Ao ouvir as primeiras conclusões de oito estudos sobre os impactos da mudança climática na biodiversidade brasileira, a equipe do Ministério Meio Ambiente sinalizou que pretende começar a agir. Em outras palavras, a cutucar colegas de outras pastas para ajudar a prevenir o que será muito difícil de remediar. Secas, propagação de doenças e escassez de água são apenas alguns dos cenários apontados pela pesquisa encomendada em 2004 pelo próprio governo e que traz projeções preocupantes para diversas regiões do país.
No fim da apresentação dos estudos em Brasília nesta terça-feira, tanto a ministra Marina Silva quanto integrantes de sua equipe deram declarações públicas de que o Brasil se prepara para aprofundar compromissos nacionais e internacionais na mitigação dos impactos do aquecimento da Terra. Marina disse que o governo vai preparar um plano nacional de mudanças climáticas, mas ainda não há uma articulação formal entre os diversos ministérios.Os resultados das pesquisas servirão de ponto de partida para identificar pontos vulneráveis do território brasileiro ao fenômeno. A ministra, entretanto, mencionou mais de uma vez que uma estratégia interna deverá ser acompanhada de uma maior cobrança dos países desenvolvidos. “Não podemos ser ingênuos de achar que teremos resultados só com medidas nacionais.”
O secretário de Biodiversidade e Florestas, João Paulo Capobianco, defendeu algo que até agora a diplomacia do Brasil tem tentado ignorar: a possibilidade do país assumir metas de redução de gases estufa em novo período do Protocolo de Quioto, que ocorrerá a partir de 2013. “Pessoalmente, acho que poderemos assumir compromissos formais se isso for essencial para o sucesso da segunda-fase de Quioto”, pontuou. O Brasil ocupa o quarto lugar no ranking das nações que mais contribuem para a poluição da atmosfera com gás carbônico graças às suas altas taxas de desmatamento e queimadas.
Para contrabalancear o peso desta triste colocação, o Ministério do Meio Ambiente também apresentou cálculos de quanto o país deixou de poluir nos últimos anos. Hoje, com 205 propostas registradas nas Nações Unidas, nós somos o terceiro no ranking de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), atrás da Índia e China. Isso significa que 25 milhões de toneladas de carbono deixaram de ir para atmosfera nos últimos sete anos. Outra ação brasileira ressaltada foi o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (Proinfa), que obrigou a entrada de 3,3 MW de energia produzidos por fontes eólicas, de biomassa e de pequenas centrais hidrelétricas. O programa evita a emissão de 2,9 milhões de toneladas de carbono anualmente.
Em relação às taxas de desmatamento, o Ministério do Meio Ambiente citou que redução de 52% na destruição da floresta amazônica contribui para cortar a emissão de 430 milhões de toneladas de carbono. Na primeira semana de março, o governo brasileiro voltará a discutir sua proposta de criação de um mecanismo internacional de compensação por desmatamento evitado. Uma reunião técnica da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas ocorrerá na Australia a partir do dia 6 de março com foco na proposta brasileira. Até o momento, o eixo da idéia tem sido uma adesão voluntária de países a metas de diminuição de suas taxas de desflorestamento. Mas Capobianco conta que, na Austrália, o Brasil apresentará uma proposta aberta para que possa agregar soluções já apresentadas por outras nações com florestas, como Papua Nova Guiné e Costa Rica.
Adaptação
Além de medidas para cortar as emissões, um dos desdobramentos dos estudos sobre impacto do aquecimento na biodiversidade será o planejamento para a adaptação econômica e social, uma vez que está comprovado que as mudanças climáticas já estão ocorrendo. O Ministério do Meio Ambiente está particularmente interessado em aplicar os resultados nos processos de criação de unidades de conservação. Isso poderia garantir o suprimento de água em regiões que sofrerão com mais secas, ou impedir a ocupação irregular em áreas litorâneas que podem ser afetadas pelo aumento das marés.
Os resultados apresentados nesta terça-feira não permitem ainda calcular o quanto o Brasil deveria investir para se adaptar às crises econômicas ou aos desastres naturais que decorrerão do aquecimento global. Mas é possível afirmar que ações de peso serão necessárias. A Baixada Santista, por exemplo, onde está localizado o maior porto comercial brasileiro, terá um processo acelerado de erosão em sua costa. Isso ocorrerá graças à elevação do nível do mar até o fim do século, segundo estudo coordenado por Emília Arasaki, da Universidade de São Paulo (USP).
Já o levantamento liderado pelo pesquisador Alexandre Garcia, da Fundação Universidade do Rio Grande (Furg), indica que o aumento de eventos climáticos extremos, como o El Niño, vai desbalancear a pesca no estuário da Laguna dos Patos (RS). Isso afetaria a captura da tainha, base de sobrevivência de 3,5 mil a 4 mil pescadores que vivem na região. Outro estudo da Furg, de Carlos Tagliani, identificou o comprometimento de 60% de terras agricultáveis com a subida das marés na Ilha do Marinheiros, também no estuário da Laguna.
Mesmo projetos do governo deveriam considerar adaptações frente às ameaças do aquecimento global. O pesquisador José Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e responsável pelo mais amplo dos oito levantamentos, ressaltou que teria sido prudente levar em conta as mudanças climáticas ao elaborar o estudo de impacto ambiental da transposição do rio São Francisco. Os resultados de seu experimento mostram que o Nordeste se tornará mais seco e será a região do país mais afetada. “Com o aumento da temperatura haverá mais evaporação e menos disponibilidade de água”, alertou.
Ao ser perguntada se os estudos afetariam projetos de infra-estrutura em curso, como as hidrelétricas do rio Madeira, a ministra Marina Silva disse que não se pode olhar a questão de forma “imediatista”. Limitou-se a dizer que uma ação conjunta de vários órgãos públicos será pensada para lidar com as mudanças climáticas. É o início do discurso da transversalidade climática.
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