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No local para onde está previsto o início das obras da transposição do São Francisco, Exército já está em ação. Ministério Público promete investigar.

Andreia Fanzeres ·
25 de novembro de 2005 · 19 anos atrás

Embora o projeto de transposição do rio São Francisco esteja oficialmente parado, batalhões do Exército já podem ser vistos nos municípios pernambucanos de Cabrobó e Petrolândia – locais previstos para o início da construção dos canais dos eixos norte e leste. Os militares e o Ministério da Integração Nacional negam que qualquer obra relativa ao projeto de transposição tenha começado. Mas isso não convenceu o Ministério Público da Bahia, que tem lá suas dúvidas e mandou investigar.

Segundo o Exército, os homens que estão em Cabrobó pertencem ao 1º Grupamento de Engenharia de Construção de João Pessoa (PB). Eles estão fazendo o reconhecimento técnico da região e estudos para elaboração dos “projetos executivos dos trechos destinados ao Exército”. A assessoria de comunicação social enfatizou que esses trabalhos não caracterizam o início das obras, o que só pode acontecer com autorização expressa do Ministério da Integração Nacional e após a liberação da devida licença ambiental.

Ainda que as obras para a transposição dependam da licença do Ibama e da outorga da Agencia Nacional de Águas (ANA) – ambas suspensas por decisão judicial –, o Ministério da Integração Nacional já depositou R$ 1.852.983,17 na conta dos militares, para os tais “trechos destinados ao Exército”. Outro repasse foi no valor de R$ 7.766.802,99, para a realização de obras na Ilha de Assunção, formada por um braço do São Francisco nas proximidades de Cabrobó, onde está prevista a primeira tomada de água da transposição. No local vive a comunidade indígena Trucá. Todo esse dinheiro está desde o dia 28 de junho à disposição dos militares.

Apenas estudos

O Exército afirma, no entanto, que as obras em curso na Ilha de Assunção não têm nada a ver com a transposição. “Elas visam atender uma necessidade da comunidade local”, informa. Segundo o Ministério da Integração, trata-se de melhorias para o escoamento da produção de arroz. “O ministro Ciro Gomes se comprometeu a construir estradas na Ilha de Assunção e erguer 140 casas para a comunidade indígena. Foi um compromisso muito anterior à concessão da licença prévia do Ibama”, explica Fernando Sarmento, da coordenadoria técnica do Projeto São Francisco. Segundo ele, a pavimentação das rodovias é importante porque a ilha é responsável por 70% da produção de arroz em Pernambuco.

Não é bem essa a explicação dada no site do 1º Grupamento de Engenharia de Construção de João Pessoa (PB). O texto da página informa que, durante as discussões sobre os possíveis prejuízos à pesca e outras atividades desenvolvidas pelos índios Trucá em função da transposição, o ministro Ciro Gomes concordou em financiar algumas benfeitorias na ilha. “Foi prometida pelo ministro a pavimentação da principal estrada da ilha, com uma extensão de 18 quilômetros, a melhoria de 50 quilômetros de estradas vicinais e construção de casas de alvenaria”. Ainda de acordo com o texto, a pavimentação da rodovia e a melhoria das vicinais foram atribuídas ao Exército e as casas à Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf). A autorização para as obras rodoviárias foi firmada no dia 30 de junho diante de autoridades locais e mais de duas mil pessoas.

Sarmento não soube explicar concretamente o que fazem homens do 2º Batalhão de Engenharia de Construção de Teresina (PI) a cerca de 200 quilômetros dali, nas proximidades da cidade de Floresta (PE), de onde sairia o canal do eixo leste da transposição. “Antes do projeto do São Francisco ser bloqueado por três liminares no Supremo Tribunal Federal, o Exército já estava trabalhando naquela região, fazendo estudos, não obras”, diz.

No dia 16 de novembro, Alzeni Tomaz, agente da Pastoral dos Pescadores, o fotógrafo João Zinclar e o presidente da colônia de pescadores de Petrolândia (PE), Pedro de Souza, foram lá ver o que se passava. Já tinham ouvido de comunidades locais que havia gente do Exército na área e constaram, de fato, que os homens estavam aparentemente realizando levantamentos topográficos no trecho por onde passaria o canal leste. Os militares foram abordados pelos três no local para onde está prevista a construção da barragem de Areias, a 30 quilômetros de Floresta. “Eles estavam com GPS e outros equipamentos de medições. Vimos picadas na Caatinga e marcações sendo colocadas no chão desde o local de captação de água, às margens do São Francisco, até a primeira barragem”, conta Alzeni. “Disseram que estavam fazendo inspeção de topografia e aguardando uma equipe do ministério”, completa Pedro de Souza, lembrando que os homens do batalhão do Piauí estão há mais de três meses na região.

As suspeitas de que o Exército não esteja simplesmente fazendo medições motivaram a Comissão Pastoral da Terra (CPT) a enviar fotos das equipes do Exército em Pernambuco para o Ministério Público da Bahia. Com base nelas, a promotora Luciana Khoury decidiu, na noite de sexta-feira, dia 25, fazer um pedido formal ao Supremo Tribunal Federal demonstrando que está havendo desobediência à decisão judicial sobre o impedimento das obras para transposição do rio.

Independentemente das fotos da CPT, o MP da Bahia vai mandar peritos ao local. Segundo a procuradora, o MP pediu explicações ao Exército, que, por sua vez, respondeu já existirem convênios para as obras de transposição. Para Luciana, se os homens não estiverem abrindo terreno ou realizando qualquer atividade que provoque impactos, não há impedimento legal quanto à sua presença. É isso que o MP vai conferir.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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