Reportagens

Nada a celebrar

Segundo estimativas, a Amazônia perdeu 13.100 km2 de floresta de 2005 para 2006. Uma taxa de destruição menor do que a registrada em anos anteriores, mas ainda inaceitável.

Andreia Fanzeres ·
26 de outubro de 2006 · 18 anos atrás

O governo federal considera motivo de comemoração a taxa de desmatamento na Amazônia de 13.100km2 entre agosto de 2005 e agosto de 2006, como anunciado nesta quinta-feira. É o equivalente a desmatar metade de Alagoas em 12 meses. A equipe do Ministério do Meio Ambiente (MMA) sorri porque os números representam uma queda em relação aos últimos anos. De fato, desde 1988, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) passou a calcular o desmatamento anualmente na Amazônia, uma taxa menor do que esta só foi registrada em 1991, a de 11.130km2. Uma triste prova de que a depredação da Amazônia sempre manteve patamares altos. E há décadas não se aproxima do que realmente deveria ser: zero.

Apesar da taxa registrada no último ano de seu governo, a quantidade de floresta derrubada na Amazônia durante a gestão Lula foi maior do que em qualquer um dos mandatos de Fernando Henrique Cardoso. De acordo com os dados do Prodes, sistema utilizado pelo Inpe para calcular o desmatamento, durante os quatro anos do governo Lula (2003-2006) foram derrubados 84.473 km2 de floresta a uma média anual de 21.118km2. No primeiro mandato de Fernando Henrique, o Brasil perdeu 77.830 km2 a uma velocidade média de 19.457 km2 por ano. Sendo que entre agosto de 1994 e agosto de 1995 o país testemunhou a maior destruição já registrada na Amazônia: 29.059km2 de mata eliminados em 12 meses. O vergonhoso feito foi quase repetido dez anos depois pelo atual governo quando, entre 2003 e 2004, o Brasil deixou sumir 27.200km de floresta, principalmente para dar lugar a soja e gado. No segundo mandato tucano (1999 a 2002) foram surrupiados 74.855 km2 de floresta a uma média de 18.713 km2 por ano. Portanto, tanto em números absolutos quanto em média, o governo petista bateu o PSDB em seus dois mandatos.

No período de 1995 a 1996, um ano depois do desmatamento recorde, o governo Fernando Henrique conseguiu baixar a taxa para 18.161km2. No ano seguinte, para 13.227km2 – quase o patamar alcançado por Lula este ano. Mas com o cenário favorável à expansão do agronegócio na região amazônica, essa taxa voltou à casa dos 17 mil km2. Subiu, subiu, subiu até atingir o segundo maior número já registrado, o de 27.200km2, em 2003-2004. Em resposta, o governo Lula aumentou a fiscalização. E, na mesma época, o setor agrícola entrou em recessão, fator apontado como a principal causa para a taxa de desmatamento entre 2004 e 2005 ter caído para 18.790km2 – ainda assim uma área praticamente do tamanho de Sergipe.

Crise do agronegócio

Mato Grosso é principal estado produtor de soja e campeão de desmatamento na Amazônia. Do ano passado pra cá, a sua contribuição para o desaparecimento da floresta diminuiu em 35% em relação ao período de 2004-2005. Em compensação, a área plantada com o grão caiu de 6,1 milhões de hectares na safra 2004-2005 para 5,9 milhões de hectares em 2005-2006, segundo dados da Associação dos Produtores Rurais do Estado do Mato Grosso (Aprosoja). Isso representa uma queda de 3,3%. Para o diretor da Associação de Proprietários Rurais do Mato Grosso, Paulo Resende, a crise é resultado de vários problemas que têm prejudicado o agronegócio nos últimos quatro anos. A começar pelo preço do dólar, que caiu da casa dos R$ 3,00 para a de R$ 2,00 reais depois que os agricultores já haviam se endividado no preço antigo. “Com isso, nós tivemos um aumento de 28% nos custos da produção”, diz Resende.

Esse quadro foi agravado pelo fim da crise da soja norte-americana, que esteve prejudicada por fatores climáticos e agora contribui para que o preço da soja brasileira sofra desvalorização. “A soja chegou a ser vendida a mais de 19 dólares a saca, mas caiu novamente ao preço de 9 a 12 dólares”, diz Resende. Segundo dados do Imazon, entre 2004 e 2005 o preço do grão diminuiu 17%. Resultado: com os altos custos e os preços de venda variando intensamente, os agricultores não têm recursos para plantar a mesma área que tinham antes. Por esse motivo, a tendência é de que entre 2006 e 2007 a área plantada permaneça em queda, produzindo o mesmo efeito sobre a quantidade de área desmatada na região. Essa crise também foi irradiada para os plantios de Rondônia, que no último período também teve 21% de queda no desmatamento.

Instabilidade madeireira

No Pará, o setor madeireiro reclama que não teve condições de operar satisfatoriamente nos últimos anos. E põe a culpa no governo. Do ramo madeireiro, e há 27 anos na Amazônia, Luis Carlos Tremonte, vice-presidente do Sindicato da Indústria Madeireira do Sudoeste do Pará (Simaspa), diz que nunca viu um quadro tão deprimente para seus negócios. “O dólar não contribui, o governo federal cria todas as dificuldades. Se eu pudesse, abandonava esse setor”. Ele se refere à demora na liberação de planos de manejo e ao fato de o Incra ainda não ter aprovado a titularização de áreas até 500 hectares para que se possa, em terras pequenas, elaborar projetos de exploração de madeira. Por conta desses fatores, Tremonte garante que a produção caiu pela metade entre 2005 e 2006, sendo que, pelos seus cálculos, 30% das empresas devem ter fechado no período.

Além das reclamações comuns a quem trabalha com madeira legal (câmbio ruim, mercado reduzido e atrasos na liberação de planos de manejo), Justiniano Netto, da Associação das Indústrias Madeireiras Exportadoras do Pará (Aimex), lembra que as empresas paraenses também foram prejudicadas pela entrada em vigor do Documento de Origem Florestal (DOF), de forma pouco planejada,em sua opinião. “Estamos no final da safra e ainda nem deu para as empresas começarem suas atividades”, reclama.

Em Rondônia, no Acre, no sul do Amazonas e em Mato Grosso a situação é um pouco diferente, o que não significa ser bom nem para a natureza nem para a economia. Depois da paralisação provocada pela Operação Curupira e do fim do período de transição das atribuições do Ibama para o governo do estado, o promotor Marcelo Vacchiano, do Ministério Público Estadual, em Alta Floresta (MT), observa que no extremo norte do estado o movimento das madeireiras já parece normalizado. “Nosso órgão ambiental voltou a expedir as guias florestais, para transporte, e já estamos verificando nas estradas da região grande fluxo de caminhões toreiros”, diz. E com um agravante: a circulação maior é durante a noite, o que o faz suspeitar que o corte esteja acontecendo na ilegalidade. Aliás, nenhuma surpresa quanto a isso, já que 80% do desmatamento mato-grossense é clandestino.

Segundo tendências calculadas pelo Imazon, os esforços contra a derrubada no Acre não aparentaram ter tido resultados. O desmatamento por lá continuou praticamente no mesmo nível que no período anterior. As estimativas do instituto indicam até um aumento de 3% . Mas foi no Amazonas que o desmatamento assustou. O estado elevou em 48% o índice, principalmente por causa de grileiros e abertura de novas áreas para soja e pecuária no sul do estado. Portanto, apesar de ter causado empecilhos à atividade madeireira na Amazônia no último ano, o governo inibiu mais o corte legal do que ilegal.

Pecuária favorável

No campo da pecuária, embora o preço da carne e o câmbio não favoreçam os produtores desde 2005, a tendência geral é ainda de crescimento do rebanho bovino sobre a floresta. “A Amazônia é o local onde a pecuária mais cresce no Brasil”, considera Rita Pereira, do Imazon. O instituto tem dados reveladores. Entre 1990 e 2003, por exemplo, Rondônia e Acre tiveram as maiores taxas de crescimento de rebanho do país: 14 e 12,5% respectivamente – tendência que, supõe-se, continua nos mesmos patamares hoje.

Estimativas não oficiais apontam para mais de 71 milhões de cabeças de gado na região amazônica. Só Mato Grosso, que tem o maior rebanho, tem cerca de 27 milhões de cabeças. Mas o surpreendente foi perceber o crescimento do setor no Pará, hoje com mais de 20 milhões de bois. Como em Mato Grosso, o estado tem uma população de bovinos que excede a de seres humanos, já que o Pará é ocupado por não mais que 7 milhões de pessoas.

“Agora estamos fornecendo mais para o mercado interno e exportando para os países que não têm restrição em relação à aftosa”, diz Rita. E esse cenário deve se tornar ainda mais favorável porque o sul do Pará está prestes a ser reconhecido internacionalmente como uma região livre da doença, o que deve abrir portas para exportação do gado paraense a outros mercados.

Mesmo com a crise do setor madeireiro no Pará, a pecuária forçou a taxa de desmatamento no estado para cima, ao ponto de ter sido 48% maior do que no período anterior. Paulo Barreto, do Imazon, explica que a pecuária paraense encontrou um novo mercado. O setor exportou cerca de 70 mil cabeças de gado vivo para o Líbano em 2005. E em 2006 esse número subiu para 200 mil cabeças. “Esse fato criou uma perspectiva positiva para o crescimento do setor, o que pode pressionar a abertura de novas áreas”, considera Barreto.

Desmatamento permanente

O cenário promissor da pecuária paraense, junto com as pressões de madeira e soja, é para Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra, a parcela variável do desmatamento. Ele entende que, seja qual for a direção das intempéries econômicas, sempre vai haver um “piso” para fatores que são fixos no desmatamento. “São aspectos de ordem fundiária, incorporação de terras disponíveis para grilagem, independentemente das commodities”, diz.

Esse tipo de desmatamento especulativo tem em geral, por trás, ou pequenos produtores, que ocupam ou são expulsos da área por interesses de maior porte. Segundo Smeraldi, é difícil avaliar a contribuição desses pequenos no desmatamento porque por limitações tecnológicas eles só conseguem derrubar de 2 a 3 hectares ao ano. E como o Prodes só enxerga desmatamentos maiores do que 6,25 hectares, a ação desses pequenos só é identificada com 2 a 3 anos de atraso, a menos que a derrubada aconteça junto a uma área maior, detectável.

Para ele, essa parcela fixa também não é afetada pelos esforços de fiscalização do governo, que são esporádicos e com efeitos localizados. “Entre 2004 e 2005, 75% da redução do desmatamento aconteceu em apenas três áreas: na região de Altamira (PA) por causa das ações em resposta ao assassinato da freira Doroty Stang 9, ao longo da BR-163 devido à situação de interdição administrativa e no norte de Mato Grosso em função da crise das commodities”, lembra. Em compensação, mesmo em ano de diminuição do desmatamento, as taxas aumentaram no leste de Mato Grosso e do Pará (BR-158 e região de São Felix do Xingu) e em Rondônia, o que demonstra, para Smeraldi, um deslocamento do desmatamento, não uma inibição.

Crimes impunes

Além disso, raramente quem desmata de forma ilegal na Amazônia é punido. Graças a uma parceria firmada apenas em 2006 entre o Ministério Público Estadual de Mato Grosso e o Ibama, e da providencial ajuda de jovens advogados nos trabalhos processuais, as ações estão tramitando com mais agilidade. No momento da notificação em campo de crimes ambientais, os documentos são imediatamente encaminhados ao MP. “Antes, os processos demoravam três ou quatro anos para chegar até nós, muitas vezes prescreviam. Agora os procedimentos correm simultaneamente”. Apesar da rapidez, no que cabe ao MP, o promotor Marcelo Vacchiano não arrisca dizer em quanto tempo os criminosos podem ser efetivamente punidos. “Os processos ambientais aqui têm prioridade. Fazemos a nossa parte, mas tudo depende da velocidade da Justiça”, diz.

Enquanto a Justiça caminha lentamente e o governo vibra em ter reduzido a taxa de desmatamento em 30%, para o patamar de 13 mil km2 de floresta perdidos para sempre, por ano, os fatores que transformam a Amazônia em terra arrasada continuam sem controle. Ou melhor, sendo ditados pelos ventos da economia. É uma pena, porque quando o governo quis, ele conseguiu. Foi em junho de 2005, quando por conta da Operação Curupira, o desmatamento no mês foi 95% menor do que o registrado no ano anterior.

*Eric Macedo contribuiu para esta reportagem.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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