A regularização de garimpos em terras da União no Amazonas está suspensa. E os motivos são ambientais. Em 23 de fevereiro, o juiz substituto da Segunda Vara da Justiça Federal no Estado, Ricardo Augusto Sales, concedeu uma medida cautelar contra a legalização da atividade e impôs, como condição para cair com a decisão, que o Ibama faça Estudos de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) dos garimpos e elabore um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (Prad), exigência legal para atividades de mineração.
A decisão é temporária. O próprio juiz fez considerações sobre as conseqüências sociais da decisão, mas destacou a necessidade de se garantir a preservação da biodiversidade local: “(…) é dever do Estado Nacional a preservação do meio ambiente, sendo que o interesse de uma minoria ainda que em número elevado, não pode se sobrepor ao cumprimento da legislação e ao interesse da maioria dos brasileiros que, por certo, é o de que se evite a completa destruição do ecossistema e do estilo de vida das populações que há gerações residem no interland amazônico em perfeita harmonia com a floresta.”
De acordo com a decisão, as exigências de elaboração do EIA-Rima e do Prad não foram respeitadas na autorização para a lavra de ouro e extração de areia no Rio Madeira, no Sul do Amazonas, pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), em 2005, ou nos procedimentos que estão sendo feitos para a regularização do garimpo do Eldorado do Juma, prometida pelo Ministério de Minas e Energia. Nos dois casos, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) deu aval para a permissão do garimpo.
A medida cautelar obriga ainda todos os envolvidos a se pronunciarem sobre a intenção de compor a parte ativa ou passiva da ação. Ibama, Advocacia Geral da União, Ministério Público e Procuradoria de Justiça do Estado do Amazonas confirmaram que querem o cumprimento da legislação ambiental. O DNPM se pronunciou em favor da regularização do garimpo Eldorado do Juma. A Justiça aguardava a manifestação do Ipaam, que segundo a decisão “adotou uma postura esquiva. Criando injustificado óbice à entrega do mandado e dos documentos que o acompanhavam”.
O caso rio Madeira
A retirada de ouro em 1.000 hectares ao longo do rio Madeira, a partir da divisa com Rondônia, foi autorizada pelo DNPM em 2005, após licenciamento do Ipaam. A decisão foi tomada, de acordo com o Ibama, a despeito de o rio ser considerado uma hidrovia federal (corta Rondônia e Amazonas) e a atividade ocorrer dentro e no entorno da Floresta Nacional de Humaitá, criada em 1998.
No ano passado, após receber um relatório do chefe dessa unidade de conservação informando sobre a ação de garimpeiros no local, a procuradoria do Ibama e a Advocacia Geral da União entraram com uma ação para suspender a atividade.
No rio Madeira, a legalização do garimpo teve participação decisiva da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambientaldo Amazonas (SDS), que por meio do “Projeto de Extrativismo Mineral e Familiar do Rio Madeira” incentivou a criação de uma cooperativa, ajudou na compra de equipamentos que deveriam servir para reduzir a poluição com mercúrio e fez uma oficina de Educação Ambiental.
O secretário estadual de Meio Ambiente, Virgílio Viana, informou que deve recorrer da decisão nos próximos dias. De acordo com ele, a regularização da extração de ouro no rio Madeira levou ordem a uma atividade que era feita sem nenhum controle. Segundo ele, o uso do cadinho (equipamento usado para destilar mercúrio) reduziu o uso do metal em 95 por cento.
A autorização dada aos garimpeiros, segundo o secretário, não é válida para o entorno de Unidades de Conservação. “Em nossas missões, quando encontramos balsas nestas áreas, elas são retiradas”, afirma Viana. O secretário questiona a classificação do rio Madeira como um rio federal. “Assim, todos os rios da Amazônia são federais, porque cortam mais de um estado”, destaca.
Outro ponto que vai ser questionado pela secretaria é a necessidade do Prad em mineração em bancos de areia, como é o caso do rio Madeira. “Para recuperar a área é preciso tapar o buraco e reflorestar a parte de cima, quando o garimpo é em banco de areia isto é impossível”, disse o secretário.
Mas segundo as considerações do geólogo e analista ambiental do Ibama Luiz Brait Filho, feitas em novembro de 2005, e anexadas ao processo judicial, as ações não foram suficientes para evitar a degradação ambiental. O garimpo não se limitava ao Amazonas, mas se estendia por mil quilômetros do rio, entre Abunã (RO) e Novo Aripuanâ (AM).
O projeto do governo estadual, segundo a argumentação do Ibama, teria deixado de considerar vários aspectos ambientais importantes da atividade, como a proibição de trabalhar em margens ou barrancos de rios, a limitação do uso de bombas de sucção ou o número de balsas por área – cuidados que poderiam amenizar os danos ambientais provocados pelo garimpo.
O documento afirma ainda que os garimpeiros continuavam a usar mercúrio e, apesar dos equipamentos entregues pela secretaria estadual, a destinação do metal não foi determinada no projeto. Faltavam também as orientações para a compra do material, que deveria ser feita com comerciantes cadastrados pelo Ibama. Por último, segundo o documento, a SDS teria deixado de fazer recomendações sobre a atividade no entorno da Flona Humaitá.
No Eldorado do Juma, o governo do estado pretende executar um processo semelhante ao do rio Madeira. A cooperativa de garimpeiros já está criada. Apesar do Eldorado do Juma não constar na ação proposta pelo Ibama e pela Advocacia Geral da União, o juiz entendeu que o ouro extraído, por estar no subsolo, é um bem da União, além da área onde ocorre a lavra supostamente fazer parte de um Projeto de Assentamento do Incra. Portanto, caberia ao órgão federal, no caso o Ibama, o processo de licenciamento ambiental.
* O jornalista Vandré Fonseca vive na Amazônia há dez anos. Morou primeiro em Roraima, agora está em Manaus.
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