Enquanto o governo comemora a queda na taxa de desmatamento na Amazônia entre 2004 e 2005, outra importante notícia ficou ofuscada aos olhos do público. No auge do corte e da queima de madeira na Amazônia, o Greenpeace denunciou no dia 18 de agosto que chegaram ao fim os recursos do governo destinados à fiscalização do desmatamento na região. A ong se refere aos 28 milhões de reais liberados este ano pelo Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia. De Brasília, o Ibama avisa que novas parcelas estão a caminho, mas suas gerências regionais não escondem os sinais de aperto.
Em Sinop (MT), mesmo sem saber quanto recebeu do governo como parte do plano, José Geraldo de Araújo, que assumiu a gerência no município depois que a Operação Curupira afastou seu antecessor, afirma não dispor de mais recursos para executar suas atividades. Segundo o Ibama de Brasília, foram 131.716 reais. “Estou com os dedos cruzados, esperando ajuda”, afirma ele, ansioso também pela chegada de 17 servidores recém-aprovados no último concurso do Ibama. Eles darão um bom reforço à atual equipe de cinco fiscais e 14 analistas, responsáveis por uma área maior do que o estado do Paraná.
Não muito longe dali, em Juína (MT), as necessidades da gerência local do Ibama este ano foram atendidas com 4 mil reais. Com tão pouco, o gerente José Raimundo Martins Junior limitou-se aos gastos de manutenção dos equipamentos que recebeu como parte do plano, orçados em 2 milhões de reais. “Os recursos são insuficientes, tanto que a base do plano em Juína não está funcionando”. Sua gerência não é uma qualquer. Cuida do escritório de Aripuanã (MT), município que mais desmatou, no estado que mais desmatou entre 2003 e 2004. Hoje ele só realiza suas ações com apoio do Exército. Apesar disso tudo, Junior enfatiza que a maior necessidade da gerência é “atender bem à população” com mais recursos humanos. “Temos quatro fiscais em Juína e dois em Aripuanã. É muito pouco”, disse. Segundo Junior, o novo concurso do Ibama vai levar a Juína um reforço de mais 13 servidores.
A situação é difícil também em Ji-Paraná (RO). Lá, o gerente Walmir de Jesus, que ocupa o cargo há dois anos e meio, não se queixa de falta de atenção quando faz os pedidos ao Ibama. O problema é gerenciar metade do estado que contribuiu com quase 20% do desmatamento em toda Amazônia entre 2004 e 2005, contando com 300 mil reais e menos de 20 agentes. “Deveríamos ter no mínimo o dobro de recursos para realizar nossas atividades. Os lugares são distantes, as estradas esburacadas. Gastamos muito com manutenção, carros, combustíveis e as ações ficam prejudicadas”, conta. A verba do plano de combate ao desmatamento, enviada em meados de março, já acabou. Por isso, Walmir de Jesus pediu na última quinta-feira, 25 de agosto, um suplemento de mais 100 mil reais para consolidar algumas operações de fiscalização. Pelos seus cálculos, no entanto, esse dinheiro só dura um mês. “Nossa demanda é muito grande, por isso temos que concentrar as atividades no que é prioridade. Agora, na época de seca, as ações são de fiscalização para combater o desmatamento. A partir de novembro, quando começa a chover, fazemos vistoria em madeireiras e conferimos planos de manejo”.
O que acontece em Ji-Paraná não é exceção, mas regra na Amazônia. “É como se nós fôssemos um médico com vários pacientes em estado grave. Temos que escolher um para tratar e nem sempre a escolha que nos cabe contempla aquele que mais precisa”, compara o gerente do Ibama de Belém, Marcílio Monteiro. O escritório da capital paraense, que tem 30 agentes de fiscalização, recebeu em 2005 cerca de 230 mil reais para cuidar da área de 83 municípios. “A situação é extremamente crítica e é um problema orçamentário de todos, do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente”.
Monteiro, que está no cargo desde 2003, diz que os recursos liberados são cada vez menores, mas Belém tem conseguido racionalizar as ações graças à criação de uma área de inteligência. Mesmo assim, o dinheiro de 2005 também já acabou. “Os recursos estão zerados, já pedi mais verba para Brasília. Não sei se vão me atender”.
Nem todas as gerências admitem necessidades emergenciais. A de Marabá (PA), por exemplo, se diz satisfeita com os 312 mil reais relacionados ao plano de combate ao desmatamento, tendo em caixa ainda 217 mil, segundo informa o chefe-substituto da Divisão de Administração e Finanças, Luis Márcio Cordeiro. Com 17 técnicos habilitados para fiscalizar e dez analistas, a gerência é responsável por uma área de aproximadamente 35% do estado e, segundo informações do Greenpeace, não tem motivos para estar tão tranqüila. “Como é que se explicam os pátios de Tailândia, Tucuruí e Goianésia cheios de madeira, quando a maior parte das madeireiras de lá são ilegais?”, indaga Marcelo Marquesini, engenheiro florestal da organização não-governamental.
O plano interministerial de combate ao desmatamento nasceu em março de 2004 e, no entusiasmo do lançamento, a Casa Civil anunciou que só naquele ano seriam investidos 394 milhões, sendo 82 milhões (21% do total) para controle e monitoramento da Amazônia. Na prática, foram liberados 71 milhões para essas finalidades. Este ano, o orçamento minguou. Foram anunciados 51,5 milhões de reais, sendo 36 milhões destinados às atividades da Diretoria de Proteção Ambiental (Dipro), responsável pela fiscalização. Desse valor, 28 milhões já foram liberados e, na última quinta-feira, 25 de agosto, o Ibama informou que mais 3,5 milhões foram colocados à disposição, o que, segundo o instituto, não tem nenhuma relação com a recente denúncia do Greenpeace.
De acordo com o assessor especial da Dipro, Kleber Alves, o dinheiro do plano de combate ao desmatamento para a fiscalização não poderia ter acabado porque é liberado sempre em parcelas. Devido à norma da administração pública de não fazer repasses de uma vez só, o Ibama admite que alguns atrasos podem ocorrer, mas sem comprometimento das ações de campo. O instituto disse ainda que cerca de 6,5 milhões de reais estarão disponíveis até outubro.
Procurada, a Casa Civil, que coordena o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, não quis dar respostas à reportagem.
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