Todo ano é a mesma coisa. Chega dezembro e a ceia de Natal se torna a principal preocupação de muita gente. Principalmente os ecologistas, que prezam produtos naturais, livres de agrotóxicos e inofensivos ao meio ambiente. Será possível fazer uma ceia inteiramente orgânica?
Difícil. O problema dos cardápios de Natal é que eles não são nada brasileiros. Em pleno verão, nos rendemos aos costumes tradicionais europeus e enchemos a mesa com pratos pesados típicos do inverno de lá. O peru, por exemplo, deve sua fama natalina ao rei Henrique VIII, que governou a Inglaterra no século XVI. A ave, que até então alimentava os imperadores astecas, foi descoberta junto com as Américas e incorporada pelo rei à ceia de Natal. Substituiu o pavão e o cisne na celebração do nascimento de Jesus, e o costume se espalhou pelo mundo.
Peru orgânico no Brasil? Não tem, garantem os especialistas do ramo. “Desconheço totalmente”, diz Ângela Thompson, dona do Sítio do Moinho, que produz e revende produtos desse gênero. O jeito, sugere ela, é substituir o peru por frango caipira ou algo ainda mais tropical, como camarão. E antes que os ambientalistas se arrepiem, é bom esclarecer: nem todo camarão é produto da devastação dos manguezais na costa nordestina. Já existem os orgânicos devidamente certificados.
Resolvido o problema do peru, chega-se ao dilema das nozes. No Império Romano, essas castanhas, além de alimentarem, serviam de brinquedo para as crianças, e na casa dos ricos eram banhadas em ouro e usadas como decoração. Somos fiéis à tradição, mas não precisa. A castanha-do-pará, hoje também conhecida como castanha-do-brasil, é tão ou mais saborosa que a exótica noz, e pode ser obtida de cultivos sustentáveis, que preservam a floresta de pé e garantem a renda de vilas e povoados na Amazônia. Fáceis de achar, assim como a também deliciosa castanha do caju.
No setor de sobremesas a coisa fica mais fácil, desde que você esteja disposto a prepará-las em casa. Todos os ingredientes da rabanada (ovos, pão, leite, açúcar e canela) podem ser encontrados em versão orgânica. O prato é de origem portuguesa e um dos preferidos por mulheres em fase de amamentação, pois acreditava-se que a rabanada aumentava a produção de leite. Por que o doce foi parar na ceia de Natal, é uma incógnita. Talvez uma referência a Maria, mãe de Jesus…
O panetone também pode ser preparado com ingredientes orgânicos, numa mistura entre o tradicional recheio de uvas passas e a adaptação brasileira da castanha-do-pará. A história do panetone é curiosa. Especula-se que foi criado por um padeiro para ganhar a simpatia do pai de sua amada. Para coroar a estratégia, o moço deu o nome do sogro à sua criação: era o pão de Tone.
Alguns países do hemisfério sul já abriram mão dos costumes natalinos exóticos, adaptando a festa à sua realidade. Na Austrália, por exemplo, a ceia é feita na praia, para aproveitar o verão, e na África do Sul a refeição acontece em parques e jardins. Por aqui ainda estamos muito ligados às tradições dos nossos colonizadores. Quem sabe a iniciativa de fazer uma ceia orgânica não é uma oportunidade de criar um Natal mais brasileiro?
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