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Máximo Lanzetta, da Secretaria de Política Ambiental de Buenos Aires, veio ao Brasil debater “metrópoles saudáveis” e trocar idéias com o governo de São Paulo.

Aline Ribeiro ·
22 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

Com apenas dez minutos de conversa já é possível perceber que Máximo Lanzetta, formado em Ciências Sociais e mestre em Políticas Ambientais e Territoriais pela Universidade de Buenos Aires (UBA), entende tão bem de natureza quanto de sociedades. Subsecretário de Desenvolvimento Sustentável da Secretaria de Política Ambiental da Província de Buenos Aires, o “sociólogo–ambientalista” esteve no Brasil, entre os dias 19 e 21 de setembro, para ministrar uma palestra no Seminário Metrópoles Saudáveis, evento realizado em Campinas na última semana, fruto de uma parceria entre a Pontifícia Universidade Católica (PUC-Campinas) e o Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM).

A fim de fazer a viagem render ainda mais, Lanzetta passou por São Paulo para um encontro com o secretário do Estado de Meio Ambiente, José Goldemberg, com o intuito de estabelecer contatos para futuras parcerias. Entre um compromisso e outro, dedicou um espaço de sua agenda para falar com O Eco sobre as experiências que as duas metrópoles podem compartilhar e as dificuldades ambientais enfrentadas por sua cidade.

O que São Paulo tem a ensinar para Buenos Aires?

São Paulo, devido à sua topografia, tem problemas de qualidade de ar mais agudos que Buenos Aires, já que possui maior concentração de poluentes contaminantes. Já Buenos Aires, como diz seu próprio nome, é uma cidade com bons ares. É uma metrópole plana, está localizada em frente a um rio e é fortemente ventilada, o que é essencial para eliminar os gases contaminantes. Também é certo que esses gases tendem a crescer em locais que estão se desenvolvendo muito, principalmente verticalmente, pois os grandes prédios impedem a passagem do ar. Apesar de sua topografia contribuir para a dispersão dos ventos, a capital argentina tem uma área industrial muito densa e antiga, o que, em muitos casos, favorece a concentração de contaminantes. Temos três pólos petroquímicos e indústrias químicas, ou seja, enfrentamos problemas referentes à qualidade do ar. Desta forma, temos muito a aprender com São Paulo, que vem desenvolvendo projetos importantes de controle e monitoramento ambiental. Além de contar com o engajamento mais efetivo e formalizado da sociedade civil, o que não acontece em Buenos Aires. Outro ponto positivo a ser ressaltado é o trabalho que vem sendo realizado pela Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), considerado um órgão de referência para nós. O fato é que São Paulo e Buenos Aires são duas metrópoles com muito potencial, com áreas energéticas bastante desenvolvidas. Acho que essas semelhanças e sintonia ajudam para o intercâmbio de informações.

E o que São Paulo tem a aprender?

A Argentina, ou melhor, Buenos Aires, particularmente, possui uma frota muita grande de carros movidos a Gás Natural Comprimido (GNC). Os táxis que circulam nas principais cidades da Argentina também têm o gás natural como principal ou único combustível. Isso tem sido muito importante para a redução de gases contaminantes do ar. Neste momento, está sendo discutinda no país a possibilidade de transformar os veículos do transporte coletivo, de combustível fóssil para GNC. Temos alguns problemas técnicos, que ainda precisam ser resolvidos, em relação à autonomia dos veículos. Mas tudo isso está sendo discutido exaustivamente. Outra medida que tem gerado a melhoria da qualidade do ar é a conversão das centrais termoérmicas para o sistema ciclocombinado, que permite o funcionamento com combustível líquido e gás natural. Desta forma, a energia pode ser produzida com menor custo e de maneira mais limpa.

A produção e distribuição de gás natural na Argentina são suficientes para atender a essa demanda?

No inverno muitas vezes falta GNC. Isso acontece porque as casas têm sistemas de calefação a base de gás natural. O uso doméstico – cozinha, chuveiros e aquecimento – aumenta bastante nesta época de frio, e as indústrias e centrais termoelétricas têm de voltar a utilizar o combustível fóssil. O governo opta por não cortar a distribuição de gás para a população, porque seria muito caro para as pessoas buscarem sistemas de calefação alternativos. Temos de lembrar que o GNC é um combustível mais limpo, porém não renovável. Em termos ambientais, podemos classificá-lo como de transição, até que encontremos meios de abastecimento mais sustentáveis. A Argentina, para poder sustentar sua estrutura, tem de ter ficar atenta ao balanço do gás que produz, exporta e importa. É uma equação de equilíbrio muito complexo, que tem causado até alguns problemas diplomáticos [como o corte de gás para o Chile, em março].

O senhor veio ao Brasil para participar do seminário Metrópoles Saudáveis. O que é uma “metrópole saudável”?

Não podemos pensar apenas em situações ideais, se não compreendermos para onde se encaminham os processos sociais. As metrópoles não vão deixar de crescer se fizermos uma lei que proíbe seu crescimento. O desafio é criar um modelo de gestão ambiental que nos permita chegar o mais próximo possível do perfeito. É difícil responder o que é uma metrópole saudável. Acho que é um processo de reflexão e ação sobre diferentes fatores, que vão desde as condições de saúde das populações aos aspectos ambientais da cidade em questão.

Quais são os maiores desafios ambientais que Buenos Aires enfrenta hoje?

Há vários desafios. Quando venho ao Brasil, explico que uma realidade muito típica de lá é a enorme fragmentação do estado. O centro da metrópole de Buenos Aires está localizadoa na Cidade Autônoma de Buenos Aires, que abriga cerca de 3 milhões de pessoas e é o centro de governo e o coração dos negócios do país. Outras 8 milhões de pessoas vivem no que chamamos de Grande Buenos Aires, ou seja, toda a Província de Buenos Aires, que é um estado. É a maior província da Argentina, com grande diversidade de unidades político-administrativas e várias maneiras de pensar as áreas de Saúde e Meio Ambiente. Neste momento, estamos tentando articular um diálogo entre essas áreas, para que não haja mais problemas por falta de informação e comunicação.

A que você atribui essa falta de comunicação?

A explicação é histórica. Grande parte das atividades ambientais nasceu dentro dos ministérios de Saúde. De algum tempo pra cá, essas ações estão assumindo uma certa independência, ganhando autonomia. Agora, mais do que nunca, existe uma enorme necessidade de diálogo. As questões ambientais têm grande visibilidade por serem parte das causas dos problemas de saúde. Coisas que aqui no Brasil já são comuns, em Buenos Aires são muito recentes. As áreas de Saúde, por exemplo, nem sempre estão bem treinadas para enfrentar os problemas epidemiológicos. Isso está criando um certo movimento para promover o diálogo entre a saúde e o meio ambiente. Darei um exemplo mais prático. Entre 2001 e 2003, fui secretário de Meio Ambiente de Avellaneda (localizada ao sul da cidade autônoma de Buenos Aires), um município industrial ambientalmente complexo, com um pólo petroquímico importante. Nessa época, colocamos em prática o Plano de Monitoramento da Qualidade do Ar do Pólo Petroquímico de Dock Sud, quando foi possível a troca entre as áreas de saúde e ambiente. Acionamos um pessoal da Secretaria de Saúde, que realizou um trabalho epidemiológico para esta área. Foi algo muito difícil, justamente pela falta de tradição de agir em conjunto, como eu disse. A conversa era extremamente complicada, como se estivéssemos colocando frente a frente pessoas de idiomas distintos, que não se entendem. A ação deu certo, mas o diálogo entre as áreas ainda não está totalmente estruturado. Estamos trabalhando para isso.

A população argentina se sensibiliza com a má qualidade do ar?

Eu creio que os argentinos estão cada vez mais conscientes sobre a questão da poluição do ar. Isso porque os problemas de saúde ligados ao meio ambiente são mais visíveis hoje do que tempos atrás. Em Buenos Aires, nós temos o rio Riachuelo, que é tão poluído como o Tietê. Antigamente, as pessoas já entendiam esse problema, sabiam que estavam matando o rio quando jogavam sujeira. Mas hoje a preocupação é mais significativa, porque a população fica doente por causa do rio. Isso gera um impacto maior, dá mais visibilidade. Quando a questão envolve fatos concretos, as pessoas dão mais importância. Por isso me interessa tanto o desenvolvimento da informação ambiental. Não porque eu creia que todas as pessoas vão ler os informes ambientais que eu apresente. Mas sim porque acredito que, quando há informação ambiental disponível, forma-se uma cadeia de comunicação social, que pode ser mais ou menos eficaz, mas, de algum maneira, transmite o problema e as relações envolvidas.

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