Era para ser uma espécie de prestação de contas. Representantes dos estados amazônicos foram convidados a participar da 45ª Reunião Extraordinária do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) em Cuiabá, no dia 2 de setembro, para apresentar resultados do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia. Mas o melhor (ou quem sabe o pior) da história estava por vir. O governo de Mato Grosso recebeu do Ministério do Meio Ambiente (MMA) carta branca para gerir toda atividade florestal no estado. Isso significa que a competência de emitir licenças ambientais, autorizações de desmatamento, de transporte de produtos florestais e de planos de manejo em propriedades de qualquer tamanho está agora inteiramente nas mãos de Blairo Maggi.
Conceder toda essa responsabilidade ao estado campeão de desmatamento na Amazônia nos últimos dois anos não foi uma decisão suicida, na visão do governo federal. Tampouco inesperada. Mesmo antes da assinatura desse acordo, Mato Grosso já dava autorizações para desmatamento em áreas superiores a 300 hectares, atendendo quase toda demanda do estado. Ficava a cargo do Ibama emitir as autorizações para o restante das propriedades. “Essa é uma lógica inversa às leis brasileiras. Os maiores impactos deveriam ser de responsabilidade da União”, pondera o gerente-executivo do Ibama de Cuiabá, Paulo Maier. E há pelo menos um ano os políticos de Mato Grosso já tentavam o governo federal para que o controle do licenciamento fosse repassado ao estado. Um dos que brigavam mais por isso era Moacir Pires, então presidente da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Fema), preso durante a Operação Curupira.
Paulo Adário, do Greenpeace, tenta ver os dois lados da moeda. “Passar o licenciamento ambiental para os estados, em tese, amplia a capacidade de performance do sistema. O risco é que formulação da política é descentralizada e as decisões são transferidas.” Adário lembra ainda de um risco adicional. “A Fema foi fechada e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), que substituiu a fundação, ainda está sendo instalada, portanto está com capacidade operacional bastante prejudicada.”
O governo, é claro, tem que estar mais otimista. “Vamos ver se agora a gente consegue melhorar a política ambiental de Mato Grosso”, justifica o secretário de Desenvolvimento Sustentável do MMA, Gilney Viana. Um dos argumentos do governo é o de que o estado de Blairo Maggi tem um dos sistemas de georreferenciamento mais avançados do país, algo que facilita a identificação da área exata que poderá ser desmatada. Mas representantes de organizações ambientalistas não confiam muito nisso. “O estado tem um sistema de monitoramento perfeito, mas o controle ninguém sabe como fica”, diz o jornalista André Alves, do Instituto Centro de Vida (ICV). Outra questão que desapontou o setor ambientalista foi a dúvida sobre a transparência do licenciamento estadual. Em resposta, o governo federal informou que a sociedade poderá acompanhar o processo através do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), que mostra imagens de satélite do que foi desmatado.
“Mas isso não quer dizer que o Ibama vai abrir mão de suas funções”, lembra Viana. Segundo ele, o instituto vai continuar sendo co-responsável pelo licenciamento. A questão é saber como isso vai acontecer na prática. Embora Paulo Maier acredite não ser adequado que Mato Grosso passe a ser responsável pelo controle do transporte dos produtos florestais, ele tem uma visão animadora do que vai acontecer daqui pra frente. “Devemos ter uma agenda muito positiva com o estado. Vamos investir na criação e gestão de unidades de conservação para fazermos corredores ecológicos, como foi o caso do mosaico da Terra do Meio, no Pará”, diz. Maier explica que, na prática, o Ibama pode acabar tendo mais tempo e condições para fiscalizar. “Vamos poder nos liberar para realizar as ações em campo e para verificar a execução do manejo”.
Segundo Maier, até janeiro de 2006 o Ibama e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente estarão em fase de transição, transferindo documentos e construindo novos instrumentos para ações conjuntas futuras que provoquem efetivamente a queda no desmatamento em Mato Grosso. Para isso, o Ibama terá livre acesso a todas as licenças emitidas pelo órgão estadual e, em caso de falhas ou irregularidades, o governo federal poderá até suspender os acordos, segundo informa uma nota do MMA.
O secretário-executivo do MMA, Cláudio Langone, disse que os acordos assinados em Cuiabá estão, na verdade, antecipando o que ocorrerá nos estados amazônicos com a aprovação do Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas, em tramitação no Senado. Seu companheiro Viana explica que as negociações com Acre e Amazonas já estão avançadas e a tendência é que haja acordos como os assinados em Mato Grosso nos demais estados. “Estamos antecipando uma divisão de competências entre estado e governo federal que terá que acontecer assim que o PL de Florestas for aprovado”. Para ele, um das principais condicionantes é que os estados usem um Sistema de Licenciamento Ambiental em Propriedade Rural (SLAPR), coisa que, segundo ele, Mato Grosso já tem.
Na reunião do Conama, foram estabelecidos também compromissos de retomada do Zoneamento Ecológico Econômico do estado, a criação de um sistema para garantir que a produção de carne e de grãos seja feita em áreas regularizadas, a ampliação do acesso a informações sobre meio ambiente, a implementação de novos parques e reservas, além do controle de queimadas em Mato Grosso. Durante o anúncio desses objetivos, a ministra Marina Silva aproveitou para elogiar o plano de combate ao desmatamento, inundando a platéia com números e com o que o governo conseguiu fazer em quase um ano e meio de vigência, omitindo as mancadas do governo nesse período. Um dia antes da reunião do Conama em Cuiabá, aconteceu um encontro do Grupo de Trabalho de Florestas do Fórum Brasileiro de Ongs e Movimentos Sociais. Diferentemente do que fez o governo, os ambientalistas elaboraram uma nota apontando falhas do plano e sugestões para mudanças de rumo.
Eles não foram os únicos que prepararam os ouvidos para a reunião do Conama. Membros do ministério estiveram, mais cedo, com lideranças do setor agropecuário e do governo do estado. Reunidos, escutaram velhas propostas como a de excluir Mato Grosso da chamada Amazônia Legal, coisa que Langone desmentiu logo. Apesar de apresentarem idéias como essa, um membro da cúpula do MMA disse acreditar que, depois do baque da Operação Curupira, Blairo Maggi esteja ao menos politicamente comprometido em abrandar sua imagem de administrador da devastação. “O governo deu um voto de confiança e está preferindo aproveitar o Ibama para concentrar esforços na fiscalização”, disse. Maggi agradeceu publicamente o voto, dizendo-se disposto a agir dentro da legalidade e com transparência, “sem deixar de elevar a produção de soja, aves, suínos, madeira e algodão”, ressalvou. Agora que está tudo nas mãos dele, se os índices de desmatamento continuarem a crescer no estado, pelo menos não vai mais poder colocar a culpa nos outros.
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