Reportagens

Decadência precoce

Apesar de jovens, as cidades do noroeste de Mato Grosso exauriram rapidamente o potencial madeireiro. O desemprego chega ligeiro. E ninguém aprende a lição.

Andreia Fanzeres ·
19 de maio de 2006 · 18 anos atrás

Em 1982, surgiu de uma clareira da floresta amazônica um projeto de colonização que deu origem à cidade de Juína, no noroeste de Mato Grosso. Mais uma leva de sulistas incentivados pelo governo federal a migrar para as terras do Norte substituiu a mata por pés de café. Algumas lavouras duram até hoje, mas nunca conseguiram sustentar a economia da região. Veio, então, o garimpo, depois a exploração da madeira e, mais recentemente, a pecuária. Novidade: em menos de 25 anos, a floresta sumiu.

Nesse ciclo já conhecido de destruição da floresta, a soja ainda não chegou. E há quem credite ao terreno acidentado do noroeste do estado a inviabilidade da monocultura. Em compensação, ao passo que toda madeira era velozmente pilhada, o pasto passou a ser o cenário dominante, numa paisagem que remete a imagem do fim dos tempos.

Pela segunda vez em um ano visitei uma cidade dentro da área de Amazônia Legal no norte de Mato Grosso. Senti tristeza, como quando conheci Sinop e as clareiras na mata cercadas por plantações de soja. Mas era diferente. A região de Juína ainda não viu a mecanização das atividades no campo. E, entre o pasto de capim braquiária e um mar de tocos de árvores, a destruição aqui toma ares de completo abandono – ainda que tenha uma finalidade econômica bastante definida: manter um dos maiores rebanhos bovinos do estado.

Por terra, quem atravessa essa paisagem desoladora em centenas de quilômetros nas estradas de chão e encontra uma cidade planejada pode se sentir aliviado por ter finalmente chegado a algum lugar. Só que nesse lugar – apesar de só ter conseguido crescer às custas da devastação da floresta – quase ninguém lembra do meio ambiente. O Ibama ainda se envolve pouco com a sociedade em atividades de educação e fiscalização. Por isso, é hostilizado pelas ruas. E as secretarias estadual e municipal de meio ambiente praticamente não têm influência no comportamento da população.

No caso da Secretaria de Agricultura, Mineração e Meio Ambiente (Samma) do município, a limitação para uma atuação mais ampla seria financeira. A pasta não recebe dinheiro da prefeitura para investir na área. Segundo Ildamir Faria, um dos diretores da secretaria, o orçamento resume-se à manutenção da instituição e aos salários dos funcionários. Os projetos ambientais, como implantação de sistemas agroflorestais e montagem de um viveiro de mudas, só são realizados com recursos repassados pelo governo federal. Esse tipo de dificuldade de trabalho inibe a própria secretaria, ainda mais agora que o Ibama transferiu parcialmente as atribuições de controle e monitoramento ambiental para o estado. “Tememos a pressão política. Por estarmos tão perto da sociedade, será que conseguiremos repreender?”, questiona Marcio de Deus, fiscal de meio ambiente da Samma.

Discurso vazio

Com exceção de servidores do Ibama, não ouvi na cidade quem tivesse alguma noção sobre perda da biodiversidade, ou qualquer idéia bem argumentada sobre a importância da preservação do meio ambiente. Nas palavras do secretário de gabinete da prefeitura de Juína, Antonio Gonçalves, a falta da floresta não fez diferença alguma. “O desmatamento que houve não trouxe nenhum problema ambiental para a região, foi uma extensão insignificante”, diz. Talvez insignificante perto da área do município, de 40 mil habitantes, que tem 60% de suas terras consideradas conservadas porque se encontram dentro de terras indígenas. Mas não se comparado ao que resta de floresta no noroeste de Mato Grosso.

E resta muito pouco. Tanto que as cerca de 200 empresas madeireiras que atuam na região de Juína só se mantêm porque retiram árvores bem mais ao norte, próximas de Aripuanã e Colniza, a aproximadamente 600 quilômetros dali. “Aqui em Juína, o setor madeireiro já se foi. Precisamos ir cada vez mais para o norte. Estamos muito perto do fim da madeira”, conta João Alves da Luz, presidente do sindicato das indústrias madeireiras de Juína e região.

Atração passageira

Se os interesses ambientais são parcamente assegurados em Juína, o que dizer das cidades que estão nascendo e crescendo no noroeste de Mato Grosso, ainda hoje em repleta ilegalidade? É o caso de Colniza, cidade que está próxima de ultrapassar Juína em número de habitantes devido à corrida pela retirada de madeira no jovem município, que surgiu em outubro do ano 2000. O madeireiro João Alves da Luz não se importa em revelar, com todas as palavras, que é intenso o movimento de caminhões com toras que vão abastecer com madeira os pátios de empresas em Juína, Juara, Juruena e Cotriguaçu. Praticamente tudo na ilegalidade. 

Como os demais municípios da região, Colniza nasceu de um projeto de colonização que atrai sem qualquer controle dezenas de caminhões carregados de trabalhadores que cruzam a divisa de Rondônia com Mato Grosso em busca de madeira, já mais escassa no estado vizinho. Colniza hoje está no auge da exploração madeireira desenfreada. Pode, daqui a poucos anos, virar uma cidade como Juína, que nasceu da extinta Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso (Codemat), sob a administração de quem se mantém ainda hoje como prefeito da cidade.

O nome dele é Hilton Campos, fundador e um dos maiores proprietários da região. Dono de extensas pastagens no entorno do município, ele viu a dinâmica da ocupação de sua cidade, que no final dos anos 80 tinha o dobro da população atual em função do garimpo. De lá pra cá, quem não enriqueceu com a extração de diamantes ou com a madeira, transferiu-se para os municípios ao norte de Juína, mais jovens ainda. Boa parte de quem ficou, empobreceu.

Abacaxi

Como o trabalho do setor madeireiro em Juína depende cada vez mais do funcionamento das serrarias e a pecuária não emprega mais do que 200 pessoas no frigorífico da cidade, o prefeito já anunciou sua mirabolante idéia de reaquecer a economia do município: quer plantar abacaxi. A prefeitura está convencida de que se trata de um excelente negócio, inclusive para ocupar as áreas já alteradas pelo pasto. Tanto que planeja a instalação, em breve, de uma indústria para beneficiar a polpa da fruta.

O prefeito, assim como dezenas de famílias de sulistas que aportaram em Juína e ali vivem até hoje, não parece ter-se cansado da efêmera dependência da exploração de produtos como o café, o diamante, a madeira e a carne de boi. Também não sente saudade da mata que fazia parte do entorno da cidade. Quando o assunto é culpar quem destruiu a natureza, os madeireiros são defendidos de imediato no discurso das lideranças políticas da região. E as inconsistências em relação à gestão ambiental se tornam cada vez mais óbvias.

“Os madeireiros não são os vilões da floresta. Eles prestam um favor a ela, porque só tiram a árvore que está velha, já na hora de cortar, para nascerem outras”, explica, em sua lógica, o presidente do sindicato das indústrias madeireiras. “A culpa é dos fazendeiros, que conseguem licença de desmatamento e queimada e acabam com suas propriedades”, concorda o secretário de gabinete da prefeitura. “O pecuarista é o devastador”. Diante dessa resposta, perguntei para se ele estava indignado por ver no entorno de Juína áreas completamente arrasadas para a pecuária. Preferiu, então, dizer o que já é de praxe. “Veja bem, se o pecuarista destruiu 100% de sua propriedade, a culpa é da falta de fiscalização do Ibama”.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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