Reportagens

Só mais uma gripe

Pesquisadores brasileiros não estão tão preocupados com o impacto da “influenza aviaria” sobre a fauna silvestre. Na natureza, o vírus pode ser inofensivo.

Andreia Fanzeres ·
28 de outubro de 2005 · 18 anos atrás

Já existem pássaros no Brasil com o vírus da gripe das aves. E até agora isso não tem sido motivo de estardalhaço algum. Nenhum animal morreu ou apresentou mudança de comportamento que justifique um estado de alerta. Muito pelo contrário. “Os vírus da Influenza Aviaria são relativamente comuns em aves silvestres. Pode ser até que existam em todas”, explica o ornitólogo Andrei Roos, do Centro Nacional de Pesquisa para Conservação de Aves Silvestres (Cemave-Ibama). “Eles normalmente causam impacto quando passam para outras espécies, que não estão acostumadas com esse tipo de vírus e não reagem no curto prazo”, diz.

No caso do Brasil, essa explicação pode tranqüilizar os mais alarmados pela disseminação da variedade H5N1 do vírus da gripe das aves sobre a fauna silvestre, coisa que ainda não foi reportada por aqui. Como acontece em casos de gripe em humanos, existem vários tipos de vírus, que de tão conhecidos, não chegam a ser considerados perigosos, dependendo, é claro, da variedade do agente e da resistência natural de cada um. O ornitólogo do Cemave explica que com as aves o processo é o mesmo. “Para as aves, pode ser só mais um vírus”, sugere. Por isso, quando a cepa H5N1 chegar ao Brasil, as chances de impactar os pássaros silvestres são bem pequenas. “O vírus pode causar prejuízos à avicultura, caso haja contato com as granjas.”

Por isso, quem mais deve temer esse contato, se ele houver, são os produtores de carnes aviárias. “Não é assim tão fácil ocorrer a transmissão de um vírus entre aves e mamíferos, já que esses dois grupos estão evolutivamente muito distantes”, lembra Roos. Baseado nisso e no fato de o Brasil não ser importador de carnes ou galináceos, o especialista acredita que a maior possibilidade do H5N1 chegar ao país é através do movimento das aves migratórias. Justamente nelas os vírus da gripe das aves AI H2, H3 e H4 foram identificados em 2001 em pontos extremados do território nacional: no Parque Nacional da Lagoa do Peixe (RS) e no município de Galinhos (RN), alguns dos locais favoritos para descanso e alimentação de pássaros que cruzam o continente americano.

Aves migratórias

Já foram catalogadas pelo menos 163 espécies de aves migratórias que em algum momento do ano visitam o Brasil, 97 delas provenientes do hemisfério norte. “Quando o vírus chegar ao Canadá e aos Estados Unidos, aí sim as chances de o Brasil receber o H5N1 vão aumentar”, conta Roos. Mesmo assim, nada que justifique ações extremadas contra os animais silvestres. Segundo o ornitólogo do Cemave, as grandes regiões produtoras de aves comerciais no Brasil estão localizadas longe das áreas de concentração de espécies migratórias, o que dá ao país uma certa segurança.

No entanto, ele lembra que algumas organizações não governamentais internacionais já estão começando a temer idéias de extermínio de aves silvestres na Ásia por causa do avanço dessa gripe. “Se isso acontecer, as chances de contaminação serão ainda maiores. A destruição das aves ou de seu hábitat só provocaria mais migrações, além dos próprios pássaros se tornarem mais suscetíveis a pegar mais doenças”.

Enquanto o Brasil ainda está apenas de observador de toda essa discussão em torno da disseminação do H5N1, o Ministério da Saúde vem tomando a frente para providenciar vacinas e anunciar medidas de prevenção em aeroportos. E o Ibama procura colaborar com as estratégias do ministério, embora não possa impedir, de fato, que a doença chegue via movimentos migratórios. “Não existe muito o que fazer, os animais têm vida livre”, explica o biólogo da Coordenação de Fauna do instituto, Wagner Fischer. O órgão informou que vem seguindo as orientações do Ministério da Saúde em avisar as autoridades sanitárias se houver notícia de aves morrendo ou com comportamento suspeito. “O ideal seria fazer um trabalho maior de acompanhamento, mas o instituto não tem recursos”, conta Fischer.

O Cemave, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), o Instituto Evandro Chagas e o Instituto Adopho Lutz estão envolvidos em projetos mais específicos de monitoramento não só dos vírus da gripe aviária, mas outros como o New Castle e a Febre do Nilo Ocidental. “Nos últimos anos temos tirado sangue das aves, secreções do bico, da cloaca e, em alguns casos, fazemos biópsias para avaliar o grau de contaminação das espécies migratórias no Parque Nacional da Lagoa do Peixe (RS), nas reentrâncias maranhenses, na Ilha Coroa do Avião (PE) e na costa do Amapá”, diz Roos. Segundo os pesquisadores, até agora nenhum desses vírus foi registrado no Brasil.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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