Reportagens

O buraco é mais embaixo

ONGs querem rever resolução do Conama sobre emissão de poluição industrial. Para especialistas, elas erram o alvo pois problema é concentração de gases em locais já saturados.

Gustavo Faleiros ·
10 de janeiro de 2007 · 18 anos atrás

Depois de três anos de discussão, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) aprovou, na última reunião de 2006 (dias 29 e 30 de novembro), uma resolução que estabelece novos parâmetros para as emissões de chaminés, caldeiras e fornos industriais. Na ocasião, técnicos do Ministério do Meio Ambiente e de secretarias estaduais de gestão ambiental celebraram as novas regras como um avanço em termos de controle de poluição. Mas, neste início de 2007, algumas das organizações não-governamentais (ONGs) que representam a sociedade civil no Conama declararam guerra à resolução. Mesmo com a nova regra já em vigor, desde que foi publicada no Diário Oficial no dia 2 de janeiro, os ambientalistas querem rever a decisão e buscarão apoio da justiça.

A Associação de Proteção do Meio Ambiente do Cia Norte (Apromac), ONG representante da Região Sul no Conama, está liderando os protestos contra a nova resolução. A ambientalista Zuleica Nycsz afirma que as novas normas permitirão que toneladas de poluentes sejam jogados na atmosfera legalmente. Segundo ela, o texto da resolução não cria qualquer controle de emissão de poluentes orgânicos persistentes (POPs). Tais substâncias são encontradas em processos industriais que envolvem cloro ou na insineração de lixo. Os POPs devem ser banidos, segundo a Convenção de Estocolmo, ratificada pelo Brasil em 2005.

De acordo com Zuleica, houve falta de rigor técnico na elaboração da resolução, permitindo que padrões obsoletos de emissão de poluentes fossem aprovados. Ainda em outubro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou novas recomendações sobre níveis seguros de concentração de poluentes no ar, e como o Brasil não está se enquadrando em nenhum destes níveis, a Apromac pediu ao Conama, em dezembro que fizesse uma revisão da resolução, tornando mais restritivo os volumes de poluição emitidos pelas chaminés. Mas a diretoria do colegiado não aceitou o pedido.

Jeffer Castelo Branco, da Associação de Combate aos Poluentes (ACPO), se uniu à Apromac na campanha para barrar a nova resolução do Conama. Segundo ele, as ONGs devem buscar apoio de promotores de justiça para obrigar à diretoria do conselho a voltar a discutir a medida. Na opinião de Castelo Branco, a nova resolução apenas chancelou os níveis de emissão que já são praticados pela indústria brasileira. “Uma medida para controlar emissões é bem-vinda, mas não com tanta benevolência”, critica o ambientalista. Exemplo da bondade dos conselheiros teria sido a anistia para que aqueles que emitirem mais nos momentos de operação excepcional de uma fábrica, como aquele em se faz limpeza dos fornos, chamada de ramonagem.

Óxidos de nitrogênio

O relator da resolução sobre emissões no Conama, o técnico em controle de poluição da Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo, Cláudio Alonzo, rechaça a crítica de que houve benevolência com a indústria. Ele explica que os padrões adotados estão de acordo com as melhores tecnologias existentes em diversos setores industriais. Ao contrário do que ocorria com a resolução número 8 de 1990, em que as definições sobre emissões eram bastante genéricas – falava-se apenas em caldeiras – nesta nova norma há padrões divididos entre 13 setores. Entre eles, alguns bastante intensivos em poluição, como refinarias de petróleo, siderurgia, cimenteiras e usinas sucroalcooleiras.

“As decisões se basearam em tecnologia aplicada, em conhecimento existente na literatura internacional. Nós não ficamos tomando chá nas reuniões que fizemos”, diz Alonzo ao rebater às críticas de que a resolução não tem base técnica.

Ainda de acordo com Alonzo, a resolução traz avanços ao criar níveis de emissão para os óxidos de nitrogênio, o que antes não existia. Os óxidos de nitrogênio, além de causadores de efeito estufa, são alguns dos maiores responsáveis por doenças respiratórias nas grandes cidades, uma vez que funcionam como precipitadores de ozônio. Isto é especialmente importante nas zonas onde há queima de bagaço de cana. Na opinião de Alonzo, a resolução, ao fixar padrões máximos para os gases em nível nacional, vai permitir maior controle social. Além disso, ele destaca a brecha deixada na norma para que as legislações estaduais sejam mais restritivas no controle de emissões.

A técnica em qualidade ambiental do Ministério do Meio Ambiente Lorenza Alberici da Silva também argumenta que houve avanços na resolução Conama sobre fornos e chaminés. Para ela, dizer que a norma é permissiva é “meio absurdo” pois ela se tornou “tão restrita quando as legislações americana e canadense.” A questão que precisa ser discutida agora, diz Lorenza, é como será feita a regulamentação de fontes de emissão antigas. A nova resolução só regulamenta os padrões de chaminés e fornos que serão instalados a partir de 2007.

A questão sobre como tratar as fontes antigas também tem contribuído para elevar as críticas das ONGs. Segundo Zuleica, isso mostraria um comprometimento dos conselheiros do Conama com o “desenvolvimento a todo custo”, nos moldes do que teria pregado Lula no seu famoso discurso sobre os “entraves ambientais”. No entanto, a insinuação de que o Conama teria sido complacente com a indústria não agrada em nada outros conselheiros. Pelo menos três membros do colegiado ouvidos por O Eco relataram que as ONGs não participaram de nenhuma das reuniões do grupo de trabalho que elaborou a resolução e até a plenária final não apresentaram nenhuma proposta de alteração. Zuleica explica que não é possível cobrar ONGs a comparecerem a todas as reuniões, pois elas não possuem uma estrutura semelhante a do setor privado para acompanhar as atividades do conselho.

O debate é outro

Para além dos debates dentro do Conama, alguns especialistas em qualidade do ar ajudam a entender que talvez o problema não seja somente discutir o quanto cada chaminé está emitindo. O problema maior é saber onde serão instaladas estas chaminés. Tanto Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, quanto o consultor em qualidade do ar da Fundação Hewlett, André Ferreira, elogiaram a resolução do Conama, dizendo que ela está bem elaborada e traz avanços no controle das emissões industriais. Contudo ambos defenderam que haja maior discussão sobre as áreas que já apresentam concentração elevada de poluentes na atmosfera.

“Não adianta nada brigar para ser mais restritiva em uma fonte, se for permitido que muitas se instalem no mesmo lugar”, opina Paulo Saldiva. Para ilustrar, ele cita a frota de veículos na cidade de São Paulo: melhorar a qualidade da carburação dos veículos não foi suficiente para melhorar a poluição do ar, uma vez que 500 mil novas unidades passam a circular a cada ano nas ruas. O mesmo se aplica a chaminés e fornos de fábricas. O que precisa ser discutido, observa Saldiva, é uma revisão da resolução Conama 3 de 1990 que fixa níveis de qualidade do ar.

Essa resolução de 16 anos estabelece, por exemplo, que a concentração de dióxido de enxofre (SO2) deve ser de 365 microgramas por metro cúbico num período de 24 horas. Mas as novas recomendações da OMS mostram que esta concentração deve ser de 125 microgramas por metro cúbico, ou seja 50% menor. Para piorar, em alguns pólos industrias do país, essa taxa é extremamente elevada. Em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador, a concentração é de 525 microgramas, segundo estudo do IBGE. Exemplos como este, apontam os especialistas, mostram que é preciso iniciar uma discussão sobre como organizar zonas saturadas de emissão e novos padrões de qualidade ar. E claro, como fiscalizar tudo isso.

“Eu tenho clareza que não adiantará fazer um carnaval imenso contra ou a favor em torno desta resolução [de chaminés e fornos], se não discutirmos a quantidade das indústrias em zonas saturadas e como elas serão fiscalizadas”, pontua Ferreira, da Fundação Hewlett Para ele, o maior desafio para os órgãos estaduais de meio ambiente será impor restrições às indústrias sem que tenham corpo técnico preparado e condições materiais para a fiscalização.

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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