Reportagens

Merenda sem veneno

Paraná adota refeições orgânicas em suas escolas públicas, incentivando a produção de pequenos proprietários. Próximo passo é investir em reeducação alimentar.

Mônica Pinto · Lorenzo Aldé ·
14 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

O Governo do Paraná compra um milhão e trezentas mil refeições por dia para a meninada das escolas da rede pública. E decidiu que chega de oferecer a elas algumas doses de veneno diluídas em nutrição. Até o final de setembro, a merenda de 75.559 crianças, de 185 escolas em 24 municípios, vai ter legumes, frutas e verduras orgânicos — livres de agrotóxico e ambientalmente corretos.

De imediato, além dos alunos, ganham 350 pequenas propriedades rurais, que terão fôlego para investimentos a partir da compra garantida de sua produção. Até dezembro, a meta é fornecer alimentos saudáveis a 100 mil estudantes de 240 escolas, em 36 municípios, beneficiando 450 propriedades rurais. Para o ano que vem, a idéia é que nenhuma criança da rede pública do Estado tenha que ingerir agrotóxicos – pelo menos não na merenda.

Como cerca de 70% da produção orgânica do Paraná vem de pequenas propriedades familiares, o impacto social da medida é inegável. Ao Estado, esses produtores farão uma venda mais lucrativa, sem intermediários. E encontrarão mercado onde antes só havia um cliente em potencial, que exige logística inacessível à maioria: as grandes redes de supermercado. “Com elas, precisamos ter horários de entrega, repositores e aceitar os descontos financeiros”, explica Douglas Martins, presidente da Associação dos Produtores Agrícolas de Colombo – Apac.

Dos 98 associados da Apac, 30 trabalham exclusivamente com culturas orgânicas e dez encontram-se em “processo de conversão”, adotando-a em detrimento dos plantios convencionais. É esta a intenção do governo, que para implantar o programa reuniu oito secretarias (do Trabalho ao Meio Ambiente, passando pela Saúde e Educação) e representantes dos agricultores em negociações sobre produção, mercado, distribuição e certificação. “Não se altera a produção agrícola de um estado por decreto”, diz Solange Leite, assessora especial da Secretaria de Meio Ambiente e coordenadora do programa. Ela se refere ao decreto que institui o Programa Merenda Escolar Orgânica, que está sendo analisado pelo setor jurídico do governo e deve ganhar um parecer até o dia 20 de setembro. Se não tem o poder de alterar a produção da noite para o dia, a medida serve para traçar as linhas gerais do programa. Propõe, por exemplo, “promover a certificação de baixo custo”. Normalmente um processo longo e caro, a obtenção de certifcado de orgânico pode ficar mais acessível se o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), órgão estadual, aderir ao programa, como vem sendo negociado. 

Os recursos para a compra da nova merenda vêm do Programa Compra Direta, do Ministério do Desenvolvimento Social. Hoje, o estado recebe 18 centavos por dia, por aluno, para a aquisição das refeições. Passará a ter 10 centavos a mais para complementar a merenda com alimentos orgânicos. A princípio, hortaliças, legumes e frutas. Em breve, o arroz e o feijão também devem entrar no cardápio limpo. Dividirão espaço com os produtos industrializados, que por enquanto continuam em sua versão convencional.

A nova política deve gerar uma expansão sem precedentes dos cultivos orgânicos. Em 1996/1997, eles se limitavam a 460 agricultores. Em 2003/2004, os produtores já somavam 4.122. Agora a estimativa de Douglas Martins é de que o número aumente em pelo menos 50% nos próximos dois anos. Ainda assim, deve sobrar mercado. O secretário de Meio Ambiente do Paraná, Luiz Eduardo Cheida – “pai” da merenda orgânica -, calcula que, com o programa implantado em toda a rede escolar, a demanda será maior que a oferta. “Se não houver alternativa, vamos comprar em outros estados”, antecipa.

O esforço do estado em mudar seu perfil agrícola justifica-se: o Paraná ocupa hoje a segunda posição nacional no uso de agrotóxicos. São 40 mil toneladas de defensivos jogadas nas lavouras todos os anos, no que só perde para São Paulo. Ao desintoxicar sua produção, os paranaenses farão pesar o outro extremo da balança, isolando-se no alto do pódio como maior produtor brasileiro de orgânicos.

Título que já rende dividendos. O Paraná foi escolhido como pioneiro do programa Orgânicos Brasil, recém-lançado pela Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O projeto prevê a criação de uma marca própria dos produtos ambientalmente responsáveis produzidos no país – a “Organic Brazil” -, que identificará sua origem no exterior. No ano passado, o Brasil exportou US$ 115 milhões em produtos orgânicos. O Paraná respondeu por pelo menos 80% dessa fatia.

Garantir comida saudável nas escolas é novidade no Brasil, mas a idéia caminha a passos largos em outros países. Vai muito além da distribuição de merenda orgânica. Na Inglaterra, os princípios da agricultura sustentável estão entrando no currículo, e são aprendidos na prática. O projeto Organic Gardens for Schools (“Jardins Orgânicos para Escolas”), apoiado pela empresa de produtos naturais Duchy Originals, do Príncipe Charles, dá suporte a professores e alunos para que criem sua própria horta e jardins de flores orgânicas. Criado há cinco anos, já tem mais de mil escolas cadastradas.

Melhor ainda faz o Eco-Schools. As escolas vinculadas a este programa comprometem-se a adotar práticas de desenvolvimento sustentável e melhoria da qualidade de vida, inclusive na comunidade onde se encontram. Questões como a destinação correta do lixo, a prevenção ao desperdício e as energias alternativas passam a fazer parte do dia-a-dia da escola. Criado em 1994 no Reino Unido, o Eco-Schools logo se espalhou pela Europa e, a partir de 2001, para outros continentes. Hoje a rede tem 14 mil escolas em 37 países, com 4,5 milhões de estudantes e 250 mil professores envolvidos.

No Brasil, ainda não há eco-escola. Mas elas devem começar a aparecer ainda este ano. O Instituto Ambiental Ratones (IAR), com sede em Santa Catarina, foi escolhido em junho como parceiro nacional da Foundation for Environmental Education (FEE), responsável pelo programa. Marinez Scherer, do IAR, informa que a ong ainda está estudando as formas de implementação das eco-escolas, mas já tem recebido pedidos espontâneos de várias instituições.

Apostar nas crianças é fundamental, em um país onde a cultura alimentar vai de mal a pior. Solange Leite, da Secretaria de Meio Ambiente do Paraná, diz que no estado a obesidade é mais preocupante que a desnutrição, e que em algumas regiões registra-se o crescimento de outras doenças relacionadas à alimentação, como diabetes e hipertensão entre crianças. Por isso a campanha inclui ações da Secretaria de Saúde, que vai investir na mudança de hábitos de consumo junto a pais, professores e funcionários das escolas.

Para Douglas Martins, da Apac, antes de convencer as pessoas sobre os benefícios dos alimentos orgânicos, é preciso incentivá-las a simplesmente comer mais hortaliças. Um hábito raro. Hoje, são apenas 50g/dia consumidas por habitante no país, metade da ingestão na vizinha Argentina. Cada italiano manda para dentro 430g de hortaliças por dia, e até os norte-americanos, famosos por se alimentaram mal, comem bem mais verduras e legumes do que nós: em média 270g por dia.


* Mônica Pinto é jornalista em Curitiba e editora do portal AmbienteBrasil.

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

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