Reportagens

A ecologia do povo

Economista catalão passa pelo Brasil defendendo o uso do meio ambiente como arma dos países pobres para solucionar conflitos econômicos com o Primeiro Mundo.

Priscila Geha Steffen ·
8 de julho de 2005 · 20 anos atrás

Passou pelo Rio e São Paulo, na última semana de junho, o economista catalão Joan Martinez-Alier, professor da Universidade Autônoma de Barcelona e presidente da Sociedade Internacional de Economia Ecológica. Em palestras nas duas cidades, defendeu a tese que o mundo hoje está diante de um conlifto ecológico global, que opõe o desenvolvimento econômico que favorece poucos à degradação ambiental, que é socializada para a grande massa da população mundial. Martinez-Alier é um dos principais proponentes de corrente na economia ambiental batizada de ecologia popular. Ela é o tema principal de livro que ele lançou recentemente, El Ecologismo de los pobres – Conflictos Ambientales y Lenguages de Valoración (Ed. Icaria, Barcelona).

Sua premissa é que os países e populações pobres podem se defender contra o desenvolvimentismo incorporando nas suas atividades econômicas a prática da sustentabilidade ambiental. Martinez-Alier é um estudioso deste tipo de conflito. Já examinou o embate entre a Petrobras e os índios huaorani no Parque Nacional do Yasuni, no Equador, entre os criadores de camarão e pescadores no Ceará e entre grandes mineradoras e populações pobres na Índia. O que esses casos têm em comum é o fato de as populações tradicionais combaterem a entrada de novos agentes econômicos em suas áreas utilizando-se de instrumentos de preservação ambiental.

A ecologia popular começou a tomar corpo em 1985. “Esta corrente observa que o crescimento econômico implica maiores impactos no meio ambiente. Os países industrializados dependem das importações dos países em industrialização porque eles têm uma demanda cada vez maior de matéria-prima e bens de consumo. Os Estados Unidos, por exemplo, importam a metade do petróleo que consomem”, diz Martinez-Alier. Para Martinez-Alier, é preciso que as populações pobres percebam os benefícios da conservação e se sintam estimuladas a proteger os recursos naturais. “Uma solução é a co-gestão das áreas para que as populações locais tenham benefícios com o ecoturismo, que recebam pagamentos por serviços ambientais proporcionados pelas áreas de conservação”.

Uma das idéias inseridas no conceito de ecologia popular é a da dívida ecológica, um contraponto à dívida externa. Ela se apóia na tese que os países desenvolvidos têm uma dívida com os países em desenvolvimento causada pelo uso desproporcional do espaço ambiental. O “primeiro mundo” desconsidera fatos como a futura escassez dos recursos naturais destruídos, a não reparação dos danos provocados pelas exportações de matérias primas, o custo não pago pela reprodução, manutenção ou gestão sustentável dos recursos naturais exportados e o custo não pago pelas emissões de gases de efeito estufa e outros poluentes que acabam causando danos aos países em desenvolvimento.

Martinez-Alier relaciona este conceito ao cenário brasileiro. “Seria bom que o Presidente Lula, quando se desocupar dos atuais desagradáveis problemas, desse uma olhada nas idéias de dívida ecológica, que a Ministra Marina Silva conhece bem. Poderia se tornar um ponto de agenda internacional”, diz.

Por que a esquerda resiste à conservação da natureza e ignora a importância do meio ambiente? “A esquerda ainda está presa às idéias de progresso tecnológico e crescimento econômico”, afirma. “O partido comunista francês foi sempre pró nuclear” . Ele considera que também existem outras esquerdas que não são presas à armadilha do “crescimento a qualquer custo”. Elas estão vinculadas a movimentos camponeses, sindicais e sociais, como o movimento liderado por Chico Mendes, na década de 80. Mas esta questão ainda é percebida como prematura no debate internacional da esquerda.

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