Reportagens

O aniversário do atraso

Primeiro Parque Nacional do Brasil faz anos com estrutura em frangalhos e políticos criando Ong para sensibilizar empresários. O que ele precisa é de governo.

Marcos Sá Corrêa ·
15 de junho de 2005 · 20 anos atrás

O país comemorou esta semana o aniversário de um grande atraso. Aliás, nem comemorou. Terça-feira, dia 14, o Parque Nacional do Itatiaia fez 68 anos. Mas os brasileiros estavam tão ocupados com o deputado Roberto Jefferson na Câmara que a data teria passado em branco, se uma ONG recém-nascida no Vale do Paraíba não se empoleirasse no auditório da administração para dizer que quer tomar conta da reserva.

Ela se chama SOS Parque Nacional do Itatiaia. Sinal dos tempos. Em seus quadros não se vê um só ambientalista. Mas sua diretoria é uma amostra da biodiversidade local, com políticos de variada plumagem prometendo “sensibilizar os empresários” da região a investir na conservação do meio ambiente e no eco-turismo. E de sensibilizar os empresários, como se vê em Brasília, os políticos entendem.

O lançamento da ONG, bem ali, em seu próprio terreiro, como se tudo aquilo fosse a casa da sogra, melindrou funcionários do Ibama, pelo menos aqueles funcionários que ainda saem da rotina por causa de Itatiaia. Tudo na ONG os ofende, a começar pelo nome, cujo SOS implica que o parque está pedindo socorro. Não seja por isso. Está mesmo. Tanto está que faltou ao aniversário o biólogo Henrique Zaluar, seu chefe.

Ele não compareceu por estar demissionário, exercendo outras funções no Ibama do Rio de Janeiro, a quase 200 quilômetros de seu gabinete na serra – por sinal, esplêndidas instalações desenhadas pelo arquiteto Ângelo Alberto Murgel, para dar um estilo inconfundível aos parques nacionais brasileiros, numa época em que o governo federal tinha tempo para perder com essas coisas. Zaluar usou muito pouco esse prédio, ocupado desde a posse com outras urgências em outras praças.

Ele assumiu em 2004 e foi designado para o cargo pelo governo Lula. Itatiaia estava entregue na ocasião a um funcionário de carreira chamado Leo Nascimento. Era comum encontrá-lo nas trilhas, vestido de guarda-florestal, berrando ordens pelo transmissor portátil. Naquele tempo, o parque reequipou-se e reflorestou-se. Mas, com Lula na presidência, os partidos governistas acharam que era hora de ocupar também a montanha. Houve tantas reuniões para demiti-lo que Nascimento acabou se demitindo sem esperar pelo Diário Oficial. E assim passou meses, de gavetas vazias, aguardando o sucessor. A fila de nomeações havia engarrafado em Brasília a caneta do ministro José Dirceu na Casa Civil.

Dois anos depois, o saldo dessa conquista é que a frota do parque está desfalcada das novas picapes 4×4, que quebraram por falta de manutenção. A cobrança de ingresso na entrada do parque falha em feriados por falta de plantões. Os moradores pegaram o hábito de entulhar as estradas de terra com cacos de demolição. Em volta das casas que não param de crescer lá dentro, o corte de árvores floresceu como nunca. Em outras palavras, Itatiaia anda à matroca.

Ele foi o primeiro parque nacional do Brasil. Mas o Brasil custou muito a fazer parques nacionais, essa invenção americana do século XIX. Remanchou até 1937. É uma área pública de 30 mil hectares, mas só tem um terço de suas terras, embora todas elas coubessem com folga nos 48 mil hectares que o governo comprou em 1908 do comendador Henique Irineu Evangelista de Souza por 137 contos de réis. Vive abandonado como se ficasse nos confins da Amazônia, onde o governo se esforça para bater recordes anuais de desmatamento. Mas há quase 70 anos está bem ali, na beira da via Dutra, entre São Paulo e o Rio de Janeiro, as duas maiores cidades do país, esperando que alguém resolva prestar atenção na natureza brasileira.

  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

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Comentários 1

  1. Ascanio de Farias diz:

    Sorte o parque não ter queimado. …
    leo nascimento, alcoólatra inveterado, por onde passou, deixou um rastro de destruição, prejudicou e perseguiu os colegas, inclusive, quem o conduziu por 2 vezes à presidência da Fiperj.
    Veterinário que tem fobia de cachorro, não sei nem como conseguiu se diplomar…. Quem escreve é:
    Ascânio de Farias,
    leo nascimento… Um Jumento bêbado…