Amantes das orquídeas, correi. Acaba de sair do forno, sem nenhum estardalhaço, um belíssimo livro dedicado apenas às espécies que povoam a Chapada Diamantina, na Bahia.
O que não é pouca coisa. O Brasil é dos países com maior variedade de orquídeas do mundo (cerca de 2.500 diferentes), e os campos do topo das enormes montanhas escarpadas que cortam o território baiano concentram centenas delas. Muitas raras, outras exclusivas de lá. E a promessa de novas descobertas a cada excursão botânica em sua procura.
O livro “Orquídeas da Chapada Diamantina” é fruto de dez anos de pesquisa dos botânicos Antonio Luiz Vieira Toscano de Brito e Phillip Cribb, e descreve em detalhe 127 espécies, das 175 identificadas até agora na região. Incluindo uma série de achados inéditos. Recheadas com 150 fotografias de Calil Neto, 135 ilustrações de bico-de-pena e 15 aquarelas do artista Paulo Ormindo, as 400 páginas são um colírio para olhos leigos e um banquete para a curiosidade científica.
Preparando o terreno para diversidade que está por vir, a apresentação, assinada por Raymond Harley, lembra que o estado da Bahia é maior do que a França e nele cabem ecossistemas tão diversos quanto Mata Atlântica, caatinga, restingas arenosas na costa e florestas secas de vários tipos. “Mas nenhum é tão colorido e rico em espécies de plantas quanto os campos rupestres das montanhas”.
A Chapada Diamantina fica no extremo norte da Serra do Espinhaço, cordilheira que ao sul chega a Minas Gerais e é considerada pela União Mundial para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) como Centro Mundial de Diversidade Vegetal. Nas palavras de Harley, a Chapada é a “jóia da coroa do rico patrimônio florístico baiano”. As encostas rochosas ainda bastante protegidas da pegada humana, entre córregos e cachoeiras, são o paraíso dos beija-flores. Ali florescem lírios brancos e roxos, amarílis brasileiros, sempre-vivas e espécies carnívoras. Bromélias e samambaias têm companhia de um sem-número de plantas delicadas, adaptadas ao clima fresco e úmido. As orquídeas “ficam tão à vontade ali quanto nas florestas pluviais baixo-montanas”.
Dono de restaurante
O sotaque nos sobrenomes não é por acaso. Tanto Cribb quanto Harley são doutores em botânica pela Royal Botanic Gardens de Kew, em Londres. O brasileiro Toscano de Brito também se formou lá. Mas as orquídeas o levaram a fincar pé na Bahia.
Conheceu a região em 1989, enviado pelo real jardim botânico inglês para escrever o capítulo das orquídeas em um livro sobre a flora do Pico das Almas, localizado no município de Rio de Contas, sul da Chapada. Veio cheio de curiosidade: as localidades que lia nas etiquetas do herbário britânico agora se materializavam diante dele. Já sabia que em localidades como Campo do Queiroz, Fazenda Silvina ou Fazenda Brumadinho havia generosa concentração de orquídeas. Mas encontrou biodiversidade “bem maior do que se imaginava”. Assim como a Cattleya tenuis (ilustrada ao lado), que é exclusiva da região e só floresce em março e abril, ficou imaginando quantas outras ainda não haviam sido encontradas por puro desencontro de estação.
Em 1995, já morando em Salvador, deu início ao inventário sobre as orquídeas da Chapada. O trabalho começou lento. Funcionário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, tinha que intercalar meses lá e cá, e mesmo em território baiano ainda tinha que fazer viagens de até 800 quilômetros em busca das orquídeas diamantinas.
Dois anos depois, decidiu mudar-se para Rio de Contas com mulher e filho. Conheceu outros pesquisadores, o fotógrafo Calil e o artista plástico Ormindo, e em 2003 deu o passo definitivo para finalizar o trabalho: largou a Universidade Estadual de Feira de Santana, onde lecionava, e abriu um restaurante em Rio de Contas. Quem conhece o lugar diz que é coisa fina, onde os visitantes têm direito a acessar a internet e podem conhecer sua coleção particular de orquídeas. O nome do restaurante, adivinhe? Orchidarium.
Toscano concede o crédito de “mentor do livro” a Phillip Cribb, que foi seu orientador de doutorado na Royal Botanic Gardens e colaborador nas pesquisas baianas. O fato é que, sob a assinatura dos dois, a publicação traz grandes contribuições científicas. Identifica pela primeira vez para a Chapada Diamantina 53 tipos de orquídeas. A Bulbophyllum chloropterum (na foto acima), por exemplo, foi descoberta em 1849 em plena cidade do Rio de Janeiro. Eles a encontraram no município de Palmeiras, sobre árvores da mata ciliar.
Estréias e descobertas
No Monte Roraima, outro extremo do país, na verdade já do lado de lá da fronteira com a Venezuela, em 1901 fora registrada a presença da Bulbophyllum roraimense. Sua existência no Brasil era até prevista, mas achá-la na Chapada foi surpresa. “Parece confirmar uma estreita relação entre as floras dos campos rupestres e dos campos de altitude daquela região venezuelana”, afirmam os autores.
Nas sucintas apresentações das 127 espécies cabem curiosidades assim, e mais desenhos morfológicos minuciosos, dissecando as intimidades da planta, das sépalas ao labelo, anteros e ovário.
Fora a promoção de “estréias”, nos domínios da Chapada, de orquídeas já conhecidas em outras paragens, a pesquisa deparou-se com espécies totalmente inéditas. No início de 2005, Toscano fez a descrição de uma nova orquídea, encontrada no município onde mora, e a chamou de Sarcoglottis riocontensis.
Outras são “provavelmente novas, ainda não descritas pela ciência”. Ganharam esta classificação prudente porque dependem de paciente esmiuçamento científico e publicação em revista especializada para serem oficializadas. É o caso da Campylocentrum sp., a das minúsculas flores brancas com centro laranja que se vê acima, e da Oncidium sp., aqui ao lado, que só se encontra entre 1.600m e 2.000m de altura.
Patrocinado pelo banco BBM e editado pela Nova Fronteira, o livro custou a sair. Um problema de última hora com o papel da impressão obrigou o Jardim Botânico do Rio a cancelar o evento de lançamento, marcado para o dia 8 dezembro último. Sem noite de autógrafos, cobertura da imprensa nem palestra dos especialistas, 4 mil e 500 exemplares chegaram às ruas, divididos entre livrarias e distribuição para amigos e comunidade científica. O boca a boca certamente esquentará as “Orquídeas da Chapada Diamantina”, para que recebam o lançamento que merecem.
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