A transposição do Rio São Francisco está embargada pela Justiça da Bahia, mas continua nos planos do Governo Federal para 2006. Enquanto o projeto não sai do papel, gente importante no meio acadêmico questiona as intenções e a viabilidade da proposta.
A idéia de que as águas do rio poderiam resolver os problemas gerados pela seca é “um argumento completamente infeliz lançado por alguém que sabe de antemão que os brasileiros extra-nordestinos desconhecem a realidade dos espaços físicos, sociais, ecológicos e políticos do grande Nordeste do país, onde se encontra a região semi-árida mais povoada do mundo”. Partindo desta constatação, o geógrafo Aziz Ab’ Sáber lança a pergunta: “A quem serve a transposição das águas do São Francisco?”.
É este o título de seu artigo publicado na revista Eco 21 de dezembro de 2005. O que se lê a seguir são argumentos contundentes mostrando que a transposição não se sustenta cientificamente, e só beneficiará alguns fazendeiros locais. Além dos políticos, claro.
Sáber é um petista histórico, ultimamente desiludido com os rumos do governo Lula. É professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e professor honorário do Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP). Ele foi o primeiro geógrafo a classificar o território brasileiro de acordo com o clima, vegetação e relevo (classificação morfoclimática), em 1946.
Ele lembra que o sertão nordestino tem 750 mil km2 de área e que as águas transpostas só chegarão a uma pequena porção da região, nas Bacias do rio Jaguaribe, no Ceará, e Piranhas/Açu, no Rio Grande do Norte. E, ainda assim, beneficiando quem não precisa.
A área contemplada é basicamente ocupada por fazendas de gado. “Os maiores beneficiários serão os proprietários de terra, residentes longe, em apartamentos luxuosos em grandes centros urbanos”. Por outro lado, os pequenos horticultores que se utilizam do sistema de vazantes serão “totalmente prejudicados”.
Por isso, Sáber afirma que o projeto só é levado adiante porque movimentará uma enorme quantidade de recursos públicos. Além disso, uma obra deste porte sensibiliza a população e traz votos. O geógrafo critica a falta de planejamento característica dos nossos governantes. “Tem faltado a eventuais membros do primeiro escalão dos governos qualquer compromisso com a planificação metódica e integrativa, baseada em bons conhecimentos sobre o mundo real de uma sociedade prenhe de desigualdades”, escreve Ab’ Sáber. Os planos do governo não levam em conta questões básicas, como a quantidade de água necessária para abastecer as usinas do rio São Francisco, como a Paulo Afonso, a Itaparica e a Xingó. O que leva a um dos grandes absurdos do projeto: a transposição demandará grande quantidade de energia elétrica para bombear a água aos locais secos, justamente na época de estiagem, quando a água é escassa também nas usinas hidrelétricas.
Outro problema apontado por Sáber é o risco de evaporação da água – situação que, aliás, o ministro Ciro Gomes já enfrentou em outro projeto de transposição. A caatinga tem o maior índice de evaporação entre os ecossistemas do país. Por essas e outras, a transposição do São Francisco não passa de uma das muitas “propostas demagógicas de pseudotécnicos não preparados para prever os múltiplos impactos sociais, econômicos e ecológicos de projetos teimosamente enfatizados”. Palavra de especialista.
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