Reportagens

Chuva de sementes

Dispersão aérea de sementes acelerou a recuperação das encostas de Cubatão (SP). A técnica, aplicada pela primeira vez no país nos anos 80, agora está em livro.

Aline Ribeiro ·
28 de outubro de 2005 · 19 anos atrás

Quase sempre é depois de um desastre que o poder público e a sociedade se mobilizam para resolver antigos problemas causados por desequilíbrios ambientais. Foi assim na região de Cubatão, no litoral paulista, onde desde a década de 50 a devastação das florestas e a poluição do ar prejudicavam a qualidade de vida da população. Mas só em 1985, depois das fortes chuvas que provocaram deslizamentos, começaram a ser definitivamente delineadas estratégias para recuperar as encostas da Serra do Mar. Após 4 anos de discussões, pesquisadores chegaram a um modelo inédito no país para a recuperação da floresta: a semeadura aérea. A “epopéia” em busca da alternativa mais viável foi recentemente contada pelo engenheiro agrônomo Sérgio Pompéia no livro Restauração Florestal: Fundamentos e Estudos de Caso. Impressa pela editora Embrapa, a publicação traz uma análise do programa sob o ponto de vista de um dos seus principais criadores.

Até que se chegasse à semeadura aérea foram feitos diversos experimentos, alguns dignos de crítica, como o plantio emergencial de braquiária (um capim exótico bastante agressivo) nas encostas, com o intuito de suprimir os deslizamentos. A medida conseguiu estabilizar os solos, mas causou polêmica, como era de se imaginar. Para evitar que as braquiárias tomassem o lugar da Mata Atlântica, a ordem foi plantar também mudas nativas.

O Instituto de Botânica de São Paulo deu a largada e iniciou o plantio manual das mudas. No entanto, ele também se revelou deficiente pela dificuldade de acesso às encostas por terra. “Os mateiros trabalhavam em locais degradados, escorregadios. Até tinham certo retorno, mas o processo era lento e caro”, afirma Pompéia, então coordenador do projeto de regeneração.

Sem saberem que uma técnica semelhante já existia e era utilizada desde a década de 1920 em países como Canadá, Japão, Estados Unidos (Havaí, inclusive), Austrália e Nova Zelândia, estudiosos da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), do Instituto de Botânica e da Universidade de São Paulo (USP) reinventaram a metodologia conhecida por semeadura aérea. “Partimos do zero. Primeiro, tivemos de descobrir o que havia morrido. Em seguida, saber quais espécies sobreviviam melhor à poluição. Além disso, existia a necessidade de replantar de maneira rápida e barata”, conta Pompéia.

Os pesquisadores então retiraram amostras dos “paliteiros” – tocos de árvores mortas que permaneceram na região – e compararam com exemplares da Xiloteca Calvino Mainieri, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Esse procedimento foi importante para identificar as espécies presentes nas áreas contaminadas. Em seguida, escolheram as plantas com mais chance de sobrevivência, imitando o processo de recuperação natural das florestas, mas privilegiando as espécies menos sensíveis à poluição do ar.

Espalhando as sementes

O próximo passo foi encontrar uma maneira de espalhar as sementes pelos solos com o mínimo de perda possível. O desafio era fazê-las chegar até o chão sem que ficassem presas nos arbustos ou acabassem dispersas pelo vento de forma aleatória, já que têm muito pouco peso e volume. A solução encontrada foi a peletização das sementes em gel hidrofílico, um material que as protege no momento da queda, sem prejudicar a germinação. Assemelha-se a uma bolinha de gelatina transparente de 4 milímetros, envolvendo as pequenas sementes.

Sérgio Pompéia lembra que, no começo, muitos mitos foram criados ao redor do novo método de reflorestamento. “Uma pesquisadora encontrou pequenas águas-vivas na praia do Guarujá e achou que fossem as sementes que tinham se espalhado até lá”, conta. Além de desenvolver os “pellets”, os estudiosos construíram uma máquina própria para “embrulhar” as sementes com mais rapidez. “O equipamento tinha uma dezena de bombinhas e peletizava 500 quilos de sementes por dia. A Cetesb e o IPT patentearam a técnica”.

Faltava agora conseguir as sementes. Como no país não existia um banco de onde elas pudessem ser retiradas para esse tipo de tarefa, dez mateiros as colheram da própria floresta. Em cinco meses, aproximadamente 750 milhões de sementes viáveis de árvores e arbustos foram coletadas, das quais 383 milhões eram de manacás-da-serra, uma das principais espécies pioneiras da Mata Atlântica. Para esparramá-las de forma direcionada, foram utilizados um helicóptero da Força Aérea Brasileira (FAB) e um avião agrícola. “O avião é mais rápido, eficiente e barato, pois distribui as sementes de forma regular”, conta Pompéia, lembrado que foram necessárias 6 horas de sobrevôos com o avião e 10 horas com o helicóptero para semear os 70 hectares beneficiados pelo projeto.

Como a prioridade era a estabilização dos solos, os pesquisadores lançaram inicialmente espécies pioneiras (manacá-da-serra, embaúba, figueira, pimenta-de-morcego). “A recuperação por meio aéreo faz analogia à dispersão natural das sementes, realizada pelos ventos, pássaros ou morcegos. Foi uma metodologia muito eficiente para a cobertura vegetal em áreas mais degradadas pela poluição”, explica Pompéia. O enriquecimento da floresta foi um projeto posterior, iniciado em 1992. A proposta era implantar 20 bosques de diversidade, com 10 hectares cada, para o cultivo de espécies tardias da Mata Atlântica, aquelas que só se estabelecem quando o processo de recuperação é mais avançado. Mas só três bosques saíram do papel. “Nosso objetivo era mais acompanhar o desenvolvimento das mudas e a eficácia da metodologia, que são reflexos do programa de controle da poluição do qual somos responsáveis”, diz Rodrigo Fialho, gerente do setor de Ecossistemas Terrestres da Cetesb.

Resultados

Ao todo, cerca de 1.300 mudas de plantas foram plantadas manualmente nos três bosques, totalizando 35 espécies. Segundo o último levantamento realizado pela Cetesb, no ano de 2000, mais de 800 plantas sobreviveram. “Aparentemente, a poluição do ar em Cubatão baixou, mas ainda não foi suficiente para o restabelecimento total das espécies”, lamenta Fialho. Ele acrescenta que a Cetesb pretende continuar o monitoramento dos bosques, mas ainda não tem data certa para a próxima visita.

Os resultados do trabalho como um todo, de acordo com o engenheiro, foram “moderadamente positivos”. E o grande responsável pela recuperação das encostas da Serra do Mar foi o controle da poluição, o que não tira o mérito da semeadura aérea. Avaliações posteriores indicaram que a estratégia inovadora no país acelerou o processo de reflorestamento natural. A semeadura aérea culminou em altos índices de sobrevivência das árvores. Apesar de menos efetiva em áreas de arbustos e onde havia braquiária, teve ótimos resultados em solos nus e com vegetação rasteira nativa. “Não é possível mensurar a porcentagem de sobrevivência, mas as fotos atuais mostram o sucesso dos trabalhos”, comenta Pompéia, referindo-se a imagens capturadas na década de 80 e no ano passado.

Pompéia acrescenta que, no Brasil, a técnica de semeadura aérea foi utilizada outras vezes, porém sem muito sucesso. “No Rio de Janeiro, sementes lançadas em meados de 1992 morreram por falta de água. Foram 45 dias de seca e elas não resistiram à exposição”, conta. Apesar de toda a polêmica em torno do assunto, o engenheiro acredita que a técnica, muito mais barata do que o plantio manual, ainda pode ser de grande utilidade na recuperação de áreas degradadas da mata atlântica, desde que as áreas ainda conservem condições mínimas para receber as sementes. Para Pompéia, a técnica poderia ser usada para trazer de volta à Mata Atlântica os palmitos juçara, devastados pela exploração clandestina.

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Comentários 4

  1. marcos suzan diz:

    enche a cabeça dos politicos de semente porque de esterco já tem sobrando,leva bem alto e explode


  2. marcos suzan diz:

    bando de ladrão de brasilia mais conhecidos como saúvas da grande,devasta seu bolso,devasta o pais e suas riquezas
    pobre Brasil olha nas mãos que tu foi parar!!


  3. Antares diz:

    Eu inventei um metodo muito mais rapido barato e eficiente de espalhar sementes em areas de reflorestamento.


  4. Utopia geral pensar que vamos recuperar as áreas degradadas no Brasil, o governo Dilma, aliás o mais corrupto da história do Brasil em todos os tempos, é o mais desastrado governo administrativamente falando de todos os piores conseguiu ser o pior com um plus de arrogância matriarcal, a recuperação ambiental e reabilitação das áreas degradadas no Brasil passa por um processo de educação e conscientização ambiental, além de um programa de revegetação e assistencia técnica. Nem o zoneamento economico ecológico nos estados nós conseguimos fazer, ou seja, desde 1934 com o Dec. 24643 de julho de 1934 que regulamentou o uso das águas é que o Brasil pedala na contramão do sistema. Fora isso, as universidades não compartilham o conhecimento produzido, nenhuma ou quase nehuma iniciativa neste sentido, os produtores rurais, os profissionais e as agencias de controle e fiscalização não cumprem seu papel social e nos vemos em uma gaiola de ferro onde o mal impera e a natureza geme a redenção, pois não temos ainda conscientização governamental para que ações emergenciais e investimentos sejam realizados, o cenário é pessimista e mesmo com a legislação ambiental, o MPF e os MPE's estão ainda engantinhando na questão de exigir reparação dos danos causados ao meio ambiente. Exemplo clássico, o caso de Mariana onde pessoas morreram por uma questão de falta de monitoramento e análises de riscos ambientais onde não houve e nem há nenhuma prerrogativa disto no governo. O EMBROMA e ICMBio é coisa pra inglês ver, um cuida de nada é um cartório que negocia no alto escalão quem vai receber mais propinas e o outro cuida das Unidades de Conservação que só existem no papel, sem recursos, sem dinheiro, sem nada. Estamos no sal e "sheets hapens" e é assim o Brasil olha para as questões ambientais.