Reportagens

Indesejável embalagem

Consumidores preocupados com o meio ambiente não sabem o que fazer com peças de isopor que protegem eletrodomésticos recém-comprados. Soluções há, mas em Florianópolis.

Eric Macedo ·
15 de dezembro de 2006 · 17 anos atrás

O ilustrador Ednei Marques Sanchez não se conteve quando viu a imensa pilha de isopor e plástico formada no chão de sua cozinha. Tinha acabado de desencaixotar a geladeira e o forno de microondas novos comprados para a sua casa em São Bernardo do Campo, São Paulo. Com o plástico não havia problema, ia tudo para a reciclagem. Mas e o isopor? Sem coragem de jogar o material no lixo comum, o que significaria centenas de anos de decomposição das peças num aterro sanitário, começou uma longa jornada virtual, mandando emails para Deus e o mundo na tentativa de descobrir o que fazer.

Como já dizia aquele anúncio da Coca-Cola, o Natal está chegando. E é muito provável que algum dos seus presentes venha acondicionado em peças desse confortante e leve material. Isopor é o nome fantasia (marca registrada de uma empresa que o fabrica) para um produto chamado poliestireno expandido (ou EPS). Em linguagem simples e leiga, ele não é nada mais que um plástico “inchado”. Mas, diferente do plástico comum, o isopor não tem uma cestinha própria nos centros de reciclagem brasileiros, pelo menos não na maioria das nossas cidades. No aterro comum, além de ocupar espaço, ele pode criar camadas impermeáveis que dificultam a biodegração dos demais materiais orgânicos.

A primeira tentativa de Ednei de arranjar um destino para o seu elefante branco foi buscar apoio com as empresas responsáveis pelos eletrodomésticos que adquiriu. A não ser por uma mensagem automática com a promessa vã de que o contato seria respondido, a Bosch, fabricante da geladeira, simplesmente ignorou seus emails. A Brastemp, que fez o microondas, foi mais atenciosa. Disse, com a maior naturalidade do mundo, que Ednei deveria arranjar um “destino adequado” para o material. O ilustrador, como qualquer pessoa em sã consciência, devolveu o email perguntando que destino adequado seria esse, na opinião da empresa, já que essa era justamente a sua dúvida original. A Brastemp informou que passaria a questão ao “departamento competente”. E esse departamento deixou Ednei até agora sem resposta.

“Nos sites das empresas, nenhuma das ‘Perguntas Freqüentes’ diz respeito a meio ambiente ou consumo de energia. Parece que ou eles não têm uma política determinada ou simplesmente ninguém pergunta sobre isso”, reclama. Ednei enviou emails também para o Deputado Fernando Gabeira, cuja assessoria respondeu com informações sobre o produto – que é mesmo, segundo ela, um problema ecológico – para órgãos da mídia (como O Eco) e para o Greenpeace, que também concordou sobre o fato de o material ser um problema.

“O Greenpeace disse que o máximo que poderia ser feito era pressionar, do jeito que eu estava fazendo, por alguma solução”, diz o artista plástico de 31 anos, que está montando um estúdio de animação e, nas horas vagas, tenta plantar árvores no pouco verde bairro em que mora. “Não deu certo. O solo aqui é muito ruim”, conta.

Lixo…

Para o consultor da companhia carioca de limpeza urbana (a Comlurb), José Henrique Penido, não há por que quebrar a cabeça. O melhor destino para o isopor, hoje em dia, é o lixo. O material, explica ele, é atóxico e não causa problemas sérios ao aterro sanitário. “O cidadão pode, no máximo, quebrar o isopor em pedacinhos. Ou reutilizar para alguma coisa em casa. Mas não conheço nenhuma solução economicamente sustentável para a reciclagem”, afirma. Segundo ele, a reciclagem do EPS não vale o custo benefício do transporte do material, que é muito leve, mas ocupa espaço. Cada viagem rende pouco.

Mas muita gente preocupada com meio ambiente não engole uma resposta dessas facilmente. Afinal de contas, aquele isopor que não serviu para nada além de fazer um carinho extra na sua geladeira vai passar provavelmente mais de um século num aterro que já é, por si só, na maioria das vezes, um poço de problemas.

A engenheira florestal Lais Sonkin passou por uma situação semelhante à de Ednei. Sua família trocou a geladeira no meio deste ano. E ela também ficou sem saber o que fazer com uma montanha de isopor em casa. “Nós procuramos ter uma postura de ‘baixo impacto’”, diz.

Logo ao receber o produto, quando viu a quantidade de isopor, a engenheira perguntou ao entregador se a loja para que trabalhava não tinha um lugar apropriado para acondicionar o material. O rapaz foi educado. E sincero. Disse que até poderia levar o isopor, mas que o jogaria no lixo assim que virasse a esquina. Lais recusou amigavelmente a cortesia. Mãe de Manela, de 12 anos, e Annah, de 14, ela usou o material para fazer uma daquelas maquetes que são a dor de cabeça clássica dos pais de alunos do primário. Também conservou o pedaço que cobria a parte de baixo da geladeira, até hoje posicionado como uma base para o aparelho.

“Nem sei se isso é energeticamente eficiente”, diz Lais, que trabalha, entre outras coisas, com perícias judiciais na área de meio ambiente. Ela espera que algum entendido em eletricidade, ao ler esta reportagem em O Eco, diga se a geladeira gasta mais eletricidade pelo fato de estar posicionada sobre uma base de isopor de quatro dedos de espessura. Respostas serão bem-vindas à redação. “Se for o caso, então não compensa, porque a reutilização acaba causando um impacto maior sobre o meio ambiente”, afirma.

… ou não-lixo?

Você que chegou até este ponto do texto já a xingar até a quinta geração de quem inventou esse maldito EPS, que não se presta a coisa nenhuma depois de desencaixadas geladeiras e televisões, pode ficar um pouco mais tranqüilo. Ao menos é o que diz o professor do Departamento de Engenharia Química e de Alimentos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Ricardo Antonio Machado. “O EPS é um material 100% reciclável e o seu descarte juntamente com o lixo comum é um desperdício”, afirma. Segundo ele, o isopor se presta para a fabricação de concreto leve, de molduras para quadros e rodapés (o que economiza madeira), e fabricação de colas e adesivos, entre outras coisas.

Em Santa Catarina, a Universidade Federal desenvolve há quatro anos um projeto de reciclagem do material, que, segundo o professor, tem dado certo. A postura da instituição, louvável, é de reciclar 100% do lixo produzido dentro de seus muros. Hoje a coleta seletiva em Florianópolis inclui o produto como um dos recicláveis. Também os moradores de Curitiba têm a oportunidade de reciclar isopor – ele é aceito pela usina de reciclagem da cidade, mantida pela prefeitura.

Ricardo diz que o problema do transporte levantado por Penido tem seu lado bom e ruim. Segundo ele, por causa da leveza, é comum que catadores pendurem o material nos seus carrinhos de coleta. Caminhões que transportam materiais pesados e que ocupam pouco volume utilizam o espaço ocioso para levar o EPS para reciclagem e gerarem renda extra. Também se pode compactá-lo em prensas ou então fragmentá-lo ou aglutiná-lo. “Tudo isso é feito aqui em Florianópolis”, diz ele.

As técnicas de reutilização existem. Falta elas serem aplicadas em mais cidades. Enquanto não chegam a São Bernardo do Campo, por exemplo, Ednei deve continuar mantendo as peças empilhadas num cantinho da casa. “Devo fazer uns daqueles aviõezinhos para o meu filho de três anos. Mas não tenho coragem de jogar fora. Vai ficar tudo por aqui”, diz ele.

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