Reportagens

Na contramão

Greenpeace protesta pela preservação de uma das últimas áreas de castanheiras em Mato Grosso e incomoda os responsáveis pela destruição da floresta na região.

Andreia Fanzeres ·
10 de agosto de 2005 · 19 anos atrás

A morte de uma castanheira (foto) é uma das cenas mais chocantes para quem não está acostumado a ver, de perto, o que acontece com a floresta amazônica quando ela é destruída. Geralmente elas são as únicas árvores que resistem, por um pouco mais de tempo, ao desmatamento. Ficam sozinhas no meio do solo exposto, enegrecido pelas cinzas da queimada que consumiu tudo que havia à sua volta. Dizem que essa árvore morre de solidão. E é verdade. Como não pode mais contar com animais e outras plantas essenciais à sua reprodução, deixa de produzir sementes e sucumbe.

Quem devasta a floresta e poupa as castanheiras não está sendo benevolente. Está sendo prático. Deixa as árvores lá porque um decreto federal de 1994 proíbe seu corte. Àquela época elas já eram consideradas ameaçadas pela extração ilegal. Sua madeira é cobiçada pela resistência e facilidade de aproveitamento nas indústrias de construção civil. Diante do impedimento legal, o que se faz é destruir tudo em volta e deixar as árvores solitárias. Não tarda para que elas também morram e, sem dor na consciência, os produtores rurais podem retirá-la da área para iniciar definitivamente o cultivo de monoculturas como o arroz e a soja, como é típico no norte do Mato Grosso.

Cansados de assistir a episódios como este, nesta terça-feira, 9 de agosto, ativistas do Greenpeace fizeram uma manifestação pela preservação de uma importante área de remanescentes de castanheiras da Amazônia, perto da cidade de Cláudia (MT), 55 quilômetros a leste da BR-163 (Cuiabá-Santarém). Os ativistas estenderam faixas (foto) ao redor de uma castanheira caída na região, que segundo o Zoneamento Ecológico Econômico é própria para a criação de um parque estadual. Mas até hoje ele não saiu do papel. A área tem cerca de 380 mil hectares – cerca de 30% já destruídos – e guarda, além das castanheiras, a nascente do rio Manissauá-Miçu e uma espécie recém-descoberta de primata do gênero Callicebus.

Tais indicativos de diversidade biológica na região chegam a ser surpreendentes, uma vez que no entorno da área onde se pretende criar o parque só se enxerga destruição. Imensas lavouras de soja e campos para pasto sufocam as castanheiras do norte de Mato Grosso. “Essas árvores ocorrem em manchas na floresta. Temos que tentar salvar pelo menos esta aqui”, diz Nilo D’Ávila, engenheiro florestal do Greenpeace.

Enquanto os ativistas se deslocavam para a área do tão aguardado parque, um pedido formal para a criação urgente da unidade de conservação era entregue ao governo de Mato Grosso, cujo projeto tramita na Assembléia Legislativa do estado desde agosto de 2004.

As pressões da expansão da fronteira agrícola em Mato Grosso não desanimam os integrantes do Greenpeace. “Apesar da grilagem, quando uma área vira unidade de conservação fica mais difícil que a Justiça conceda a terceiros a posse da área”, diz D’Ávila. Ele reconhece, no entanto, que não é suficiente criar áreas protegidas. “Já percebemos que precisamos avançar nesse discurso. Em vez de só pedir a criação, temos que exigir a implementação das unidades de conservação, senão não adianta nada”, conclui.

E toda implementação de unidade de conservação requer a presença do poder público. Algo que, na área de influência da BR-163, praticamente não existe em favor do meio ambiente. Mas para estimular o sumiço da floresta tem de sobra. A área escolhida para o protesto do Greenpeace é relativamente distante do centro de Cláudia e acessível apenas por estradas de terra pouco freqüentadas. Mesmo assim, em pouco tempo, apareceu num Pálio branco um homem de meia idade, com aparência e jeitão de fazendeiro, que se dizia presidente da Câmara dos Vereadores de Cláudia. Foi atraído pela movimentação do avião que acompanhava o protesto, disse que estava ali a mando do prefeito e que era dono da área. Quis saber o que os dez manifestantes do Greenpeace faziam no local, ainda sem saber quem eram.

Desconfiado, chamou a polícia. Com uma eficiência de impressionar num lugar inóspito como aquele, em questão de minutos a patrulhinha apareceu e levou todos à delegacia da cidade para prestar esclarecimentos. “Queremos saber o que vocês estavam fazendo naquela área”, disse o policial que interceptou os carros do Greenpeace na estrada. Ao ouvir as explicações e constatar a presença de repórteres da TV Bandeirantes de São Paulo, Agência Reuters e O Eco, o policial deu-se por satisfeito. “Vocês entendem, precisamos dar esclarecimentos à sociedade. Vocês podiam ser uma quadrilha”, falou o jovem tenente Cleyton Gomes Santiago, recém-saído da academia militar, que já estava na delegacia quando os ativistas chegaram.

Filho de um fiscal do Ibama, o tenente tomou a liberdade de dizer aos integrantes da ong que tinha acabado de desenvolver sua monografia sobre a necessidade de ser criada uma polícia ambiental no interior de Mato Grosso. “Hoje esse contingente só existe em Cuiabá e, mesmo assim, nem é suficiente para dar conta da área da cidade”, explicou. “Problemas ambientais são o que mais temos aqui, mas não podemos fazer nada com nossos oito policias militares”, explica o tenente.

Isso é evidente. Os arredores da cidade estão repletos de silos de empresas como as do grupo André Maggi, Bunge e Cargill, além de madeireiras. No final da conversa, os dois policiais foram presenteados com uma camiseta do Greenpeace e, mesmo desconfortáveis, esboçaram até um sorriso. Enquanto isso, o tal homem que se apresentou como presidente da Câmara aguardava ansioso o desfecho de seu flagrante do lado de fora da delegacia. Na saída, o repórter da TV Bandeirantes aproximou-se para perguntar se ele era mesmo o dono da área das castanheiras. Enfezado, tomou um gole de café, deu as costas e saiu em disparada.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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