Uma onda de mau cheiro no almoço e na janta intrigava há meses os moradores da Avenida Beira Mar Norte, onde vive a elite da capital catarinense. Para descobrir as razões da fedentina uma investigação inédita do Tribunal de Contas do Estado saiu dos livros da Casan (a empresa estatal de saneamento) e foi para o campo técnico. Conclusão: o mau funcionamento de uma estação de tratamento e despejo de lodo no mar é a causa do problema.
Os picos do mau cheiro ocorrem quando a vazão no sistema de escoamento torna-se tamanha que a estação de tratamento de esgoto da ilha (ETE Insular) entra em colapso. Ela desliga as bombas e deixa represar o esgoto nas tubulações subterrâneas do centro da cidade. Após 30 minutos de retenção, a coisa começa a cheirar mal.
A descoberta veio por acaso, porque a Casan nunca divulgou o problema. No ano passado, o TCE fez um estudo para esclarecer se os esgotos produzidos no centro de Florianópolis estavam sendo tratados de acordo com os padrões ambientais. A escolha da estação de tratamento da Casan para investigação foi feita apenas como modelo para treinamento dos técnicos do TCE. Nas aulas, eles foram descobrindo um caso-verdade: que a ETE não funcionava nos conformes. O Tribunal passou então a se preocupar com a funcionalidade da obra, indo além do aspecto meramente contábil. Flagrado o defeito, o TCE apresentou à Casan, em dezembro, um conjunto de 16 ações corretivas necessárias. Só na semana passada a empresa enviou ao TCE um relatório admitindo o transbordamento.
O problema é fácil de perceber: a Avenida Beira Mar Norte, cartão-postal da cidade, fede em hora certa: das 12h às 14h e das 17h às 19h. É um fedor de matar, daqueles constrangedores. Quem passa de carro fica enojado. Quem mora lá não se acostuma – portas e janelas fechadas são o recurso comum para amenizar o cheiro. Dependendo do vento.
O lodo que transborda dos decantadores da estação chega às águas da Baía Sul de Florianópolis, infestando-as com uma carga de 415 litros de sujeira por segundo. O cálculo consta no relatório do TCE, baseado em estudo feito pela Fundação de Ensino Tecnológico do Estado de Santa Catarina (Fetesc), Fundação de Amparo ao Meio Ambiente (Fatma) e Universidade Federal (UFSC).
O lodo é um caldo grosso de dejetos sólidos e sanitários. Dele vem o cheiro. Em seu site, a Casan ainda mantém a promessa de que o serviço não causaria mau cheiro – o que pode ser encarado como uma quebra de contrato com a sociedade. No mínimo, propaganda enganosa. A empresa não tem solução a curto prazo para oferecer.
A assessoria de imprensa da Casan destacou o engenheiro químico Carlos César de Almeida Alves para falar sobre o assunto. O servidor garantiu que não há problemas com as tubulações do sistema coletor de esgotos na região central da cidade, mas alegou que não estava autorizado a falar sobre a ETE transbordante – e muito menos sobre o cheiro. No entanto, um funcionário da empresa dá uma pista. Segundo ele, o problema não existiria se tivesse sido instalado um equipamento chamado filtro de turfa, como previa o projeto. Onde foi parar o filtro de turfa?, talvez seja a pergunta a investigar.
O secretário municipal de Habitação e Saneamento Básico, Átila Rocha dos Santos, não quer marolas na baía suja. Consultado sobre o assunto, recorre ao protocolar já-fiz-minha -parte. “A Prefeitura de Florianópolis, na atual administração, fez uma solicitação à Casan no sentido de dar melhores condições técnicas e eliminar os problemas daquela estação de tratamento”. Ou seja, reconhece o fedor, mas limita-se a tampar o nariz enquanto espera providências.
A Fatma, por meio de análise de amostras de água recolhidas no último dia 31 de março, na altura do monumento à Polícia Militar da Beira Mar Norte, concluiu que aquela praia está imprópria para banho. Talvez isso explique por que a avenida é a preferida do povão para jogging.
* Henrique Ungaretti, 39 anos, é jornalista em Florianópolis.
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