Todo mundo, de ambientalistas a autoridades, queixa-se da falta de recursos para a conservação. Como se sabe, o poder público dirige apenas pequena parte de seus investimentos a estratégias de proteção do meio ambiente. Entretanto, o presidente Lula conseguiu fazer melhor do que isso: dispensou uma imensa quantia de dinheiro para aplicar na proteção do Pantanal, interrompendo um contrato de empréstimo com o BID que poderia chegar a 400 milhões de dólares. A razão para desistência? O governo brasileiro não quis dar sua contrapartida.
Os dólares concedidos pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) só entravam no Tesouro se o governo federal também colocasse no programa de proteção do Pantanal o mesmo valor. Assim, se o Brasil investisse 10 mil reais na conservação do Pantanal, o banco depositava outros 10 mil reais. Entre 2001, quando o empréstimo foi assinado, até 2005, quando foi descontinuado, o Programa Pantanal tinha um orçamento inicial de 165 milhões de dólares, repartidos irmamente entre o BID e o governo brasileiro. Isso exigiria que o governo investisse cerca de 20 milhões de dólares por ano.
Infelizmente, ele não chegou nem perto disso, segundo uma auditoria feita entre maio e junho do ano passado pela Controladoria Geral da União (CGU). O resultado desse pente fino nas contas do Programa Pantanal está na Internet e foi divulgado em agosto do ano passado. Mas não teve a menor repercussão – o que não deixa de ser surpreendente diante do tamanho da bobagem que foi feita. A auditoria revelou que o Brasil, entre 2001 e 2005, executou apenas 2,3% do acordo inicial de 165 milhões de dólares.
Além do pífio valor de seu investimento, o país acabou jogando dinheiro fora ao se ver obrigado a cobrir encargos pela não utilização do empréstimo. A equação da má gestão é a seguinte: nos cinco anos em que existiu com recursos do BID, o Programa Pantanal desembolsou apenas 4 milhões de dólares, metade posto pelo governo brasileiro. Mas como havia se comprometido a desembolsar pelo menos 10 vezes mais, teve que pagar a chamada taxa de permanência ao banco internacional. A auditoria mostrou que em encargos, o Tesouro brasileiro gastou cerca de 1,2 milhão de dólares.
Descaso
Diante do fracasso de execução, a própria equipe do Programa Pantanal prôpos ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) que cancelasse o contrato de empréstimo com o BID em 2005. O diretor do programa na ocasião era Valmir Ortega, hoje secretário de Meio Ambiente do Pará. Ele não respondeu aos pedidos de entrevista ao Eco para explicar com detalhes o porquê da desistência. Mas em algumas entrevistas em 2005, a ministra Marina Silva afirmou que o contrato tinha sido mal negociado pelo governo Fernando Henrique Cardoso em 2001. O desenho do programa criava responsabilidades irreais para o MMA e tinha condições financeiras muito onerosas ao governo brasileiro, disse.
De fato, o acordo com o BID exigia demais do Meio Ambiente ao colocá-lo como órgão coordenador de todas as obras de saneamento e reurbanização de cidades pantaneiras. Mas Alcides Faria, diretor da Ecoa, ONG que atua no Pantanal, avalia que este era um problema menor. Em sua opinião o programa tinha “um desenho razoável” que permitiria ao governo recolocar as ações nos ministérios apropriados. O que faltou mesmo foi disposição dos dois últimos governos para desembolsarem grandes quantias para a conservação no Pantanal. “Na política ambiental de Lula só a Amazônia importa, o resto não existe”, critica Faria.
O ex-chefe da Divisão de Meio Ambiente do BID no Brasil, o colunista de O Eco Marc Dourojeanni, foi o executivo que entre 1995 e 2000 negociou o acordo de empréstimo ao Programa Pantanal. Ele conta que ainda no governo FHC, o programa começou com problemas, pois a coordenação não conseguia se articular com os estados para investir o dinheiro. Depois, com a entrada da turma de Marina Silva, o programa foi enterrado de vez. “Eles já chegaram chamando o programa de herança maldita”, critica Dourojeanni. Para ele, o problema foi essencialmente político: a desconfiança dos petistas com relação a um programa tucano se uniu à aversão do primeiro mandato de Blairo Maggi no Mato Grosso aos temas de meio ambiente.
A conclusão no relatório da CGU é de que o acordo assinado no governo FHC teve “concepção inicial sem que fossem avaliadas as dimensões do Programa e a origem dos recursos orçamentários”, que por sinal ficaram mais escassos com o arrocho em determinados gastos públicos imposto pelo ministro Antonio Palocci no primeiro mandato de Lula. O contrato de empréstimo poderia até ter lá seus defeitos, mas não dá para afirmar que a conservação do Pantanal ficou sem dinheiro por causa deles.
Mesmo depois de extinta a fase com recursos do BID, os recursos federais destinados ao Pantanal continuaram insignificantes. Em 2006, a rubrica “Desenvolvimento Sustentável do Pantanal” recebeu apenas 3,4 milhões de reais e só executou 65% desse total. Em 2007, as coisas melhoraram, mas só um tiquinho. A genérica categoria “desenvolvimento sustentável” deixou de existir e as ações para o Pantanal foram divididas em diferentes programas governamentais. Dentro do Áreas Protegidas do Brasil, 5,6 milhões de reais serão destinados aos parques pantaneiros. Além disso há uma verba de 3 milhões de reais, especificada como “conservação dos biomas Cerrado e Pantanal”, e uma dotação de 776 mil reais para pesquisas que estão sob o controle do Ministério de Ciência e Tecnologia.
De volta ao planejamento
O atual coordenador do Programa Pantanal no governo federal, Paulo Guilherme Cabral, explica que o MMA está tentando juntar outros ministérios em um esforço conjunto para incluir a conservação na região no Plano Plurianual 2007-2010. Segundo ele, foi essa falta de articulação que impossibilitou a continuidade do empréstimo do BID. Agora, se espera que o MMA coordene apenas ações de conservação, enquanto outros ministérios ficarão responsáveis pelas obras de infra-estrutura. “Temos que descentralizar as ações”, opina.
De acordo com Cabral, desde que o empréstimo foi cancelado, o MMA tem focado seus esforços em identificar as áreas prioritárias para conservação, trabalho que foi terminado no fim de 2006. Além disso, estão sendo preparados planos de manejo das unidades de conservação na região, como dos Parques Nacionais do Pantanal e Serra da Bodoquena. Há ainda a avaliação ambiental estratégica da Bacia do Rio Paraguai, que determinará que tipo de empreendimento pode ser realizado no bioma pantaneiro, e os Planos de Recursos Hídricos do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.
Portanto, as ações de conservação voltaram à fase do planejamento. Uma grande decepção para os ambientalistas da região, pois o empréstimo do BID ao Programa Pantanal foi negociado por dez anos, durante toda a década de 90. Quando se tornou realidade, nada aconteceu. “Tivemos muito expectativa, as ações no Pantanal nunca tinham tido tanto dinheiro”, conta Márcia Bambrilla, da Fundação Neotrópica. Mas hoje, diz ela, é como se o programa não existisse. Suas ações são desconhecidas. Em sua opinião, o problema que vitimou o programa foi estritamente gerencial: não havia conexão entre a coordenação do programa e outras áreas do governo.
Dourojeanni acredita que as muitas explicações para o fim do empréstimo ao Programa Pantanal se tornaram pretextos. No fim das contas, o problema é bastante claro: faltou vontade política. “O pior foi não ter utilizado um dinheiro que era fundamental para a conservação do Pantanal”, concluiu.
Leia também
2024 é o primeiro ano em que a temperatura média da Terra deve ultrapassar 1,5ºC
Acordo de Paris não está perdido, diz serviço climatológico europeu. Confira a galeria de imagens com os principais eventos extremos de 2024 →
Obra milionária ameaça sítio arqueológico e o Parna da Chapada dos Guimarães, no MT
Pesquisadores, moradores e empresários descrevem em documentário os prejuízos da intervenção no Portão do Inferno →
Soluções baseadas em nossa natureza
Não adianta fazer yoga e não se importar com o mundo que está queimando →