover as pessoas do local se essa intervenção não tiver sustentabilidade. Vou dar um exemplo. O presidente da Cedae me apresentou um programa para retirada de cocô do emissário submarino. Só que nesse processo se cria uma área seca enorme ao lado da Cidade de Deus, tendo apenas o Rio Grande separando-as. Pergunto: o que se vai fazer com essa área seca? Porque se essa área for criada e o poder público não ocupá-la de forma sustentável, a Cidade de Deus passa para o outro lado direto, não tem nem como segurar.

Qual a sua sugestão?

César Maia – No começo da década de 90 eu fiz um programa para o Corpo de Bombeiros que defendia usar parte do batalhão, hoje composto por 18 mil homens, para criar uma mega guarda ambiental.. Não foi possível, reclamaram e perdi votos junto à corporação. Essa guarda permitiria patrulhamento permanente e armado, sustentabilidade do ponto de vista da vigilância ou do uso. A Floresta da Tijuca, de certa maneira, é sustentável, porque boa parte dela também é usada para recreação e passeio. A sobrevivência da Floresta da Tijuca se deve muito à consciência difusa do carioca em relação a ela.

Besserman – Ainda está na fase de levantamento de custo, mas há um projeto para se juntar a Pedra Branca à Floresta da Tijuca com um reflorestamento nas duas partes e com uma estrada no meio, com uma ponte para os bichinhos e tal. Tem um lado de educação ambiental fantástico, de chamar atenção para a Pedra Branca e para outra grande área florestal que é completamente desconhecida, o Medanha, que é lindíssimo também. Esses parques precisam de política com P maiúsculo. A cidade precisa comprar o parque estadual da Pedra Branca da mesma forma que comprou o Parque Nacional da Tijuca.

César Maia – Se nós, junto com a Secretaria de Meio Ambiente que eu criei e com o saber externo, soubermos o que fazer, a gente não tem limitação financeira. Eu tenho hoje 4 bilhões e 100 milhões de reais em caixa.

Então a falta de cuidado ambiental por parte da prefeitura não é uma questão de falta de recursos?

César Maia: Depende. Nós temos questões e questões. Nós temos intervenções que são de pequeno e médio porte. O metrô é uma intervenção que eu não tenho capacidade de investir, é preciso um financiamento de longo prazo, com carências, juros baixos, etc. Já a gestão da orla, uma gestão integrada certamente custará o quê? Nada. (Dias depois de conceder entrevista a O Eco, o prefeito César Maia criou por decreto um Comitê Gestor da orla.).

  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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