Era para ter acontecido em outubro passado. Depois, ficou para novembro. Aí passou para dezembro. Janeiro de 2006 chegou e, pelo menos agora, ninguém mais se arrisca a fazer uma previsão oficial de quando o presidente Lula vai assinar os decretos criando unidades de conservação na Terra do Meio e na região da BR-163, ambas no Pará. “Não deve demorar”, é o máximo que diz o secretário de áreas protegidas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Mauricio Mercadante. Tomara. Afinal, a promessa federal de implantar parques nacionais, estação biológica e florestas nacionais ou estaduais no Sul e Sudoeste do Pará, está prestes a completar um ano de idade.
Foi feita em fevereiro de 2005, logo depois da morte da freira americana Dorothy Stang. Para viabilizá-la, tomou-se medidas inéditas, como a decretação de uma Área de Limitação Administrativa Provisória (Alap), que na prática, durante os sete meses seguintes, impediu que houvesse qualquer atividade econômica em 8,3 milhões de hectares de floresta na zona sob influência da BR-163. Daí partiu-se para as audiências públicas e intensas negociações com o governo paraense. Houve problemas, mas nada, segundo Mercadante, que pudesse inviabilzar a demarcação das unidades de conservação. A coisa só não andou porque o governo federal esbarrou num adversário formidável: o próprio governo federal. Quem vai arbitrar a disputa é a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.
A tropa do MMA bateu de frente com os técnicos do Ministério de Minas e Energia (MME). Primeiro, houve oposição dos interesses de mineradores a proposta de criação de cinco Florestas Nacionais. O MME temia que a legislação que regula a exploração econômica nessas unidades as reservasse exclusivamente para a extração de madeira em regime de manejo florestal. A questão foi resolvida. “A lei não é clara”, diz Mercadante. “Mas houve um entendimento geral no governo de que é possível haver mineração em Florestas Nacionais”. Onde as partes não se entenderam foi em relação à proposta de criação do Parque Nacional do Jamanxim, um gigante de 800 mil hectares planejado para ser instalado ao longo de um trecho da calha do rio Jamanxim, entre Itaituba e Novo Progresso. A razão da desavença é o ouro.
O MME diz que há uma jazida do metal precioso por lá. Ocupa 7,4% do total da área prevista para o parque e se algum dia ele for decretado, esse ouro ficará debaixo da terra para sempre. É que a lei proíbe atividades econômicas, exceto o ecoturismo, em parques nacionais, que se enquadram na categoria de áreas de proteção permanente. Ficarão enterrados também outros minerais que os técnicos do MME acreditam existir por lá. Eles dizem que a área de Jamanxim, como Carajás, é uma província polimetálica, pois também há indícios de que ali seja possível encontrar níquel e cobre. Empresas de pesquisa estão atuando naquela área para estimar a quantidade dos minérios e a viabilidade de sua exploração.
Discórdia cordial
“Se houver o decreto do parque, nem pesquisa para prospecção poderá ser feita por lá”, diz Mercadante para justificar as resistências de seus colegas de Esplanada dos Ministérios. Para o MME, o ideal seria aguardar a conclusão desses estudos e aí renegociar para permitir a mineração. Mas a idéia não prosperou no Ministério do Meio Ambiente. “Tecnicamente, ambos os lados fizeram seus argumentos e não chegaram a nenhum acordo”, continua Mercadante. “Eles têm uma posição. Nós temos a nossa sobre a necessidade de criarmos o parque nos termos propostos para garantir a conservação da biodiversidade na região”. Segundo ele, toda essa área tem também beleza cênica incomparável. E qualquer modificação mais profunda no desenho das unidades pode atrapalhar os planos para manter corredores ecológicos conectando todas elas.
A jazida de ouro fica no Sudoeste da área onde seria criado o novo parque e ela é muito grande, segundo Maria José Gazzi Salum, a engenheira de minas que dirige o departamento de desenvolvimento sustentável da secretaria de geologia, mineração e transformação mineral do MME. “A perspectiva é de que existam 63,4 milhões de toneladas de minério, rocha junto com ouro”, diz ela. Uma vez separado, pode render até 95 toneladas de ouro, o equivalente a 1,5 gramas do metal por tonelada de minério extraída. Não é pouco. A média mundial de produção fica em torno de 1 grama de ouro por tonelada extraída.
Nas conversas que entabulou com Mercadante sobre o assunto, Salum, além do potencial mineral da área, utilizou de outros argumentos para dobrar a vontade do MMA de criar um parque na região. Lembrou que no seu entorno, e até inclusive em áreas que ficaram dentro da região demarcada para virar de preservação permanente, o governo já distribuiu cerca de 22 mil títulos de outorga para prospecção mineral e que seria complicadíssimo suspendê-los. Lembrou também que o MME tinha decidido não estender o debate também para a área do Noroeste do parque, onde há garimpos em atividade. Disse ainda toda a região tem grande potencial mineral e que no local que está em disputa, a jazida não se presta ao garimpo.
O ouro lá começa a aparecer a duzentos metros de profundidade. “Portanto, é atividade de mineração para uma empresa de bom porte”, diz Salum. “E a mina nunca seria a céu aberto, mas uma operação que aconteceria no subsolo, o que reduz em muito seu impacto ambiental”. Ela reiterou a Mercadante que seu ministério entendia a necessidade de preservação na área e que defenderia a criação de uma unidade de uso sustentável mais restritiva do que uma Área de Proteção Ambiental (APA). “Preservação permanente ali, não dá”, continua Salum. Não houve acordo. “Concordamos, cordialmente, em discordar”, conta ela.
Idéias eleitorais
O impasse levou a decisão da criação da unidade para a mesa de Dilma, uma das mais notórias adversárias de árvores dentro do governo Lula. “Vai ser uma decisão política”, diz Mercadante, reiterando, entretanto, que as conversas entre os dois ministérios continuam. Em relação ao governo do Pará, ele diz que não há mais grandes desavenças. As que sobram têm a ver com o mesmo Parque do Jamanxim e com e o fato de ele não deixar praticamente nenhuma margem para ocupação ao longo da BR-163. “Nós de fato gostaríamos que na BR-163 houvesse uma faixa mais larga para ocupação e que o parque, na verdade, fosse uma Floresta Nacional ou Estadual”, diz José Alberto Colares, assessor de Vilmos Grunwald, secretário de Produção do Pará.
Essa posição se choca com a visão do MMA sobre a área. “Se ampliarmos a faixa de ocupação na estrada vamos comprometer a biodiversidade na região e não conseguiremos fazer os corredores ecológicos ligados às unidades que serão criadas”, diz Mercadante. Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). acredita que talvez fosse mais palatável criar uma Floresta Nacional no Jamanxin. “Mesmo depois de criada, ela depende de zoneamento e, portanto, poderia se garantir o corredor ecológico deixando áreas intocadas dentro dela. Isso quebraria o potencial para conflito e aceleraria a criação das unidades de conservação na região. Eu temo muito que isso vá se arrastar até a campanha e aí vêm aquelas idéias eleitorais e… você sabe”, diz ele.
Do lado do governo do Pará, Colares, ecoando Mercadante, diz que apesar das divergências, a relação entre o estado e Brasília na questão da conservação é de total entendimento. Até porque, o governo estadual está convencido da necessidade de proteger os estoques florestais que restam no seu território. “Concordamos com o conceito geral de preservação”, diz Colares. O resto, segundo ele, são detalhes que as partes conseguirão resolver conversando.
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