“O PMDB Adverte: Gazeta do Povo Mente”. Era um sábado, dia 4 de fevereiro, quando Curitiba e algumas cidades litorâneas do Paraná amanheceram com a novidade de 30 outdoors em que o partido do governador Roberto Requião espinafrava um dos principais veículos de comunicação locais.
Mais, os outdoors não diziam. Mas o motivo da ira do governador era sabido. A Gazeta do Povo havia publicado com grande destaque reportagem, em sua série especial de Verão, trazendo um índice surpreendente e assustador: 81% das praias paranaenses que tiveram suas condições avaliadas demonstraram-se impróprias para banho. O que colocaria o litoral do estado entre os mais imundos do país, e certamente o pior da região Sul. Para o turismo, a repercussão não poderia ser mais negativa. Nem para o governo, acusado de “descaso”.
Publicada na segunda-feira, 30 de janeiro, a reportagem estava em cima da mesa de Roberto Requião no dia seguinte, quando, como faz todas as terças, reuniu em seu gabinete o secretariado, em encontro documentado por jornais e TVs. Irritadíssimo, Requião desfiou dados e projetos do governo para contestar o jornal. Falou da “operação verão” nas praias, que inclui segurança pública, serviços de saúde, lanchas extras de resgate, ações do bombeiros. Mas terminou sem mencionar a questão essencial: saneamento básico.
O sábado chegou, com ele os outdoors, e a briga entre Requião e o jornal tornou-se o assunto público da hora. Provável candidato à reeleição, o governador viu seu destempero transformado em alvo preferencial de adversários de tudo que é linha política. O Sindicato dos Jornalistas considerou a agressão “lamentável”, a Gazeta do Povo anunciou que pretende processar o governador, e a intrigalhada política misturada à discussão sobre autoritarismo e liberdade de imprensa atropelaram o que um dia foi uma intrigante questão ambiental. Afinal, as praias do Paraná estão mesmo tão sujas assim?
Dados de governo
O mais curioso é que as informações nas quais a Gazeta do Povo se baseou para tirar o governador do sério são oficiais, produzidas pelo próprio governo. A avaliação de balneabilidade das praias cabe ao Instituto Ambiental do Paraná (IAP), órgão vinculado à Secretaria de Meio Ambiente. Tudo o que o jornal fez foi tomar a proporção de pontos impróprios em relação ao total e compará-la aos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Com 81% de pontos impróprios para banho, o Paraná de fato perde.
“A reportagem é sóbria”, reconhece o secretário de Meio Ambiente do Paraná, Luiz Eduardo Cheida. O que irritou o governador, segundo ele, foi a manchete bombástica, “como se o litoral do Paraná fosse o pior do sul do Brasil”. Cheida garante que não é. O secretário argumenta que o resultado indica, na verdade, a eficiência da mensuração. “Paradoxalmente, é o litoral mais seguro: onde tem bandeira azul, está liberado, pode tomar banho”. Ele explica que o Paraná avalia a balneabilidade de suas águas duas vezes por semana, em 50 pontos onde a contaminação por esgoto é mais provável, como em desembocaduras de rios e canais. Santa Catarina só faz esse levantamento duas vezes ao mês, e o Rio Grande do Sul, uma vez por mês. “Nunca se pesquisou tanto, e fazemos divulgação maciça da informação, no site, em barracas nas praias, colocamos fiscais”.
O “descaso” do governo também seria uma provocação gratuita do jornal. Cheida informa que estão sendo construídos 240km de redes de esgoto e oito estações de tratamento ao longo do litoral. Na semana retrasada, foi inaugurada a primeira delas, em Guaratuba, que terá 48% de sua água tratada. Parece pouco, e é. Mas em regiões conhecidas pela exuberância da natureza, como a baía de Guaraqueçaba, a situação é ainda mais calamitosa. Lá, o saneamento é simplesmente zero. Com a nova estação de tratamento, a ser inaugurada dentro de três meses, vai para 98%, promete Cheida. “Em Antonina, os três pontos pesquisados são insidiosamente impróprios para banho, não conseguimos zerar isso”, reconhece ainda o secretário, adicionando outra ameaça às águas: a existência de lixões, cujos resíduos infiltram no lençol freático e chegam ao mar. Ou seja, a situação é mesmo preocupante, ou, em suas palavras, “sofrível”. “Mas nunca se investiu tanto”, reforça, inclusive em aterros sanitários.
E volta a bater na tecla da eficiência da medição. A notificação de dados de mortalidade infantil melhorou tanto que o índice no Paraná está hoje entre os maiores do país. O que obviamente isso não corresponde à realidade socioeconômica do estado, apenas revela uma coleta mais apurada.
O diretor de Jornalismo da Gazeta do Povo, Nelson Souza Filho, explica que o jornal está cobrindo a temporada de verão, e um dos focos é o acompanhamento dos boletins de balneabilidade, que se mostraram preocupantes. “A temporada de janeiro foi muito benéfica, com sol e calor, e talvez o aumento da presença de veranistas tenha piorado a situação”, pondera. “O que detonou a situação foi mesmo a manchete sobre o descaso do governo”, reconhece, ressalvando que o jornal também vem noticiando os investimentos feitos.
Em resumo: o litoral do Paraná não é um horror, mas o saneamento precisa melhorar. O resto é política.
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