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Vôo cego

Deslizamento de terra ameaça rampa de vôo livre de São Conrado, a mais famosa do país. Sem dinheiro, Ibama sugere paralisar os saltos em plena alta temporada.

Lorenzo Aldé ·
18 de janeiro de 2006 · 19 anos atrás


De olhos vidrados na vista espetacular que une montanha, mar e floresta, e com o frio na barriga garantido pela adrenalina da experiência, os gringos nem reparam na enorme lona azul aberta na base da rampa, à direita. Abaixo dela, está escondida uma cratera de 8m de altura por 2m de largura, fruto de enorme deslizamento de terra ocorrido num temporal em outubro.


Mas como filho feio não tem pai, está difícil encontrar alguém para assumir o conserto do barranco. E quem corre risco é o turismo no Rio. Em ofício enviado à ABVL no dia 13 de dezembro, a chefe do Parque Nacional da Tijuca, Sônia Peixoto, recomenda “a paralisação das atividades até a solução do problema” e diz que “não se responsabiliza” se houver um acidente no local.

“Em plena alta temporada? Não dá nem pra pensar em parar a operação”, reage Bruno Menescal, presidente da associação. A Pedra Bonita é líder mundial em vôos de instrução, também conhecidos como “vôos duplos”: todo ano, 23 mil turistas decolam dali acompanhados por profissionais, para viagens de 15 minutos a meia hora até o pouso na praia de São Conrado. O auge, claro, é no verão.

Quem vai pagar?


Conclusão da Defesa Civil: não há risco imediato de deslizamento, e portanto não é necessário interditar os vôos de asa-delta e parapente que partem da rampa. Mas se havia esse laudo, por que o Parque sugeriu a interrupção dos saltos? “Apenas nos resguardamos da responsabilidade”, explica Bernardo Issa, técnico do Ibama.

O projeto de contenção e recuperação da encosta ficou pronto esta semana e será encaminhado ao Parque Nacional nos próximos dias. Márcio Machado, diretor de Obras da GeoRio, explica que será preciso construir muros frontais e laterais em três níveis. Como a encosta é muito íngreme, serão feitos platôs para permitir o reflorestamento com espécies nativas. O orçamento fica em torno de R$ 280 mil.

Antes mesmo de ser informado sobre o tamanho do investimento, o Ibama já dava sinais de que não arcará com o gasto sozinho. “Nem sempre a gente tem fôlego pra tudo. Contamos muito com a ajuda da Prefeitura”, diz Bernardo Issa. O líder dos praticantes de vôo livre não esperava outra coisa: “O Ibama sempre diz que não tem dinheiro. Mas o problema não é só dinheiro, é política”, queixa-se Bruno Menescal. Segundo ele, a prefeitura está mais disposta a ajudar.

Questionado sobre o assunto, o prefeito César Maia disse vislumbrar outra forma de financiar as obras: “Uma pergunta que fiz no processo é sobre quanto os patrocinadores privados vão colaborar”.

Diante do impasse, quem decidiu entrar em cena foi a Associação de Moradores e Amigos de São Conrado (Amasco). Eles procuraram o Ministério Público para abrir uma ação judicial pedindo que o problema seja resolvido. Mas os procuradores ambientais do Rio estão de férias. Enquanto isso, a Amasco tem procurado as partes envolvidas em busca de informações. O que trouxe à tona uma contradição. Segundo Francisco Maiolino, vice-presidente da entidade, a Defesa Civil “não tinha conhecimento do problema” e ficou de mandar um engenheiro avaliar a situação.

Turismo abandonado


A própria associação de vôo-livre paga um fiscal para ordenar a entrada, das 9h às 17h. No resto do tempo, o portão fica aberto. Segundo Menescal, ele não é fechado por causa das casas irregulares que existem dentro do Parque, bem perto da rampa (foto abaixo). Ele diz que os conflitos entre Ibama e prefeitura prejudicam a conservação do local. “Na época da gestão compartilhada, o Parque era mais cuidado”, lembra.


Bernardo Issa, técnico do Parque Nacional da Tijuca, diz que o plano de manejo está sendo revisto para reordenar a exploração da área. O objetivo é ceder o espaço para a ABVL, mas com contrapartida financeira ou de preservação ambiental. Ao avaliar a situação, porém, novos problemas surgiram. “Consultamos o Departamento de Aviação Civil e descobrimos que a prática de vôo duplo não é homologada no Brasil. Ou seja, não há respaldo da legislação para fazer”, revela.

A rampa da Pedra Bonita foi uma das primeiras construídas no país, em 1974, e a Associação Brasileira de Vôo Livre (ABVL) nasceu no ano seguinte com o objetivo específico de controlar o acesso à rampa. Hoje tem mil filiados no Rio de Janeiro e 12 mil em todo o Brasil. Além dos 23 mil vôos duplos anuais, todos os meses acontecem em média 5 mil saltos simples em São Conrado.

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

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