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Há algo de errado

Análise de laudo técnico apresentado como garantia de que a barragem da mineradora Rio Pomba Cataguases não oferecia novos riscos à sociedade revela confiança cega em empresas.

Andreia Fanzeres ·
11 de janeiro de 2007 · 18 anos atrás

Dez meses depois de ter sido o pivô do acidente que causou mortandade de toneladas de peixes na bacia do Rio Paraíba do Sul, suspendeu o abastecimento de água em diversas cidades mineiras e fluminenses e afetou até a foz do rio, a mineradora Rio Pomba Cataguases volta à cena. A barragem que no ano passado vazou, desta vez se rompeu e despejou na madrugada da última quarta-feira dois bilhões de litros de lama que soterraram parte da cidade de Miraí (MG) e poluíram importantes afluentes do rio Paraíba do Sul, principal fonte de água potável para o estado do Rio.

Entre os órgão ambientais públicos, houve surpresa. Principalmente por parte dos técnicos da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) de Minas Gerais. Até aquele momento, eles estavam com as consciências tranquilas e não esperavam que um vazamento de lama cinco vezes pior do que o ocorrido em março de 2006 pudesse se repetir no mesmo local e na mesma empresa. Acreditaram piamente nos laudos técnicos entregues pela mineradora, atestando que as medidas de recuperação ambiental e adequação da barragem aos níveis de segurança estavam sendo rigorosamente atendidas.

Agora, o silêncio da empresa Rio Pomba Cataguases e do engenheiro responsável pela barragem sobre o que pode ter dado errado, além da falta de justificativa dos órgãos ambientais, abalam a credibilidade de quem faz e de quem aceita os estudos sobre riscos ambientais.

Para justamente evitar que um novo vazamento acontecesse, o Ministério Pùblico Estadual de Minas e a Rio Pomba Cataguases firmaram em março do ano passado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) preliminar para recuperação imediata dos danos ambientais e a realização do diagnóstico dos mesmos. Foram 14 medidas a serem cumpridas pela empresa, entre as quais fazer laudo sobre segurança em barragem e, ele próprio, indicar as medidas necessárias para evitar novos vazamentos.

Para o MPF, a empresa cumpriu tudo à risca e o novo acidente ainda não tem explicação. “Temos um laudo assinado pelo engenheiro responsável de outubro de 2006 e outro de novembro atestando que a obra de segurança nas barragens era muito boa”, diz Cláudio Chequer, procurador da República do Ministério Público Federal em Itaperuna (RJ). Na noite desta quarta-feira, Chequer instaurou um inquérito no Departamento de Polícia Federal de Campos para averiguar a razão do rompimento e enviou peritos ao local do acidente.

Zuleica Torquetti, diretora de licenciamento de atividades industriais e minerárias da Feam, faz coro com Chequer. Garante que todas as obras apontadas pelas auditorias solicitadas pelo governo mineiro foram implementadas pela empresa até dezembro de 2006, sendo que o último relatório assegurava que elas tinham sido executadas corretamente. Por isso, Zuleica atribui o acidente a fatores meteorológicos. “Suspeitamos que a causa tenha sido o excesso de chuvas, que ultimamente encharcaram muito o solo e sobrecarregaram a estrutura da barragem”, diz.

Falha grave

Difícil é acreditar que projetos desse porte não sejam obrigados a prever o comportamento das barragens em épocas de chuva, e, muito menos, que falhas no cálculo de sua capacidade não possam ser detectados pelo órgão ambiental licenciador. Mas a Feam diz que não podem mesmo. “O projetista é o responsável pelo cálculo. A Feam não confere, não tem especialistas em barragem”, admite a diretora. Segundo ela, existe uma técnica do Ministério Público Estadual de Minas Gerais especialista em barragem e ela considerou que tudo estava adequado. Diante do que disse, Zuleica levanta a hipótese de ter havido falhas no projeto de reforço da barragem, mas não põe a mão no fogo por isso. “É preciso investigar antes, afinal, barragens assim são feitas para aguentar a pior chuva ocorrida nos últimos 10 mil anos”.

A Rio Pomba Cataguases escondeu o quanto pôde o engenheiro responsável pelos laudos técnicos das obras de reforço da barragem. Disse à reportagem de O Eco que ele estava no local do acidente, sem energia e sem comunicação por telefone. Pelo celular, o engenheiro Jorge Felippe da Silva Filho, do Consórcio Mineiro de Engenheiros Consultores, foi encontrado. E limitou-se a informar que não tinha autorização para conversar com jornalistas. Em seguida, bateu o telefone. A empresa também se cala e acha suficiente a nota oficial divulgada à imprensa, em que atribui a catástrofe ao fenômeno de tromba d’ água.

Depois do primeiro acidente, ano passado, a Feam recebeu relatórios de auditorias sobre segurança nas 611 barragens cadastradas em Minas Gerais. Baseada nos documentos, Zuleica afirma que 54% delas têm condições satisfatórias de segurança. E as que não têm, garante, estão sendo monitoradas de perto por técnicos, mas não tiveram as atividades suspensas. Trinta dias depois do vazamento de 2006, aliás, a Rio Pomba voltou a operar porque satisfez a condição imposta pela Feam: entregar o relatório de auditoria, que estava pendente.

Ainda no afã das declarações decorrentes do primeiro acidente, em 2006, o secretário de meio ambiente de Minas Gerais, José Carlos Carvalho, afirmou querer estabelecer um intercâmbio com os órgãos ambientais do Rio de Janeiro para troca de informações sobre os empreendimentos potencialmente poluidores localizados nas sub-bacias dos rios Muriaé, Pomba e Paraibuna – coisa que até hoje não saiu do papel. “O ideal seria fazer o levantamento de todas as áreas de risco naquela região, entre o oeste mineiro e o norte fluminense, mas isso não aconteceu por falta de recursos humanos e financeiros”, revela Zuleica. Ainda não existe plano de emergência entre os dois estados.

“O discurso de que desde o acidente do ano passado ninguém fez nada é mentiroso. O trabalho é muito árduo, e todos os itens do TAC foram cumpridos”, reforça Chequer. Só que depois do rompimento da barragem, o que se coloca à prova é a qualidade do estudo que foi feito, entregue e aceito. Sinal de que falta competência para verificar o que se escreve nos relatórios ou está havendo omissão dos responsáveis. Chequer prefere aguardar o fim das investigações, mas lembra: “Na vistoria que aconteceu antes do primeiro vazamento, ninguém identificou nenhum problema”.

Assim como fez ano passado, a Feam determinou que as atividades da Rio Pomba Cataguases sejam suspensas. Também aplicou uma multa de 50 milhões de reais pelo que considerou infração gravíssima. A Coordenadoria de Defesa Social de Minas Gerais (Cedec) informou que dez retroescavadeiras operam em Miraí para retirada da lama das ruas e outras equipes trabalham para garantir água e suprimentos aos moradores afetados. Técnicos do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) pretendem iniciar o controle de qualidade de águas dos rios Fubá e Muriaé até o fim da semana. Nesta quinta-feira, o governo mineiro deu 24 horas para que a mineradora arrume uma solução para evitar que a chuva não provoque o deslizamento da lama que restou na barragem, praticamente a mesma quantidade do que já vazou.

*Colaborou para esta reportagem Aline Ribeiro.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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