Para quem não está acostumado, a cena pode assustar um pouco. Pessoas olhando para cima, grandes binóculos pendurados no pescoço e um bocado de nomes em latim sendo disparados a todo o momento não é algo normal. Mas à medida que se entende a prática do birdwatching, fica muito mais divertido observar aves. No primeiro sábado de junho, dia 3, peguei carona com um grupo de “passarinheiros” em expedição pelo Parque Estadual Serra da Cantareira. O passeio era parte da programação do Avistar – Encontro Brasileiro de Observação de Aves, realizado na semana passada em São Paulo.
Para ingressar na atividade, é preciso pular cedo da cama. E cedo, neste caso, significa algo em torno de 5 horas da manhã. Madrugar com os pássaros, antes de o sol nascer, é imprescindível para conseguir bons resultados. Como eles acordam com fome, é no período da manhã que eles mais se movimentam em busca de alimentos, tornando-se facilmente visíveis. Seguimos para a Cantareira com a esperança de encontrar o maior número de espécies possível. No início, a temperatura não ajudou muito. É que, em dias frios, as aves costumam se esconder um pouco.
Assim que chegamos, seguimos pela trilha que leva ao Núcleo Pedra Grande, um dos pontos mais visitados do parque. O trajeto de ida e volta tem em torno de 8 km e alguns trechos bastante íngremes, recompensados pela vista exuberante do local. De lá, é possível ver o contraste entre a cidade de São Paulo e alguns poucos remanescentes da Mata Atlântica.
Trinta e seis pessoas acompanharam o passeio, número não muito adequado para a observação de aves. “Nossa, quanta gente. Vai dar, no máximo, para ver pardal”, reclamou o biólogo Vítor Piacentini, em tom de brincadeira. “Vai todo mundo mesmo?”, disse um outro acompanhante, logo à frente. Grupos pequenos são mais recomendados, para que as pessoas passem despercebidas pelas aves. Mas a dispersão foi inevitável ao longo da caminhada. Enquanto alguns paravam para ver algo interessante, outros seguiam em busca de um pássaro inédito.
Esconde-esconde
Depois de 10 minutos de jornada em silêncio, nada de aves. “Gente, cadê os passarinhos?”, perguntou, impaciente, o ornitólogo Luís Fernando Figueiredo, do Centro de Estudos Ornitológicos (CEO). Mas logo eles chegaram. Conforme a temperatura aumentava, os pássaros começavam a cantar e, enfim, a dar o ar da graça. O canto, aliás, é um aspecto fundamental da observação. O som característico de cada um permite aos ouvidos mais treinados saber qual espécie está por perto. Escutá-los é tão importante quanto vê-los.
Na tentativa de atrair os bichinhos, Jeremy Minns, um dos maiores especialistas em gravação de vocalizações de aves do Brasil, acionou o playback (reprodução dos cantos) na direção das aves. “O pessoal lá de trás vai ficar super animado”, brincou, como se o outro grupo pudesse confundir a gravação com o canto de pássaros verdadeiros. Os animais não responderam ao chamado. Já os observadores caíram na armadilha.
Ao todo, topamos com cerca de 50 das 250 espécies que habitam o parque, com destaque para a Tovaca (Chamaeza meruloides) e o Bico-agudo (Oxyruncus cristatus) – de difícil visualização. Eu, claro, vi bem menos. Quem não tem prática de campo é prejudicado durante a observação. “Isso é bastante normal. A agilidade na percepção vem com o tempo e precisa de treino dos sentidos”, contou Figueiredo, para meu consolo. Ouvido afiado e olhos atentos são alguns dos ingredientes para encontrar maior número de aves.
Primeiros passos
Mas até os menos acostumados podem se dar bem durante a observação. Alguns macetes ajudam na hora de encontrar os pássaros. Além de acordar cedo e ficar em silêncio para não ser notado, buscar a melhor época do ano ajuda. Nos meses de primavera e verão, período em que os pássaros se reproduzem e ficam mais ativos, é provável que o sucesso seja maior. Procurar guias especializados e conversar com os moradores e freqüentadores do local escolhido é outra boa pedida. Essas pessoas geralmente conhecem os hábitos das aves e podem dar dicas de lugares e horários. “Os pássaros são como nós. Têm atividades diárias como tomar banho, comer, fazer ninhos e alimentar os filhotes. E sempre seguem um roteiro parecido”, diz Figueiredo.
Equipamentos apropriados também são importantes. Eu, por exemplo, levei um binóculo inadequado e não consegui enxergar quase nenhum detalhe dos bichos. Os bons equipamentos permitem ver minúcias inacreditáveis, como o serrilhado do bico da ave. Um binóculo de qualidade deve ter algumas características específicas. A primeira a ser verificada é o campo de visão. “Ele é responsável pela abrangência. É como ver um filme na tela da TV ou do cinema”, explica Figueiredo. Também tem de permitir a entrada de bastante luz, o que garante o encontro de pássaros mesmo em mata fechada. O foco é outro ponto importante. “Quando o foco é grande, o observador tem de se afastar do animal para conseguir enxergá-lo direito. O ideal é que o equipamento tenha 1,5 metro de foco.”
Figueiredo preferiu não falar em marcas, mas garante que os melhores binóculos são feitos pelos mesmos fabricantes de boas máquinas fotográficas. Os preços variam bastante, podendo chegar a mais de 2 mil reais. Mas, segundo ele, por 200 reais é possível comprar um aparelho de qualidade. A capacidade de expansão da imagem é outro quesito importante na hora da compra. O ideal é que aumente de 7 a 10 vezes o tamanho do objeto. Experimentar o equipamento para ver se a adaptação é boa também é essencial.
Camuflagem
Roupas de brim (mais resistentes) em cores que imitam a natureza, como verde, marrom e bege, são ideais para andar no mato a procura de passarinhos. “Não existe nenhum estudo, mas, empiricamente, sabemos que funciona bastante. Melhor ainda é misturar as tonalidades, para a silhueta não ficar muito visível. Como as aves enxergam tão bem quanto nós, vale a pena investir nas táticas de camuflagem”, sugere Figueiredo. Outra dica é a utilização de botas de borracha, facilmente encontradas em lojas de jardinagem, de materiais para construção e até em supermercados. Custam entre 15 e 20 reais e protegem contra eventuais encontros com cobras, por exemplo. Bonés também são bastante recomendados, para diminuir a luz que vem do alto.
Um bom guia de campo com a identificação das espécies é outro item essencial durante a observação. Existem vários tipos. Alguns são mais específicos, mostrando as aves que vivem em determinado local. Durante o passeio, utilizamos o Guia de Campo Aves da Grande São Paulo, de autoria de Pedro Develey e Edson Endrigo, disponível no site Atualidades Ornitológicas. Normalmente são publicações fáceis de serem transportadas, com informações como medidas dos pássaros, distribuição e ilustrações.
Para quem deseja se aprofundar no tema, alguns sites são muito úteis, como o Arthur Grosset que mostra roteiros de observação em diversos locais do Brasil. Comunidades no Orkut e listas de discussões (OrnitoBR e BirdwatchingBR) são outros mecanismos que podem ajudar na hora da prática. Para quem gosta de cantos e quer utilizá-los para chamar os pássaros, o site Xeno-canto é ideal.
Associar-se a clubes de observadores é uma forma de trocar experiências. Figueiredo cita os mais conhecidos, como o Proaves, do Rio Grande do Sul, o Clube de Observadores de Aves do Rio de Janeiro, o Observadores de Aves de Pernambuco e o próprio Centro de Estudos Ornitológicos, em São Paulo. Existem outros, que também podem ser encontrados com apenas um clique.
Opção certa para aqueles que apreciam a natureza, mais especificamente as aves, o birdwatching é lazer já descoberto e praticado por milhões de pessoas em países da América do Norte e Europa. Por aqui, a prática é mais difundida entre biólogos e guias turísticos interessados em aprender sobre os pássaros, para ciceronear estrangeiros apaixonados pela riquíssima avifauna do Brasil. A atividade também atrai aqueles que querem fugir do desgaste rotineiro dos centros urbanos. Mas, a cada dia, cresce o número de brasileiros que encontram na observação de aves algo que vai além de uma válvula de escape: o amor pelos bichos.
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