Reportagens

Disputa no Pará

Nas proximidades da Transamazônica, o anúncio da criação de uma Floresta Estadual no lugar de uma Resex federal esquenta conflito entre madereiros e comunidades extrativistas.

Gustavo Faleiros ·
9 de novembro de 2006 · 18 anos atrás

A região central do Pará é novamente palco de um intenso conflito social que pode ter graves conseqüências ambientais. Moradores do munícipio de Prainha e da Vila de Santa Maria de Uruará – próximos à Transamazônica-, que há 6 anos pleiteam a criação de um reserva extrativista (Resex) na região,foram pegos de surpresa com a decisão do governo do Pará de destinar as terras para a implantação de uma Floresta Estadual (Flota) e uma Aréa de Proteção Ambiental (APA). As comunidades e a Ong Greenpeace entenderam a medida como uma forma de beneficiar as madereiras que atuam na região.

O decreto de criação da Floresta Estadual no centro do Pará, cujo nome será Amazônia e terá 514 mil hectares, está previsto para ser editado já na próxima semana, junto com outras três florestas de uso sustentável que se localizam na calha norte do Rio Amazonas. Diferentemente de suas irmãs, a área de criação da Flota da Amazônia não foi estudada pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). O centro de pesquisa não se envolveu com a região exatamente pelos conflitos que se anunciavam. Todo o levantamento foi feito pela equipe da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Pará (Sectam).

As comunidades da região pediram a criação de um território extrativista ao mesmo tempo que se travava a luta para se decretar a Resex federal Verde Para Sempre, em Porto Moz, entre os anos de 2000 e 2003. A idéia era incluir os moradores de Prainha e Uruará na exploração da Verde para Sempre. No entanto, naquela ocasião, não houve força política para criar uma reserva que teria quase dois milhões de hectares. Assim os processos foram divididos: a Verde para Sempre nasceu em 2004 com cerca de 1,2 milhão de hectares , e a área contígua, batizada de resex Renascer, ainda espera um decreto para regularizar seus 412 mil hectares.

Desde o surgimento da Verde para Sempre em Porto Moz a atividade madereira migrou para as redondezas de Uruará. O Greenpeace acusa as empresas que estão por lá de atuarem totalmente na ilegalidade. É possível flagrar máquinas desmatando a floresta (foto acima).

Com a degradação correndo solta na região, os moradores do que seria a resex Renascer começaram a entrar em clima de guerra com os madeireiros. Eles passaram a denunciar o movimento de caminhões e balsas repletos de toras ao Ibama. Nas últimas semanas de outrubro, foram mais longe e interditaram quatro balsas cheias. Quando o Ibama chegou ao local, constatou-se que eram todas ilegais e até hoje elas estão apreendidas no porto de Prainha (foto ao lado). Quando uma nova balsa surgiu uma semana depois no rio Uruará, os líderes das comunidades não tiveram dúvida: atearam fogo nela.

Resex ou Floresta

Na opinião do engenheiro florestal do Greenpeace, Marcelo Marquesini, a criação de uma floresta estadual na área que seria destinada à Resex Renascer só concretizará a destruição em curso. Segundo ele, já existem estradas ilegais que ligam a floresta à Transamazônica, o que tornaria a fiscalização quase impossível. “A Sectam não tem estrutura nenhuma para controlar a ilegalidade”, critica Marquesini. A Resex, por outro lado, seria mais efetiva na conservação, pois em seu desenho ela prevê a inclusão de áreas intangíveis, ou seja, aquelas não podem ser utilizadas. Isso, diz o representante do Greenpeace, permitiria maior controle.

Em resposta às críticas do Greenpeace, o técnico José Colares da Secretaria de Produção do governo do Pará afirmou ao jornal paraense O Liberal que a Flota será mais útil à proteção do meio ambiente por permitir a exploração apenas com concessões feitas pelo estado. Já Crisomar Lobato, técnico da Secretaria Estadual de Tecnologia e Meio Ambiente (Sectam) conta que em agosto foram realizadas audiências públicas na região e que a maioria da população apoiou a criação da Flota Amazônia e da APA Santa Maria.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Prainha, Délfim Manoel Ferreira, diz que as audiências públicas foram mal divulgadas e conduzidas apenas pelos madeireiros. Para ele, como a madeira já está ficando escassa nas bordas da área que se planejava criar a resex, uma floresta estadual seria uma garantia de terras para as empresas madereiras. “O desmando aqui é muito grande”, garante.

Wagner Kronbauer, presidente da União das Instuições Florestais do Estado do Pará, entidade que reúne nove associações de madeireiras no estado, critica o calor do debate. Em sua opinião o Greenpeace, erra ao defender a implantação de uma resex em uma área com tantos conflitos. “Se o problema é a ilegalidade, a melhor coisa é criarmos uma floresta estadual para legalizarmos a atividade”, argumenta. A produção florestal será mais eficiente para criar empregos e renda para os municípios, diz Kronbauer, além de também garantir recursos para que o poder público possa fazer as fiscalizações. Para ele, a prova de que o governo federal “abusa” na política de reservas extrativistas é a votação inexpressiva que Lula teve nos munícipios em que foram criadas unidades de conservação desta categoria.

O componente político, diga-se, já entrou em jogo na disputa entre a Flota Amazônia e a Resex Renascer. Em nota publicada ontem, o Greenpeace afirmou que o governador tucano Simão Jatene estaria beneficiando a indústria madeireira com medidas de fim de mandato. Paralelamente, os movimentos sociais correram para a petista recém-eleita, Ana Júlia Carepa, e pediram para que em reunião com Lula ela interviesse em favor da criação da Resex.

O problema é que a candidata vencedora também assumiu compromissos com o segmento florestal no Pará e, caso optasse por barrar a flota seria um mau começo com o setor. “Ana Júlia mencionou em um encontro conosco que sua prioridade é incentivar a produção florestal sustentável, e isso não ocorrerá sem a exploração de madeira”, pondera Kronbauer.

O fato do processo de criação da Resex Renascer estar nas mãos do Ibama obrigou o governo federal a se pronunciar. Porém, até agora ele o fez com extrema cautela. Segundo o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, o processo de criação da Resex ainda não está concluído e por isso o Ibama vai iniciar conversas com o governo estadual para verificar a possibilidade de conciliar os interesses. Segundo Lobato, a Flota ocupará 80% da área destinada à Renascer.

O pesquisador do Imazon Beto Veríssimo, que participou dos estudos das outras Flotas no Pará prefere também esfriar o debate. Afirma que, com a degradação e a ilegalidade na região, o mais importante no momento é decretar uma unidade conservação.”Não importa muito se será uma reserva extrativista ou uma floresta estadual”.

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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