O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) organizou na última quarta-feira, em Manaus, um seminário para divulgar as conseqüências do aquecimento global para a região amazônica. Na pior das hipóteses, a floresta sofrerá um aumento de 14 graus em sua temperatura média até o fim deste século. No melhor dos mundos, enfrentará algo parecido com um El Nino permanente. Em outras plavras, uma longa seca.
As previsões foram apresentadas ao público pelo ecólogo americano Philip Fearnside, pesquisador do Inpa e especialista nas mudanças que o aquecimento da Terra provocarão na Amazônia. Ele também faz parte do Painel Intergovernamental em Mudança do Clima ( IPCC, sigla em inglês), que divulgou no começo do mês um relatório sombrio sobre o futuro do planeta. Fearnside está envolvido na elaboração de uma parte do estudo que trata da América do Sul, onde segundo ele, os efeitos vão ser mais sentidos, apesar de haver ainda muita divergência sobre quais serão. Essas análises vão ser divulgadas no início de abril.
A maioria dos modelos climáticos não apresenta diretamente os efeitos do aquecimento global na Amazônia, mas há motivos para preocupação quanto ao futuro da maior floresta tropical que ainda existe no mundo. As previsões feitas com base no modelo do Escritório Meteorológico do Reino Unido apontam para um aumento de temperatura na Amazônia 40% maior do que a média do planeta. Isto significa um salto de 14º na temperatura média da região e picos de mais de 50º Celsius, no final deste século. E justamente quando o calor estiver aumentado e as plantas precisando de mais água para a fotossíntese, os períodos de seca na região devem se prolongar. A conseqüência é que em menos de 50 anos a floresta hoje ainda imponente se transformará em uma imensa savana. “O modelo do Hadley Center (Reino Unido) é o mais catástrófico, mas é o que melhor representa o clima atual da região”, afirma Fearnside.
Embora outros modelos não falem em um grande desastre para a Amazônia, cinco dos sete principais modelos usados pelos estudiosos já demonstram o aumento da temperatura das águas do Oceano Pacífico, como conseqüência do aquecimento global. Isto seria uma espécie de El Niño permanente. “Nós sabemos pela observação que, quando ocorre El Niño, há grandes secas e queimadas na Amazônia”, diz Fearnside. “Para isto não é preciso modelo, basta a observação”, completa.
A influência do aquecimento global sobre o El Niño também consta do quarto e último relatório de avaliação do Painel Intergovernamental em Mudança do Clima, onde os cientistas concluem que a água dos oceanos está aquecendo, conforme destaca Antônio Ocimar Manzi, coordenador do Experimento de Grande Escola da Biosfera– Atmosfera na Amazônia (LBA). “Os cientistas verificaram o aquecimento até 3 mil metros de profundidade”, diz Manzi.
Apesar de ser um fenômeno natural, o El Niño se tornou mais freqüente a partir de 1976. Esta constatação fez parte do segundo relatório de avaliação do Painel Intergovernamental em Mudança do Clima, publicado em 1999. Para Fearnside, a razão dos intervalos em que o fenômeno ocorre está relacionado ao aquecimento da Terra.
Um El Niño permanente significa secas rigorosas e prolongadas, como a que ocorreu em Roraima entre 1997 e 1998, quando incêndios atingiram um quarto do estado. Naquele ano, o fogo atingiu por volta de 39 mil quilômetros quadrados de savanas, florestas e campinaranas da região. Mais de 45 milhões de toneladas de carbono, na estimativa de Fearnside, foram liberadas para a atmosfera pela combustão e pela decomposição das árvores mortas.
As secas representam maior possibilidade de incêndios. A vegetação seca propaga o fogo pelo sub-bosque da floresta, normalmente mais úmido, e permite a morte das árvores que não são adaptadas para suportar as chamas. “E as árvores mortas se tornam combustível para os próximos incêndios, que matam ainda mais árvores”, explica Fearnside. Com a falta de chuvas, mesmo quando não queima, a floresta inteira passa a sofrer condições semelhantes às observadas na borda, ou seja, as árvores maiores começam a morrer, dando espaço para a consolidação de florestas mais pobres em biomassa.
Reação
Mas a maior floresta tropical do mundo não definhará sem reagir. Numa espécie de doce vingança, estudos apontam que a destruição da Amazônia agravará o aquecimento global diante da quantidade de carbono que será emitida pelas árvores. Também existe muito carbono armazenado no solo da Amazônia. Segundo Fearnside, uma pesquisa feita na Inglaterra e no País de Gales demonstrou que lá ocorreram perdas de carbono do solo mesmo com aumento de apenas 0,8º Celsius na temperatura global desde 1900.
Outro ponto é que a floresta amazônica contribui com o ciclo hidrológico do Brasil, sendo responsável por grande parte das chuvas que ocorrem no Sul e Sudeste do país e que alimentam grandes hidrelétricas, nas bacias do Paraná e do São Francisco. Sem a cobertura das árvores, é possível que o verão no Sudeste tenha mais sol e menos chuva, e a geração de eletricidade estaria comprometida.
Um exemplo de que essas projeções não são ficção foi a seca que mudou a paisagem da Amazônia em 2005, quando o nível de água de afluentes do lado sul do Amazonas, além das calhas principais do Amazonas e Solimões, ficou ficou bem abaixo do normal. Na época, houva mortandade de peixes e incêndios em áreas onde historicamente o fogo não atingia.
A seca foi provocada pelo aumento de 0,92º C na temperatura do Atlântico Norte Tropical em relação à média entre 1901 e 1970. E apesar das águas do Atlântico ficarem mais quentes, naturalmente a cada 60 anos, quase metade deste aquecimento (0,45 graus) pode ter sido provocado pelo aquecimento do planeta. Fearnside não dúvida que o fenômeno foi influenciado pelas mudanças climáticas.
* O jornalista Vandré Fonseca vive na Amazônia há dez anos. Morou primeiro em Roraima, agora está em Manaus.
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