Reportagens

Pintou sujeira

Jornal paranaense desperta a ira do governador Requião ao dizer que maioria das praias é imprópria para banho. A briga é política, mas afinal: o mar está limpo?

Lorenzo Aldé ·
10 de fevereiro de 2006 · 19 anos atrás

“O PMDB Adverte: Gazeta do Povo Mente”. Era um sábado, dia 4 de fevereiro, quando Curitiba e algumas cidades litorâneas do Paraná amanheceram com a novidade de 30 outdoors em que o partido do governador Roberto Requião espinafrava um dos principais veículos de comunicação locais.

Mais, os outdoors não diziam. Mas o motivo da ira do governador era sabido. A Gazeta do Povo havia publicado com grande destaque reportagem, em sua série especial de Verão, trazendo um índice surpreendente e assustador: 81% das praias paranaenses que tiveram suas condições avaliadas demonstraram-se impróprias para banho. O que colocaria o litoral do estado entre os mais imundos do país, e certamente o pior da região Sul. Para o turismo, a repercussão não poderia ser mais negativa. Nem para o governo, acusado de “descaso”.

Publicada na segunda-feira, 30 de janeiro, a reportagem estava em cima da mesa de Roberto Requião no dia seguinte, quando, como faz todas as terças, reuniu em seu gabinete o secretariado, em encontro documentado por jornais e TVs. Irritadíssimo, Requião desfiou dados e projetos do governo para contestar o jornal. Falou da “operação verão” nas praias, que inclui segurança pública, serviços de saúde, lanchas extras de resgate, ações do bombeiros. Mas terminou sem mencionar a questão essencial: saneamento básico.

O sábado chegou, com ele os outdoors, e a briga entre Requião e o jornal tornou-se o assunto público da hora. Provável candidato à reeleição, o governador viu seu destempero transformado em alvo preferencial de adversários de tudo que é linha política. O Sindicato dos Jornalistas considerou a agressão “lamentável”, a Gazeta do Povo anunciou que pretende processar o governador, e a intrigalhada política misturada à discussão sobre autoritarismo e liberdade de imprensa atropelaram o que um dia foi uma intrigante questão ambiental. Afinal, as praias do Paraná estão mesmo tão sujas assim?

Dados de governo

O mais curioso é que as informações nas quais a Gazeta do Povo se baseou para tirar o governador do sério são oficiais, produzidas pelo próprio governo. A avaliação de balneabilidade das praias cabe ao Instituto Ambiental do Paraná (IAP), órgão vinculado à Secretaria de Meio Ambiente. Tudo o que o jornal fez foi tomar a proporção de pontos impróprios em relação ao total e compará-la aos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Com 81% de pontos impróprios para banho, o Paraná de fato perde.

“A reportagem é sóbria”, reconhece o secretário de Meio Ambiente do Paraná, Luiz Eduardo Cheida. O que irritou o governador, segundo ele, foi a manchete bombástica, “como se o litoral do Paraná fosse o pior do sul do Brasil”. Cheida garante que não é. O secretário argumenta que o resultado indica, na verdade, a eficiência da mensuração. “Paradoxalmente, é o litoral mais seguro: onde tem bandeira azul, está liberado, pode tomar banho”. Ele explica que o Paraná avalia a balneabilidade de suas águas duas vezes por semana, em 50 pontos onde a contaminação por esgoto é mais provável, como em desembocaduras de rios e canais. Santa Catarina só faz esse levantamento duas vezes ao mês, e o Rio Grande do Sul, uma vez por mês. “Nunca se pesquisou tanto, e fazemos divulgação maciça da informação, no site, em barracas nas praias, colocamos fiscais”.

O “descaso” do governo também seria uma provocação gratuita do jornal. Cheida informa que estão sendo construídos 240km de redes de esgoto e oito estações de tratamento ao longo do litoral. Na semana retrasada, foi inaugurada a primeira delas, em Guaratuba, que terá 48% de sua água tratada. Parece pouco, e é. Mas em regiões conhecidas pela exuberância da natureza, como a baía de Guaraqueçaba, a situação é ainda mais calamitosa. Lá, o saneamento é simplesmente zero. Com a nova estação de tratamento, a ser inaugurada dentro de três meses, vai para 98%, promete Cheida. “Em Antonina, os três pontos pesquisados são insidiosamente impróprios para banho, não conseguimos zerar isso”, reconhece ainda o secretário, adicionando outra ameaça às águas: a existência de lixões, cujos resíduos infiltram no lençol freático e chegam ao mar. Ou seja, a situação é mesmo preocupante, ou, em suas palavras, “sofrível”. “Mas nunca se investiu tanto”, reforça, inclusive em aterros sanitários.

E volta a bater na tecla da eficiência da medição. A notificação de dados de mortalidade infantil melhorou tanto que o índice no Paraná está hoje entre os maiores do país. O que obviamente isso não corresponde à realidade socioeconômica do estado, apenas revela uma coleta mais apurada.

O diretor de Jornalismo da Gazeta do Povo, Nelson Souza Filho, explica que o jornal está cobrindo a temporada de verão, e um dos focos é o acompanhamento dos boletins de balneabilidade, que se mostraram preocupantes. “A temporada de janeiro foi muito benéfica, com sol e calor, e talvez o aumento da presença de veranistas tenha piorado a situação”, pondera. “O que detonou a situação foi mesmo a manchete sobre o descaso do governo”, reconhece, ressalvando que o jornal também vem noticiando os investimentos feitos.

Em resumo: o litoral do Paraná não é um horror, mas o saneamento precisa melhorar. O resto é política.

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

Leia também

Análises
23 de dezembro de 2024

Soluções baseadas em nossa natureza

Não adianta fazer yoga e não se importar com o mundo que está queimando

Notícias
20 de dezembro de 2024

COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas

Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados

Reportagens
20 de dezembro de 2024

Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial

Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.